sexta-feira, 8 de maio de 2009

Iberismo ou talvez não

PG06


“De Espanha não vem bom vento nem bom casamento”. Este dito está arreigado na cultura popular portuguesa e traduz uma atitude generalizada de desconfiança secular em relação aos também por nós chamados, muitas vezes em tom algo jocoso, “nuestros hermanos”. Tradicionalmente as nossas elites – políticas, económicas e culturais – dividem-se quanto ao assunto, perfilando-se nos campos opostos do Sim ou do Não ao iberismo, palavra que entretanto crismou a vontade daqueles que querem unir Espanha e Portugal.

Foram os partidários do Não que criaram, no século XIX, a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, a qual desde logo se dedicou a animar as comemorações do 1º de Dezembro de 1640. Ainda hoje é assim, mas a cerimónia anual na Praça dos Restauradores é uma triste caricatura de outros tempos, quando o Presidente da República, em cortejo, dignificava o acto com a assinatura do livro de honra na sede da Sociedade, no Palácio da Independência, ali ao Rossio. O ex-Presidente Jorge Sampaio esvaziou-a de significado ao não cumprir deliberadamente esta tradição, que considerava descabida nos tempos que correm das relações luso-espanholas.

Grosso modo, historicamente, o iberismo manifesta-se de forma quer dura quer moderada. A primeira tem raízes sobejamente conhecidas e hoje corresponde, em ambos os lados da fronteira, a uma expressão minoritária. A segunda é sem dúvida mais actual e possui várias “nuances” que, não contemplando qualquer idéia anacrónica de união política, nem militantemente de natureza cultural, advogam uma situação de integração económica. Esta é a alinha assumida do poder político em Portugal, que vê a relação com Espanha como uma grande oportunidade de projecção da economia e das empresas portuguesas.

Por isso, quando hoje alguém fala em Espanha como uma ameaça, a tendência é a de desvalorizar imediatamente tal idéia e considerá-la inoportuna. Porventura, o sentimento é o de que a simples ponderação da ameaça possa fazer emergir ou animar um qualquer movimento “reaccionário” ou incómodo, como o daqueles que ainda reclamam a devolução de Olivença; ou então que possa de algum modo atrapalhar as relações luso-espanholas, o que remete para uma espécie de “política da manteiguice”, essa sim descabida.

A verdade é que, com ou sem iberismo, o mero cenário da integração económica luso-espanhola, que para todos os efeitos está em curso, levanta um problema: o da avaliação prospectiva do tipo e do grau de equilíbrio da relação. É preciso não esquecer que, face à desigualdade das dimensões em presença, o quadro das potencialidades e vulnerabilidades não nos é à partida favorável. Mas é certo que o processo é irreversível – face à evolução das relações internacionais, particularmente europeias - e nele encontram razão os que apontam exemplos de projecção de empresas e gestores portugueses no mercado espanhol.

Contudo, a oportunidade que de facto se nos apresenta na relação com Espanha não nos pode deixar adormecer à sombra da idéia de que se trata de um país “amigo”, ou mesmo “irmão”, que, por essa razão, nos fará concessões em termos de competitividade. Importa por isso, ao lado da oportunidade, e sem prejuízo das boas relações, avaliar a ameaça que a Espanha também representa para a projecção económica de Portugal.

De facto, esta ameaça não se confina ao território peninsular. Abrange também o Brasil e os PALOP. Por exemplo, o conceito de Ibero-America agora tão divulgado, responsável por tantas iniciativas que congregam tantas instituições portuguesas, inclusivamente ao mais alto nível, foi definido no seio do CESEDEN (Centro Superior de Estudios de la Defensa Nacional) entre o final dos anos 70 e os anos 80. Resultou de um exercício de definição da projecção internacional da Espanha, que não ferisse directamente Portugal e abrangesse também o Brasil. Por isso Ibero-America ganhou ao conceito rival de Hispano-America (preferido pelos conservadores e tradicionalistas), o qual era exclusivo por derivar do conceito de Hispanidad.

Portanto, talvez não seja má ideia darmos uma atenção muito particular ao “Plano África” que foi anunciado há já algum tempo por Maria Teresa de la Vega, a vice-presidente do governo de Zapatero. Angola e Moçambique figuram aí como “países de interesse prioritário”, e Cabo Verde, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe como “países de interesse específico”.









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