segunda-feira, 27 de abril de 2009

Portugal e a NATO

John Gossage, Berlim East, 1987


O futuro da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, na expressão francesa) encontra-se, de novo, em aberta, ainda que não muito acesa, discussão, neste ano em que comemora o seu 60º aniversário e quando acaba de acolher dois novos membros no seio da Organização, a Albânia e a Croácia, perfazendo agora um total de 28 membros efectivos mais cerca de 22 apenas com o estatuto de Parceiros.

Portugal é membro fundador da NATO.

No pós-guerra, quando a Rússia, então URSS, sob os auspícios de Estaline, avançava declaradamente sobre a Europa, mantendo na Alemanha e na Áustria cerca de 1.300.000 soldados, preparando-se já para ocupar mais de metade da mesma, como viria a suceder por um período que só terminaria com a ruidosa Queda do Muro de Berlim em 1989.

Nesses anos de pós-guerra e perante tal enquadramento, temendo-se ainda pelo rearmamento Alemão, receio manifestado sobretudo por franceses, a NATO surgiu como a solução para garantir uma efectiva defesa da Europa, então dizimada pela II Grande Guerra, numa primeira instância, e logo depois do mundo ocidental em geral, dada a estratégia soviética se concretizar, de facto, como uma ameaça global (segundo Lenine, o caminho de Paris passava por Pequim e Carachi, se não erramos na exacta citação).

Para garantir, em termos militares, a protecção dos flancos, era indispensável tornava-se indispensável contar, por um lado, com a colaboração, pelo menos, da Dinamarca e da Noruega a Norte, e da Itália a Sul, mesmo tendo sido uma das potências do Eixo, dada importância crítica de defesa do Mediterrâneo.

Garantidos os flancos, era igualmente necessário assegurar as ligações entre uma eventual frente de combate e a retaguarda, ou seja, garantir a defesa do Atlântico, aí entrando, por um lado Portugal, dominando, com a Madeira e os Açores, as regiões até ao Trópico de Câncer, distando dessa mesma linha poucos graus a Sul Cabo Verde, e a Islândia, ao Norte, tapando as linhas do Árctico

A entrada de Portugal para a NATO não terá sido aceite por todos de forma pacífica. Sendo Portugal uma nação pluricontinental, como então se referia, com possessões não apenas em África mas também na Índia, China e Oceânia, não tendo interesses directos nas zonas de eminente conflito, como os Balcãs, Próximo Oriente ou Mediterrâneo, mas podendo colocar em risco a integridade dos primeiros por causa dos segundos, dadas as fronteiras com a Índia, República Popular da China e Indonésia, ideologicamente mais próximos da URSS que da velha Europa, de nada valendo o Tratado do Atlântico Norte, não deixou de haver quem defendesse ser a nossa entrada um erro, sugerindo-se, em alternativa, apenas o estabelecimento de um Pacto Bilateral com os Estados Unidos, eventualmente extensível ao Canadá, garantindo assim, por um lado, em conjugação com a Aliança Inglesa, o nosso perfeito e necessário contributo à defesa do Ocidente sem os riscos decorrentes do Artigo 5º, ou seja, da obrigação de auxílio mutuo em áreas geográficas muito além dos nossos interesses.

Fosse como fosse, não importando agora aqui refazer a história da constituição e evolução da NATO, Portugal foi, de facto, um dos seus 12 membros fundadores dessa Organização a quem se deve, de facto, por um lado, não ter a Europa Ocidental sido ocupada pelos Soviéticos e, por outro, os anos de paz que sobrevieram, até hoje, não teriam sido possíveis.

Entretanto, dois outros aspectos de ordem histórica afiguram-se-nos ainda importantes tendo em vista quanto aqui pretendemos apresentar. Referimo-nos, por um lado, a constituição da Comunidade de Defesa Europeia e ao abandono dos franceses da Estrutura Militar da NATO nos anos 60.

No primeiro caso, a C.E.D. surge, antes de mais, pelos receios franceses pelo rearmamento alemão, conseguindo assim, depois da constituição da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 51, formalizar a supranacional Comunidade Europeia de Defesa, englobando os mesmos signatários, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal Alemã, de modo o garantir o bom e correcto comportamento dos alemães rearmadas.

Ainda hoje, a Comunidade Europeia de Defesa, ou no que entretanto se transformou, continua a ser, por um lado, uma completa ambiguidade, querendo ser, sem meios nem vontade seja de quem for de promover a aquisição desses mesmos meios, não se sabe bem o quê, e, por outro, não se sabendo bem o que pretende ser ou que papel pretende desempenhar, não deixa também de ser causa directa de múltiplas outras ambiguidades, entre as quais, naturalmente, se encontram as relações e o papel a conceder à própria NATO.

Não iremos abordar essa questão mas, para nós, portugueses, nunca a devemos também esquecer.

Por outro lado, quando relembramos a saída da França da Estrutura Militar da NATO, é sobretudo para relembrar e acentuar os seus actuais interesses num próximo regresso, impondo, entre outras condições, virem tomar conta do actual Joint Command of Lisbon, em Oeiras. Um pedido que não é inocente e ao qual, nós, portugueses, nos devemos opor de forma veemente.

Bem sabemos como o Comando de Lisboa tem vindo a sofrer uma significativa diminuição nos últimos anos, decorrente quer da nossa adesão à Comunidade Europeia, quer de múltiplas outras evoluções estratégicas, às quais os nossos amigos espanhóis não serão também completamente alheios.

Seja como for, na passagem do CINCSOUTHLAND para o actual JCL, apesar de ainda ter sido possível, in extremis, manter Oeiras como um Comando de Segunda Ordem, a par de Brunssum e Napóles, o facto é que perdeu algo da sua anterior relevância.

Neste enquadramento, quando se comemoram os sessenta anos da NATO e todos referem a necessidade de repensar a sua estratégia e missão, será bom que em Portugal também se reflicta sobre o assunto e se meditem os interesses portugueses na Organização.

A primeira interrogação é se faz ainda sentido manter a NATO num plano de Organização exclusivamente defensiva, sendo a segundo o âmbito geográfico da sua actuação num crescentemente globalizado e onde os conflitos, mesmo os mais longínquos, têm, as mais das vezes, também as mais inesperadas repercussões nas mais longínquas paragens.

Nesse sentido, o grande desafio hoje colocado à NATO é, sem dúvida, o Afeganistão, mas, entretanto, a mesma NATO já se encontra em operações ao largo da Somália, aliás, sob comando português.

Entre as críticas recorrentes à NATO é o facto de nos últimos anos, desde a queda do muro de Berlim e dos subsequentes problemas surgidos nos Balcãs, na ex-Jugoslávia, ter servido essencialmente como um complemento de acção dos Estados Unidos no que respeita à sua influência na Europa e nas operações de imposição e estabilização de paz em áreas além do tradicional espaço euro-atlântico.

Para nós, Portugueses, afigura-se-nos, há um espaço de comum interesse, o Atlântico, sendo exactamente sobre essa área geográficas que as nossas preocupações se devem manifestar.

Bem se sabe quanto hoje é vulgarmente referido a importância estratégica do Atlântico estar a passar paro o Pacífico. Não nos deixemos, porém, iludir. Seja pela crescente importância da passagem do Árctico, assunto ao qual voltaremos, seja pela importância estratégica no que respeita ao petróleo do Golfo da Guiné, já aqui referido em texto anterior, entre outros factores, o Atlântico continuará a ser, durante muitos anos, um ponto crítico para a estratégia dos Estados Unidos e para a Europa, por variadíssimas razões, muitas das quais semelhantes.

Nesta perspectiva, não surpreende assim que o general Loureiro dos Santos tenha sugerido em recentes declarações ao Expresso, a possível entrada de Cabo Verde na NATO sob patrocínio nacional.

Numa primeira instância, a proposta parece fazer todo o sentido. Cabo Verde, não tivesse sido abandonado por Portugal, poderia constituir hoje uma Região Autónoma como a Madeira ou os Açores, hipótese e sonho que muitos cabo-verdianos acalentarem por muito tempo sob o mais completo menosprezo, tanto quanto se sabe, da parte das entidades oficiais de Portugal.

Uns graus a Sul do Trópico de Capricórnio, a entrada de Cabo Verde poderia, de facto, numa primeira instância, fazer todo o sentido, tanto mais quanto dada hoje a sua proximidade à União Europeia. Todavia, para nós, portugueses, será essa a estratégia mais correcta?

Num prisma estritamente bilateral, se nada mais for feito, diríamos, ao menos faça-se isso. Contudo, numa perspectiva mais alargada, essa visão bilateral afigura-se algo redutora.

Numa perspectiva mais alargada, quanto se devia avançar era, antes de mais, com o estabelecimento de uma Comunidade de Defesa do Atlântico no âmbito da CPLP, devendo ser essa Comunidade uma Parceria com a NATO para defesa do Atlântico ou estabelecer uma Aliança com os Estados Unidos para o Atlântico abaixo do Trópico de Capricórnio em complemento da NATO.

Demasiado ambicioso? Talvez, mas não impossível e, mais do que isso, se não formos nós, portugueses, a saber dar novo fôlego ao Comando de Oeiras, de forma a recuperar a importância que já teve enquanto CINCSOULTHLAND, não duvidemos que, um dia, teremos os franceses a fazê-lo _ para nossa vergonha e desgraça.

Voltaremos, como é natural e justo, a estas questões.

Sem comentários: