quinta-feira, 11 de junho de 2009

Jaime Silva, o Mar Português e as Pescas


Rui Fonseca, Litoral, 93-99

«Temos uma frota sobredimensionada para a capacidade de pesca que existe no mar português. Só temos possibilidade de pescar até às 12 milhas. Para lá disso é gerido a nível comunitário e a nossa costa tem pouco peixe. E ter quotas a nível mundial é cada vez mais difícil porque hoje toda a gente tem uma política de sustentabilidade dos recursos marinhos. Logo temos que passar das 3 mil toneladas de pescado em aquacultura para as 20 mil, e vamos passar já a partir do próximo ano. Em termos de captura no mar temos que dizer ao sector que a sustentabilidade é a única forma de termos peixe no futuro, no mar. Portanto temos que reestruturar o sector, dar algum dinheiro para os abates para que as empresas possam manter-se, dar apoios para a diversificação e instalar aquacultura de alto mar, com outra qualidade».


Estas extraordinárias afirmações terão sido proferidas pelo ainda actual Ministro da Agricultura, Jaime Silva, numa entrevista ao semanário Expresso, tal como transcrito, em caixa, na sua edição de 5 de Junho passado, no suplemento de Economia.


Afirmações extraordinárias, afirmamo-lo, porque logo ficamos a saber, antes de mais, o mar português confinar-se, para o Ministro Jaime Silva, ao designado Mar Territorial. Talvez valha a pena, por isso mesmo, antes de prosseguirmos, refrescarmos a memória sobre alguns conceitos básicos no que respeita às convenções internacionais sobre Direito Marítimo:


- A soberania do Estado costeiro estende-se, para além do seu território e das suas águas interiores, a uma zona e mar adjacente designada pelo nome de Mar Territorial, onde se engloba também todo o espaço aéreo sobrejacente a essa mesma área bem como o respectivo leito e subsolo.


- Na área contígua ao seu mar territorial, exactamente denominada como Zona Contígua, o Estado costeiro pode assumir as necessárias medidas de fiscalização tendo em vista: a) evitar as infracções às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários respeitantes ao seu território e correspondente Mar Territorial; b) reprimir as infracções às leis e regulamentos em vigor no seu território e no seu mar territorial.


- No que respeita à designada Zona Económica Exclusiva, o Estado costeiro exerce Direitos de Soberania para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos e não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras actividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos. Nesse âmbito, o Estado costeiro exerce igualmente Jurisdição no que se refere a: a) colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas; b) investigação científica marinha; c) protecção e preservação do meio marinho;


- No que respeita á Plataforma Continental, o Estado costeiro exerce Direitos de Soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.

Em termos sintéticos, o Mar territorial estende-se até 12 milhas náuticas, a Zona Contígua até às 24 milhas náuticas, a Zona Económica Exclusiva até às 200 milhas náuticas, podendo a Plataforma Continental vir a estender-se até às 350 ilhas náuticas de acordo com regras estipuladas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tal como podem ser consultadas na página da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental.


Não podendo admitir desconhecer o Ministro Jaime Silva quanto se acaba de expor, a confusão estabelecida entre Mar Territorial e Mar Português só pode ter uma finalidade: conduzir, por um lado, os portugueses a confundirem igualmente Mar Territorial com Mar Português e, por outro, a esconder as cedências de soberania já feitas em termos de ZEE em favor da União Europeia, dando, mais gravemente, o ar de quem se preocupa e ocupa, empenhada e denodadamente na defesa dos nossos interesses, confinando o Mar Português ao mar Territorial _ afinal, resumindo-se tudo a uma falta de pescado no «mar português» e uma premente questão da sua sustentabilidade, tudo quanto poderia ser feito parece estar a ser feito no que respeita ao «mar português», mais não se podendo fazer, a mais não se sentindo nem sendo, consequentemente, obrigado.


No todo, porém, o raciocínio do Ministro Jaime Silva não deixa de ser, própria ou apropriadamente dito, uma espécie de «pescadinha de rabo na boca»: tendo Portugal, metódica e sistematicamente voltado as costas ao mar a seguir á dita Revolução de 74; tendo, metódica e sistematicamente abandonado o sector das pescas à sua sorte ao longo das últimas décadas, com especial fervor, sobretudo, a partir da entrada na CEE; reduzindo metódica e sistematicamente a frota nacional com o engodo das contrapartidas pelo abate, sem qualquer sentido estratégico, e alienando por completo os seus direitos sobre a ZEE, chegamos ao ponto, de facto, em que se torna legítimo falar de sobredimensão da nossa frota. Bastará, aliás, olhar para os nossos vizinhos espanhóis para percebermos como a nossa frota está sobredimensionada, sobredimensionadíssima mesmo!...


É cada vez mais difícil «ter quotas a nível mundial»? Com certeza, mas não teria sido possível negociá-las em devido tempo? Não teria valido a pena a pena, uma vez mais, olharmos para os nossos vizinhos?... Mas, acima de tudo, não estamos aqui, uma vez mais, a desviar também as atenções? Afinal o que têm as dificuldades com as «quotas mundiais» a ver com a nossa ZEE? Temos a nossa frota sobredimensionada para a nossa ZEE? Não quererá dizer o Ministro Jaime Silva que, alienando a gestão da nossa ZEE à União Europeia, o que tem sido difícil é negociar quotas, por mais ridículo ou caricato que seja, com a própria EU?...


Facto é que, uma vez aprovado o famigerado Tratado de Lisboa, a gestão da nossa ZEE passa em definitivo para as mãos, braços e sabe-se lá que mais da União Europeia. Previdente, o Ministro Jaime Silva dá já o facto como consumado e, tudo quanto se lhe afigura necessário e patriótico, é prosseguir o abate da nossa «sobredimensionada frota» em boa ordem, i.e., de acordo com os interesses e ordens da União Europeia.


Infelizmente, o Ministro Jaime Silva não está só _ está até muito bem acompanhado.


3 comentários:

Anónimo disse...

xxxxxxxx

Anónimo disse...

Jornal gostaria de transcrever na íntegra seu artigo sobre o Mar Português mas não quer fazê-lo sem permissão expressa. Por favor, contacte logo que possível 917934547. Obrigado.

Fernando Torres disse...

Muito oportuno e muito incisivo, é o meu comentário. Passo a passo se continua a destruir aquilo que levou alguns séculos a edificar. Saudações e que nunca lhe trema a voz e a escrita.