segunda-feira, 4 de maio de 2009

Os Políticos Portugueses e o Mar

Shomei Tomatsu, da série "The pencil of the sun", 1971


Para percebermos como Portugal não tem verdadeiramente uma Estratégia para o Mar, ao contrário do que vulgarmente se afirma, com pompa e circunstância, «pour epatée le bourgeois», como soe dizer-se, bastará atender à atitude dos nossos políticos, ou falta dela, em relação ao tema.

Podemos começar pela atitude dos deputados, supostamente fiscalizadores da acção do Governo, supostamente nossos representantes, supostamente guardiães dos mais altos e superiores interesses da República mas, afinal, subsumidos na ignomínia da dita disciplina partidária, de mente captada pelas pequenas intrigas das grandes vaidades pessoais e partidárias. Dos deputados, destes deputados, nada há a esperar.

Individualmente considerados, haverá excepções, com certeza, haverá entre tantos os bem intencionados, sincera e denodadamente entregues ao seu trabalho, mas, no seu todo, o facto é que, até hoje, nunca se lhes ouviu qualquer protesto contra o famigerado Artigo I-13º-d do não menos famigerado Tratado Reformador, agora transposto em Tratado de Lisboa que, por ter o nome da nossa capital, obrigados estamos a ratificar sem mais. Afinal, todo o nosso patriotismo parece estar também reduzidos a isto, aprovarmos um Tratado Europeu contra os nossos interesses apenas com o alto de fazermos perdurar o nome de Lisboa num Tratado Europeu. Grande orgulho !...

O famigerado Artigo I-13º-d, é exactamente o artigo que transfere e confere à União Europeia a absoluta e exclusiva autoridade de gestão dos recursos biológicos da Zona Económica Exclusiva, ZEE, sabendo nós que os direitos a serem concedidos e inerentes à Extensão da Plataforma Continental, respeitam apenas ao solo e subsolo marinho e não à coluna de água.

Em simultâneo, se tivermos em conta o facto de a maioria das decisões comunitárias, da agora também pomposa mas significativamente designada União Europeia, uma vez instituído o Tratado de Lisboa, passarem a poder ser aprovadas por maioria de 55% das nações, perfazendo 65% da população da União, logo percebemos também como Portugal se despede, no que respeita às pescas, de toda e qualquer capacidade de autonomia e independência de gestão nessa matéria.

Para Portugal, a nação com maior consumo de peixe per capita da União e a quarta maior do mundo, essa é uma questão de muito menor importância.

Era exactamente para este problema que apontava a palestra do Almirante Ferraz Sachetti no Colóquio «O Mar no Pensamento Estratégico Nacional», referido no texto anterior. E não diremos que apontava preclaramente porque esse é um tema para o qual se tem já repetidamente chamado a atenção, embora sempre com a mais olímpica das indiferenças por parte políticos portugueses, entre os quais se encontra inclusive o caso do Presidente da República Portuguesa.

Na verdade, há pouco mais de um ano, o Presidente da República decidiu incluir, numa iniciativa então designada como Roteiro para a Ciência, uma Jornada dedicada às Ciências e Tecnologias do Mar. Em boa hora, dir-se-ia, mas logo se percebe também a inconsequência, pelo menos do ponto de vista nacional, de tal iniciativa.

É certo que o actual Presidente da República, antes de o ser, entre ter sido Ministro das Finanças no tempo da AD, com Sá Carneiro, e Primeiro Ministro, com duas maiorias absolutas, governou e participou no governo dos destinos de Portugal por mais de dez anos, não se lhe conhecendo, no entanto, durante esse período, qualquer preocupação específica ou particular sobre a importância do mar para Portugal.

Entretanto, porém, o panorama nacional e internacional, alterou-se, começando os assuntos do mar a readquirirem uma significativa e preponderante importância nas relações internacionais e, nesse contexto, a iniciativa presidencial pode desde logo ser vista a outra luz, a luz que se nos afigura correcta.

Na verdade, se formos ainda hoje consultar a página na Internet da presidência da República, lá encontramos os textos e discursos justificativos da dita Jornada dedicada às Ciências e Tecnologias do Mar, logo se constata também a total ausência de qualquer sentido estratégico por parte do Presidente da República, no que respeita à real e determinante importância estratégica do mar para Portugal.

Para além das sempre as mesmas referências ao Relatório da Comissão estratégica dos Oceanos e à Estratégia Nacional para o Mar, verifica-se, de facto, uma muito maior concessão de importância à Política Marítima Europeia e à situação internacional, sendo a seguinte citação um exemplo típico do alto pensamento do Presidente da República nestas matérias: «Neste contexto, é importante que Portugal encontre as estratégias e os mecanismos que permitam aproveitar melhor, numa perspectiva integrada, os recursos do Oceano e das zonas costeiras, promovendo a I&D, o crescimento das actividades económicas, o emprego e a protecção do património natural e cultural».

O termo estratégia surge no parágrafo citado apenas, quase se diria, por puro psitacismo, porque hoje soa sempre bem falar de estratégia a torto e a direito, seja em que circunstância for, mas o facto é que nada indica que o Presidente da República tenha consciência plena da real e determinante importância estratégica do mar para Portugal. O que é tanto mais grave quanto o Presidente da República é também o Chefe Supremo das Forças Armadas e a importância do mar para Portugal, deve ser vista, antes de mais e acima de tudo, em termos de Defesa Nacional, escusado sendo sequer referir as implicações daqui decorrentes.

Tudo isto não sendo fado, todo este fundo divórcio dos nossos políticos com o mais essencial de Portugal, não deixa de ser triste, profundamente triste.

Sem comentários: