sexta-feira, 17 de abril de 2009

Portugal, o TGV e o Mar


Allan Sekula, da Série Fish Story 89-95

Não deixa de ser interessante ver Tiago Pita e Cunha, coordenador responsável pelo Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, realizado no tempo do Governo de Durão Barroso, em 2004, e hoje Membro do Gabinete do Comissário Europeu para os Assuntos do Mar, em Bruxelas, afirmar continuar Portugal sem uma estratégia definida para o mar.

Em declarações recentes ao jornal Água & Ambiente, diz textualmente: «Nenhum Governo tem alocado os recursos necessários para implantar uma estratégia para os oceanos… O país devia apostar no transporte marítimo de curta distância e, em uma ou duas auto-estradas do mar. Por exemplo, a ligação Bélgica-Portugal é óbvia pois traria muito tráfego para os portos de França e Espanha. No transhipping devíamos competir com Algeciras, em Espanha. »

Não sabemos se as questões referidas constituem ou constituiriam, de per si, uma Estratégia para o Mar ou tão só questão de mera política de transportes marítimos e sábio aproveitamento económico de uma privilegiada posição geográfica frente ao Atlântico Oceano.


O Comandante Virgílio de Carvalho, durante longos anos uma quase solitária alma pregando no deserto, chamou repetidamente a atenção tanto para a importância estratégica do Mar para Portugal como para a consequente necessidade de elaboração de uma política adequada para os transportes marítimos e concomitante gestão portuária.


Allan Sekula, da série Fish Story, 89-95


Virgílio de Carvalho era também um acérrimo defensor da natural vocação dos nossos portos para o designado transhipping, tendo sobretudo em atenção a circunstância de possuirmos o único porto natural de águas profundas de toda Península Ibérica, como é o caso de Sines.


Sines continua a ser o único porto natural de águas profundas da Península Ibérica mas, entretanto, os espanhóis, não tendo nenhum natural trataram de começar a construir um _ artificial, dir-se-á, por contraposição a natural. Todavia aos navios que aí aportem e atraquem, não se afigura que cuidem de saber de tal diferença ou que a mesma muito os possa incomodar.


Sonhava Virgílio de Carvalho com o dia em que os grandes navios transoceânicos aportassem à costa portuguesa, transferissem e distribuísses a sua carga por navios de menor calado, passíveis de irem pelos confins dessa Europa fora, tanto a Norte com a Sul, entregando quanto daqui levassem.

Allan Sekula, da série Fish Story, 89-95


Um sonho que, ainda hoje e cada vez mais, faz todo o sentido, não sendo sequer necessário, tão óbvias são as razões, mais descriminar.


No entanto, quando pensamos num Estratégia Nacional para o Mar, não nos devemos ater apenas, segundo cremos, às questões de carácter eminentemente económico, importantes, sem dúvida, mas nunca decisivas. Devemos, acima de tudo, colocarmo-nos num plano mais elevado e olhar para Portugal como um todo _ como um todo inserido na Península Ibérica.


Sabemos o que pensam os nossos amigos do outro lado da fronteira. De historiadores como Sancez-Albornoz, Américo Castro e um Menéndez Pelayo, não apenas na sua História de Espanha mas até na História dos Heterodoxos Espanhóis , filósofos como Julián Márias e políticos como um Fraga Iribarne, dito muito amigo de Portugal, é unânime a consideração do erro da separação de Portugal.


Para os nossos amigos do lado de lá da fronteira, é um erro a separação e independência de Portugal, antes de mais, porque Portugal não subsistiria ou não teria subsistido independente sem a ajuda de Inglaterra, o que é exacto, uma vez a aliança com a potência marítima, paga com língua de palmo, ter sido na realidade decisiva para a subsistência da nossa independência.

Todavia, logo acrescentam uma segunda razão que, em parte, não deixa de ser na verdade a primeira de todas, ou seja, cortar, e ter cortado, a independência de Portugal, o livre e pleno acesso de Espanha ao mar, Atlântico. E é acima de tudo isto que lhes dói e não perdoam.


Neste enquadramento, podemos entender agora o famigerado projecto do TGV de um outro modo. A quem interessa mais o TGV, a nós ou a Espanha? Com a construção do TGV não ganha Madrid uma renovada centralidade?


