terça-feira, 14 de abril de 2009

Estratégia Nacional para o Mar

Syoin Kajii, 2004
Não se afigura que Portugal possua, ainda hoje, uma verdadeira estratégia nacional para o mar, não obstante todas as meritórias iniciativas que têm vindo a ser realizadas nos últimos anos.


Se Portugal tivesse, de facto, uma verdadeira estratégia nacional para o mar, cremos, dúvidas não haveria sobre qual resposta a dar às seguintes interrogações:


- Está Portugal verdadeiramente disposto a defender os direitos sobre o mar que é seu?

- Está Portugal verdadeiramente disposto a afrontar a União Europeia, se necessário for, nesse particular?

- Tem Portugal verdadeira estratégia e consequente acção que imponha e justifique essa mesma defesa?

Desde os idos de Hugo Grotius que se entende dever a propriedade encontrar-se associada à posse sob pena de não ter validade alguma. Em oposição a Portugal e à doutrina do Mare Clausum, defendiam os Holandeses a doutrina, pela pena de Grotius, a doutrina do Mare Liberum, procurando, por um lado justificar, imediatamente, o assalto às ilhas sob domínio português na Oceânia, de Ceilão às Malucas, como, por outro, mediatamente, obterem a garantia de livre acesso ao Atlântico, acesso passível de ser lhes ser fechado pelos britânicos.

Na sua obra, Da Liberdade dos Mares, Grotius, para além de negar não só a propriedade aos portugueses a essas distantes ilhas e, acima de tudo, repudiar a possibilidade de apropriação por qualquer nação dos vastos oceanos, reforçava ainda a tese contra os portugueses, afirmando que, mesmo que alguma propriedade lhes pudesse ser atribuída, manifesto era, por evidente impossibilidade e falta de meios, deterem a posse tanto das cobiçadas ilhas como, menos ainda, das vastidões marítimas que arrogavam como de direito, suas.

Se relembramos Grotius, não é tanto para retomar uma velha querela, recordando também, por extensão, a oposição jurídica formulada por Serafim de Freitas a tais teses e doutrina, mas, acima de tudo, para sublinhar e não deixar esquecer como tal doutrina se veio a afirmar de primordial importância, sendo, inclusive, ainda hoje, argumento fulcral nas questões internacionais, para além, claro está, de não ter deixado de ser argumento usado como decisivo na célebre questão do Mapa Cor de Rosa e no consequente Ultimatum feito a Portugal pelos amigos ingleses.

Não é necessário estar-se particularmente bem informado, i.e., dispor de informação privilegiada, para se saber as ameaças que hoje pendem sobre os espaços marítimos, desde as questões ligadas à pirataria, como está bem patente na actualidade do caso da Somália, até aos vários tipos de tráfico, narcotráfico, tráfico de armas, tráfico de seres humanos, entre outros, como sejam as redes de imigrantes clandestinos, terrorismo, pesca ilegal ou poluição, para referir, em sínteses, apenas as questões mais significativas.

Também não é necessário ter acesso a informação privilegiada para se saber a percentagem do comércio europeu que se realiza por via marítima, ou seja cerca de 90% de todo o comércio extra-comunitário, incluindo o caso de matérias-primas cruciais, como o petróleo, e cerca de 40% no que respeita ao comércio intra-comunitário, como tampouco necessário será dispor de informação privilegiada para se perceber por onde transitam e passam a esmagadora maioria dessas rotas, sobretudo no que respeita ao comércio extra-comunitário.

Não menos necessário será qualquer informação privilegiada para saber ainda quanto irá suceder com a entrada em vigor do agora designado Tratado de Lisboa, ou seja, deixarmos nós, portugueses, aos superiores interesses da União Europeia, a integral coordenação de todas as políticas respeitantes às pescas, abdicando, em definitivo, de toda a jurisdição sobre a coluna de água, em toda a extensão da nossa ZEE, e consequentees seres vivos que aí habitem e se encontrem.

Perante as ameaças descritas, perante a importância do mar para a União Europeia, não é difícil perceber e antecipar os próximos passos, i.e., ou Portugal manifesta uma efectiva capacidade de domínio, de posse, do mar que é seu, ou a União fá-lo-á, benritamente, por nós. Aliás, não é por acaso que tanto de fala do famigerado projecto da tal possível Guarda Costeira Europeia que, se ainda não viu a luz do dia e não está mais avançada a sua concretização, neste caso, felizmente, devido é apenas à natural lentidão dos processos comunitários, tal como, mutatis mutandis, vemos quotidianamente suceder em relação à àrea da Defesa. De uma coisa podemos no entanto ter plena certeza, se mais não avançou ainda tal projecto da Guarda Costeira, não se antecipando que a sua razão e principal finalidade fora patrulhar o Mar do Norte, não é com certeza, sublinhamos, por deferência a Portugal.

Entretanto que fazemos nós, portugueses, além de estarmos muito ufanos de termos em Lisboa a Agência Europeia de Segurança Marítima e termos assinado, conjuntamente com Espanha e França, um primeiro contributo para o Livro Verde da Política Marítima Europeia, como se, no primeiro caso, para além de não sabermos quanto isso nos está a custar ou irá custar, nos concedesse algum benefício e, no segundo, não se tornasse imediatamente perceptível quanto vez alguma poderão os nossos interesses no que ao mar e à pesca respeita, ligar-se, historicamente, a espanhóis e franceses?

Tanto quanto é dado saber, e aqui talvez necessário fosse, de facto, acesso a informação privilegiada, fazemos pouco, muito pouco, no que mais importa. E o que mais importa, importaria, aqui, seria um adequado planeamento de meios de recursos que nos permitam, permitissem, defendermos, dominarmos, possuirmos, o mar que é nosso, tendo em perspectiva não apenas a ZEE mas também a Extensão da Plataforma Continental.

Evidentemente que sabemos não estar para amanhã a decisão sobre a Extensão da Plataforma Continental. Levará, depois de entregue, no mínimo, uns dois bons anos a ser apreciada, analisada e argumentada. Não irá ser tarefa fácil. Mas quando falamos de planeamento de meios e recursos, entre outros aspectos, falamos de uma Marinha adequada e, neste caso, uma Marinha não se prepara em um, em dois ou mesmo cinco anos. Uma Marinha pode levar dez anos a estar devidamente preparada, devidamente equipada. Não se adquirem navios como quem adquire um automóvel. A construção de um navio, de uma fragata, leva anos e, tanto quanto nos é dados saber, tanto na Lei de Programação Militar quanto no Programa de Reequipamento das Forças Armadas, nada está previsto que nos ofereça a garantia de virmos a poder dispor de efectiva capacidade de defendermos o mar que é nosso.

Dirá a Marinha que temos capacidade de pronta resposta aos desafios que actualmente se nos colocam? Dirá, com certeza, como não poderia deixar de o dizer. Mas será exacto? Alguém o discute, a não ser, talvez, em meios esotéricos, i.e., entre camaradas de armas, num íntimo serão doméstico? Político algum, vez alguma, abordou estas questões?

Enfim, por tudo isto, infelizmente, não se nos afigura que Portugal esteja, neste momento, manifeste, de facto, verdadeira disposição de defender os direitos sobre o mar que é seu.


Infelizmente, tampouco se nos afigura estar Porugal disposto a afrontar a União Europeia, se necessário for, para defender o mar que é seu.

Nunca se tendo ouvido uma única voz de qualquer político a reprovar o famigerado Artigo I-13º-d da inicial Constituição Europeia, hoje Tratado de Lisboa, no que respeita à passagem da jurisdição da coluna de água da nossa ZEE para mando da União Europeia, não se vislumbra que seja agora que tal se vá ouvir.

Para além disso, há ainda a agravante do nosso Direito estar subordinado ao Direito da União Europeia e, como tal, não só não dispormos de efectiva soberania como estarmos sempre subordinados aos superiores interesses da União Europeia que serão sempre também os superiores interesses de quem peso tem na mesma União Europeia. O peso de quem, afinal, tem os meios e recursos para impor o seu peso, o peso dos seus interesses, o peso das suas decisões.

Mas mais grave, muito mais grave, de facto, é igualmente não se alcançar qual seja, afinal, a verdadeira estratégia de Portugal, e consequente acção no que ao mar respeita. Há manifestação de boas intenções, em articulação com a EU, sempre em boa articulação com a EU, mas uma verdadeira estratégia, uma estratégia que esteja para além da sempiterna questão de exploração económica dos recursos marinhos ou da sempiterna e simpática promoção dos desportos náuticos, não se alcança nem se vislumbra sequer. O que mais custa, pesa e amachuca.





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