domingo, 5 de abril de 2009

Prioridades Trocadas

Áreas ZEE e SAR no Atlântico da CPLP


Se olharmos com a devida atenção para um mapa de Portugal, se olharmos com olhos de ver e a devida atenção para vermos o que verdadeiramente deve ser visto, logo compreenderemos, sem demasiado esforço, aquilo que poderemos designar como a nosso matriz estratégica por natureza ou excelência.

Olhando para um mapa de Portugal, situando-o no mundo, no globo, e não apenas na exiguidade do extremo oeste da Europa, exíguo território rectangular incrustado no extremo da Hispânica Península, sabendo como esse território se estende pelas águas interiores, pelo mar territorial, pela Zona Económica Exclusiva, pela eventual futura Extensão da Plataforma Continental, pela não menos importante Área de Busca e Salvamento, vulgarmente designada por Área SAR, logo se torna evidente onde reside, de facto, havendo consequente consciência disso, a nossa verdadeira matriz estratégica.

Tão evidente evidência, se é permitido o pleonasmo, surpreende por, ao longo de tantos anos parecer passar desapercebida a tantos, i.e., sobretudo a quem, governando-nos, tinha, acima de todos os outros, a obrigação de compreender isso mesmo, sem hesitação.

Paiva Couceiro, perscrutando, em seu tempo, o possível futuro de Portugal, teria advogado mesmo, segundo o relato exposto por Vasco Pulido Valente no seu livro sobre o último paladino da monarquia, dadas as dificuldades de manutenção do Império na sua integralidade e a importância de nos concentramos no Atlântico, dando especial relevo ao triângulo Cabo Verde, Angola, Brasil, o abandono de Moçambique. Talvez chocante, para alguns, mas denotando, sem dúvida alguma, indiscutível sentido estratégico.

O famigerado Ultimatum inglês foi uma humilhação para Portugal e sabemos bem como terá, inclusive, constituído significativo contributo para a queda da monarquia, uma vez considerar-se então não ter tido o Rei e o Reino capacidade suficiente para dar uma resposta à altura da situação. Talvez não fosse possível e nem legítima fosse igualmente tanta irritação com o Rei mas, não obstante, para além dos condicionalismos e aproveitamentos políticos da época, a reacção não haja porventura sido exclusivamente sentimental, resultando, no fundo, no mais fundo, de uma, quase diríamos congénita ou inata consciência da nossa situação estratégica.

Como está bem patente na nossa História, desde o reinado de D. Dinis, quando Portugal estendeu em definitivo a sua soberania sobre o Reino dos Algarves, ponto de maior relevância estratégica uma vez evitar ficarmos sob uma espécie de tenaz de Castela que, a qualquer momento, se poderia fechar, sempre que nos envolvemos em questões europeias, incluindo as castelhanas ou já espanholas, o resultado redundou sempre em dramático prejuízo para nós.

Desde as infaustas campanhas de D. Fernando, passando pelas funestas intenções de D. Afonso V e os erros de D. Manuel, a começar pelos seus casamentos e todas as demais desgraçadas Alianças estratégicas que conduziram à perda da nossa independência com Filipe II («herdei, comprei e, se dúvidas houvesse, conquistei»), até à terrível Campanha do Rossilhão, passando nós, uma vez mais, pela humilhação de vermos os beligerantes arquitectarem e firmarem, em perfeito segredo, o seu Tratado de Paz sem nos chamarem, consultarem ou sequer dado explicação ou restituição mínima, até às terríveis invasões francesas cujas tropas destroçaram, dizimaram e pilharam, sem lei nem escrúpulos, o Portugal Continental de então, preparando-se, inclusive, por Tratado assinado entre o napoleónico Estado francês e o digníssimo Rei de Espanha, a divisão de Portugal, obrigando-nos então a socorrermo-nos da ajuda inglesa que acabaríamos por pagar, entre outros aspectos menores, ou nem tão menores quanto isso, com a indirecta independência do Brasil.

Ou seja, da Europa podemos dizer, com toda a propriedade e justificação, o que sempre dissemos de Espanha: nem bom vento nem bom casamento.
Não vale a pena regressar aos idos do Estado Novo mas, se lermos as recentes memórias de Adriano Moreira, «Espuma do Tempo», logo percebemos como, ao longo de todo o Século XX, a cegueira estratégica foi a política oficial de Portugal.

Não, não vale a pena regressarmos agora ao passado, tanto mais quanto todos sabemos também quanto, após a dita Revolução de 74, perdemos, por anos, todo o senso mas, sem fatalismo, quanto agora importa é reflectirmos sobre o presente e perspectivarmos o futuro.

Ora, reflectindo sobre o presente, fácil é compreender como, integrados na União Europeia, desligados do Mar, do nosso Mar, iremos subsumir sob os interesses de terceiros até à mais completa irrelevância estratégica e, por consequência, até à mais completa irrelevância política.

Nesta circunstância, esquecidos do Mar, não obstante alguns pequenos titubeantes raios do que poderá ser um novo amanhecer, as nossas designadas prioridades políticas hierarquizam-se pela seguinte ordem: União Europeia, NATO ou OTAN e CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Se soubermos atender à importância estratégica do Mar para Portugal, logo compreendemos também como essas designadas prioridades políticas se hierarquizam por ordem errada. Na verdade, se soubermos atender devidamente à relevância do Mar para nós, da importância do Atlântico para Portugal, facilmente se compreende porque as designadas prioridades políticas nacionais se devem hierarquizar de acordo com a seguinte ordem: CPLP, NATO ou OTAN e União Europeia.

Enquanto não percebermos isso, creio, não percebemos nada; enquanto não percebermos isso, creio, estamos condenados a uma irremissível insignificância.

Cumpre-nos pensar Portugal, cumpre-nos saber atender aos seus desígnios estratégicos e estar à altura das consequentes responsabilidades.

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