Falece-nos a paciência e mais ainda a competência para analisar a fundo a viabilidade económica do projecto de construção do TGV. Talvez a sua exploração, de per si, não seja rendível mas, admitindo um alto valor estratégico do mesmo, admitindo externalidades positivas só mediatamente quantificáveis, quem sabe se não se poderia justificar.


No presente enquadramento, não se afigura, porém, e mais grave do que isso, dado o investimento envolvido, a interrogação não deverá ser apenas se o TGV é economicamente viável mas se, ponderando a necessidade de um investimento dessa ordem, investimento sempre realizado em detrimento de outros possíveis, a interrogação a formular, repetimos, é se, em vez de proceder à realização de um tal projecto, mais não valera repensar, reestruturar e investir numa política portuária adequada aos nossos tempos e ao nosso futuro.

Para se pensar uma Estratégia Nacional para o Mar, é necessário ir sempre mais fundo, ou mais alto, não bastando ficarmo-nos por questão de imediata ordem económico-financeira. Não se perceber isto, é, afigura-se-nos, não se perceber nada.

2 comentários:

Anónimo disse...

As posições estratégico-marítimas das terras lusitânicas e as outras distribuídas na roda do mundo, em conjunto, deram sentido ao nome de Portugal (Portugal dos Portos, como matagal dos matos, olival das oliveiras, ou laranjal das laranjeiras, conforme a expressão da autoridade incontornável nesta matéria, o Arquitecto-paisagista Álvaro Dentinho).

Portugal dos Portos afigura-se desígnio que, estou convicto, foi motivo da obra crónica dos reis de Portugal desde o início da nacionalidade. Se atendermos ao desenho fisiográfico das terras lusitanas logo parece que D. Afonso Henriques foi o escultor inicial da paisagem portuguesa – antevendo a potência, adoçou as formas, retirou o que demais via na pedra bruta e conferiu o sentido à obra necessária. O rei que deu o nome a Portugal e os políticos do seu tempo tinham a noção da posição geo-estratégica dos portos do Sul da Lusitânia e sua importância para a nova composição ecuménica dos mundos, qual motivo político desde o princípio ao fim da monarquia portuguesa.

A burrice obscuramente instalada, continentalizada e castelhanizada pelo socialismo destruiu o desenho de Portugal. O sinal actual é de um Portugal lusitano deprimido e demitido do serviço que lhe cabe no concerto das nações (ou dos mundos).

Valham-nos os portugueses de além-mar e contra-maré remar, remar!… Parabéns por este albergue português.

Nuno Cavaco - http://cronicasdeconistorgis.blogspot.com/

Gonçalo Magalhães Collaço disse...

O que é estranho, dir-se-ia, é Portugal, i.e., os portugueses, ou a sua maioria, viverem no mais completo esquecimento do seu passado. Dir-se-ia mas não sem alguma ingenuidade porque, se os portugueses, ou a sua maioria, vivem no mais completo esquecimento do seu passado, é porque, uma minoria, desde há séculos, tem promovido, contínua, sistemática e activamente, esse mesmo esquecimento. É um enigma porque Portugal, ainda hoje, para usar uma expressão de Pinharanda Gomes, sofre como uma nação ocupada.
Esquecemos tudo. Tinha Portugal, desde início, a consciência dos seus portos? Tinha. E mais do que isso, se olharmos ara o Índico, ainda hoje os pontos críticos, numa perspectiva estratégica, são exactamente os mesmos onde Portugal, já nos idos de 1500, firmou as sua praças fortes, os seus portos chave de vigilância e domínio desses mares longínquos.
Esquecemos também, por exemplo, como a conquista de Lisboa foi, de um ponto de vista militar, a primeira operação conjunta da história, envolvendo numa mesma manobra, tanto forças terrestres como marítimas, como nos lembra Carlos Selvagem na sua obra, Portugal Militar.
Enfim, como diria o José Marinho, enquanto houver 500 portugueses…
Ou seja, cumpre-nos rememorar os portugueses de quem são e, quem sabe, talvez um dia acordem deste sono letárgico em que permanecem desde há séculos.
Agradeço e dou os parabéns também pelo excelente Crónicas de Conistorgis e, por extensão, agradeço também a descoberta dos cadernos de Filosofia Extravagante e d’ O Lugar da Alma que, na minha vasta ignorância, completamente desconhecia.