sábado, 18 de abril de 2009

Portugal e a CPLP

Duarte Bello


Pensar em termos estratégicos a importância do mar para Portugal não é pensar apenas na isolada relação de Portugal com o mar mas também, e talvez acima de tudo, na posição de Portugal no mundo, o que significa também, como não pode deixar de significar, saber compreender esse, ou este, mesmo mundo onde nos encontramos.


O mundo actual é um mundo, talvez como sempre haja sido, dominado, quase diríamos mesmo, hoje, obsessivamente dominado, por questões de segurança.

Concomitantemente, também é sabido como os conflitos entre os povos civilizados se encontram em fase de evolução dos mais tradicionais confrontos militares, ditos clausewitzianos, para guerras de cariz primordialmente económico, ambiental e, secundariamente, sobretudo a Sul, geradas ou derivadas de crises alimentares, como, noutras partes do mundo, como por exemplo no Médio Oriente, confrontos, mesmo militares, pelo acesso à água.

Neste enquadramento, se olharmos de novo para o Atlântico, mesmo correndo o risco de sermos acusados de lusofónico chauvinismo, afiguar-se-á evidente quanto vermos ser, primordialmente, antes de mais e acima de tudo, o Atlântico da CPLP.

Carlos Miguel Fernandes


Tal como sucede em relação a Portugal, também outras nações, incluído Angola Brasil e Cabo Verde, têm projectos de extensão da sua Plataforma Continental até às 350 milhas marítimas. O Brasil já procedeu inclusive à apresentação da sua proposta à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, tendo sido já, tanto quanto podemos saber, tacitamente aceites os seus direitos sobre cerca de 90% da área proposta.

Angola e Cabo Verde, neste último caso com uma pequena ajuda de Portugal, estão a ultimar as suas propostas. De S. Tomé e Príncipe cuja plataforma continental se interliga com a plataforma continental da Nigéria e da Guiné, não conhecemos o ponto da situação, embora, no primeiro caso, se saiba de alguma ajuda de Portugal e o directo interesse de Angola, no segundo, dadas as convulsões internas vividas, não se vislumbre como possa algum trabalho ser ou estar a ser feito.

Tendo presente quanto ficou exposto, atendendo agora, primordialmente, às questões de carácter económico, logo sobressai também a crescente importância que o Golfo da Guiné, onde se inclui Angola, no que respeita às capacidades, presentes e futuras de produção petrolífera. Se, a par disso, tivermos igualmente em consideração, por um lado as recentes descobertas de novas jazidas ao largo do Brasil e o constante agravamento da situação política no Golfo Pérsico, bem como as estimativas da quota de consumo de petróleo dos Estados Unidos proveniente do região do Golfo da Guiné, atingirem, até 2015, cerca de 25% de todas as suas importação neste domínio, logo temos uma primeira noção do que estamos a falar.

Se atendermos, em simultâneo, ao facto de quase toda a produção no Atlântico Sul, mais especificamente no que respeita a Angola e ao Brasil, ser constituída por produção off-shore, mais se compreende não só a importância do Mar mas, concomitantemente, a consequente importância e imperiosa necessidade da sua defesa na referida área geográfica, ou seja, no Atlântico.

Mas se falamos de petróleo, a mais evidente riqueza neste momento em tais domínios, não podemos esquecer igualmente tudo quanto há ainda por explorar, ou mesmo em grande medida desconhecido, nos fundos marinhos, não só nos limites das actuais ZEE mas também no perímetro das futuras 350 milhas náuticas decorrentes da possível da extensão das respectivas plataformas continentais, ainda mais se acentua a sempre referida importância do Mar, do Atlântico, no conjunto das nações da CPLP, como, consequentemente, a importância e imperiosa necessidade da sua defesa.

Na verdade, não podemos esquecer que Portugal e as restantes nações atlânticas da CPLP não se encontram sozinhas no mundo.

Mesmo os britânicos, em passo, não sem controvérsia, preparam-se para apresentarem também projectos de extensão da plataforma continental de ilhas como as Falklands, Ilha da Ascensão e Rockall, neste último caso, muito mais a olhar talvez para Ártico do que para o Atlântico propriamente dito, mas ainda assim, uma ilha mais no Atlântico.


Comandante António José Martins, Ártico, 1939

Por parte dos Estados Unidos, tanto a constituição do AfricCom como da reactivação da 4th Force, com sede na Florida e que iniciou operações com um porta-aviões nuclear, o George Washington, e mais 11 navios, declaradamente sem estrutura fixa, para vigiar o Atlântico Sul, são também sinais significativos da importância do Atlântico, no caso o Atlântico Sul como área de redobrado interesse estratégico na actualidade.

Os crescentes tráficos que atravessam e assolam o Atlântico Sul, desde os mais tradicionais problemas do narcotráfico até ao tráfico humano, para além de outras ameaças, desde as terroristas às ambientais, são hoje um facto e justificam uma redobrada vigilância. Sabe-se igualmente porque muitos navios desligam já os Sistemas de Controlo de Tráfego, como o VTS, ao atravessarem o Equador. Sabe-se, conhecem-se os perigos de Estados como a Guiné, hoje quase sem lei e à mercê dos mais variados tráficos, ou a Nigéria, sempre instável e à beira de novas convulsões. Tudo isso se sabe, tudo isso se conhece. Tudo isso se sabe e tudo isso se conhece como sabido e conhecidos são os interesses dos Estados Unidos na área, mas deverão ser os Estados Unidos a terem a prorrogativa da sua vigilância e defesa ou essa prorrogativa é, deverá ser, de jure e de facto às nações atlânticas da CPLP?

A resposta parece não oferecer dúvidas mas não basta. No mundo actual, no mundo real, hoje, como sempre, não basta, ou seja, para que a resposta seja consequente e tenha verdadeira repercussão, é necessário mais, é necessário dispor igualmente da capacidade de a afirmar de acordo com a necessária e consequente força de defesa dos correlativos direitos.

Todas sabemos, todos temos perfeita consciência como a CPLP, não obstante alguns muito meritórios esforços e algumas não menos muito meritórias iniciativas, ainda é apenas aquilo que poderíamos designar como uma potência à espera de ser transformar em acto.

No entanto, se atendermos aos passos que têm vindo a ser dados pela CPLP, verificamos que tem sido exactamente na área da cooperação militar que esses mesmos passos têm sido dados de modo mais firme e consequente. Não por acaso, dir-se-á, e, felizmente.

Não por acaso porque, se a amizade entre os homens se firma antes de mais na luta contra o mal, uma comunidade, seja ela qual for, firma-se, antes de mais, na sua capacidade de defesa, latu sensu. Uma comunidade sem capacidade de defesa, uma comunidade indefesa é, por definição, uma comunidade condenada.

Felizmente, afirmámo-lo também porque, nestes tempos sombrios e melancólicos, talvez seja ainda da área militar que possamos esperar aquela consciência estratégica, a consciência da grande estratégia, sem a qual as nações, nenhuma nação, como nenhuma comunidade, sobrevive.

Mas, como é evidente, nem tudo é fácil, ou estaria feito. Bem pelo contrário, mas quanto mais tarde houver consciência, quanto mais tarde se tentar fazer seja o que for, pior _ correndo-se mesmo o risco de ser tarde de mais.


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