sábado, 27 de junho de 2009

Portugal, Espanha e o TGV

Carlos Afonso Dias, Estação do Oriente, 1999

Na sua edição de Domingo passado, o Público intitulava em notícia de primeira página, «Líderes da Estremadura espanhola exigem que Portugal cumpra TGV», reportando o facto do presidente da Junta da Estremadura espanhola, do PSOE, e o seu opositor regional do PP, ameaçarem o Governo de Portugal de poderem vir a recorrer a Bruxelas de modo a obrigarem à tempestiva construção das linhas de Alta Velocidade de ligação a Madrid e a Vigo, tal como estipulado em Protocolos assinados em anteriores Cimeiras Luso-Espanholas.


O que significa neste enquadramento a expressão, «recorrer a Bruxelas», não é totalmente explícito mas, a ameaça, essa, não deixa quaisquer dúvidas.

Ao longo da semana, porém, não se viu nem ouviu uma mínima reacção do Governo Português, fosse através de um Nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou fosse como fosse e de quem fosse, ao despautério dos supracitados políticos da Estremadura Espanhola.


Relendo a notícia e ao modo como se encontra redigida, poder-se-á interpretar, numa primeira instância, constituir-se como uma notícia que, sendo ou servindo os interesses ao actual Governo de Portugal, é deixada passar por inócua de forma a incutir, a pouco e pouco, de forma subliminar, a inevitabilidade de um investimento não apenas contestável do ponto de vista do interesse estratégico nacional como já largamente contestada do ponto de vista político e financeiro.


Admitindo tratar-se de uma questão séria e de melindre no desenvolvimento das normais relações institucionais entre dois estados soberanos, a questão é para ser tratada e dirimida pelos adequados meios diplomáticos e não para ser trazida para a praça pública, em tom de tão inaceitável quanto ilegítima ingerência em assuntos internos de nações terceiras.


A notícia poderá servir os interesses do actual Governo mas o seu silêncio não serve Portugal, mesmo entendendo os referidos políticos espanhóis apenas como politicozecos regionais sem importância de maior.


Na verdade, esquecendo a elaboração sobre outras possíveis e eventuais teorias da conspiração, poderá argumentar-se não ter o Governo querido dar demasiada importância ao assunto de forma a não ter de reconhecer, explicitamente, encontrar-se a política nacional, hoje, de facto, refém dos ditames de Bruxelas e dos interesses de quem aí tem capacidade de pontificar e «pressionar», como, infelizmente, todos sabemos hoje assim ser.


Todavia, mesmo assim sendo, é triste não vermos o Governo de Portugal defender e afirmar já sequer a pouca e limitada soberania que nos resta _ se efectivamente alguma nos resta.


Do lado espanhol, porém, compreende-se perfeitamente a situação, a questão e a intenção.


Como já aqui deixámos escrito, os espanhóis nunca puderam aceitar, nem ainda hoje aceitam, a independência de Portugal porquanto tal independência sempre significou e significa o corte do acesso directo do centro, Castela e Madrid, ao mar.


A preocupação dos espanhóis pelo TGV não reside, com certeza, na pretensão e facilidade de acesso a Lisboa, à Costa do Sol, à Costa de Prata, ao Litoral Alentejano ou seja onde for, para virem passar um calmo e merecido repouso de fim-de-semana ou mais prolongada e veraneante estadia(1). O interesse dos espanhóis corresponde exactamente ao que, Henrique Raposo, na sua crónica de hoje, no semanário Expresso, advoga devermos entregar de mão beijada a «nuestros hermanos», ou seja, a definitiva transformação e plena afirmação de Madrid como o Centro, por excelência, sem contestação, de toda a Península Ibérica.


Henrique Raposo, não se afirmando favorável aos actuais planos de construção do TGV, defende, no entanto, em alternativa, a construção de uma linha de Velocidade Alta para mercadorias, ligando directamente Sines a Madrid. Proposta extraordinária que os espanhóis não deixarão, com certeza, de aplaudir e agradecer reconhecidamente.


Na verdade, se até Badajoz as mercadorias irão ser transportadas em Alta Velocidade ou Velocidade Alta, não se afigura constituir aspecto de magna importância uma vez que, deslocadas em Alta Velocidade ou Velocidade Alta, quanto importa, de facto, é que aportem a Madrid para serem distribuídas a partir daí.


O Comandante Virgílio de Carvalho não se cansou de defender em sucessivas obras de escassa repercussão pública e quase nula repercussão política, a importância estratégica para Portugal do porto de Sines, o único porto natural de águas profundas de toda a Península Ibérica, como porto de «transhippment», como se diz na gíria, não para nos ligarmos, como é evidente, a Madrid mas para, servindo eminentemente como de porto de transbordo de carga dos navios de maior calado para navios de menor calado, com capacidade proceder à respectiva distribuição por essa Europa fora, seja via Mar do Norte, seja via Mediterrâneo, permitir-lhe afirmar a sua vocação natural e inerente capacidade única como centro europeu no que respeita a todo o transporte marítimo, concorrendo directamente com portos como o de Roterdão.

Longos anos passados, muitas obras depois, falecido já inclusive o Comandante Virgílio de Carvalho, continuamos como se nunca ninguém houvesse pensado fosse o que fosse, houvesse dito, ou mais ainda, escrito, fosse o que fosse. Para gáudio e grande regozijo dos espanhóis, com certeza, e mal dos nossos pecados.

(1) Embora não se nos afigurando como primordial o transporte de passageiros da actual política espanhola no que respeita ao TGV, não podemos no entanto esquecer que uma rede de Alta Velocidade ligando Madrid toda a Península Ibérica e ao Norte da Europa, não deixa de reforçar também a sua centralidade, mesmo em termos de passageiros. Tudo dependerá, naturalmente, de futuras políticas de promoção e preços mas, com um Aeroporto de Lisboa longe do centro da cidade, com dificuldade de concorrer em termos de dimensão com Barajas, tudo se configura para que este transforme, de facto, no verdadeiro «hub» aeroportuário da Hispânia. Pelo menos assim o cremos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Deixemonos da cantiga que todo o mal vem de "ESTE".
O porto de aguas profundas de Sines, não está ligado a uma rede de alta velocidade de mercadorias porquê ? fica no Sul !!!
O aeroporto interland foi inaugurado há poucos anos ( 2 ou 3) em Saragoça e não na base aérea de Beja porquê ? fica no Sul !!!
Assim vemos a (des)governação social democrata (PS/PSD) que temos tido nestes ultimos 35 anos

Anónimo disse...

. Ligar o porto a uma rede de alta velocidade para quê, para cortar o país em dois?
As trocas de matérias e mercadorias que se dêem através dos portos!
O mercado espanhol é demasiado reduzido para o potencial que as rotas dos mares guardam. Enquanto a conjuntura biológica que humanamente nos contem for esta, idêntica à dos antigos, dos fenícios, dos cartagineses, dos gregos, dos portugueses de quinhentos... a acção, a responsabilidade e o serviço que nos cabem, portugueses, deverá continuar a desenhar-se por via marítima.
. . A rede estratégica de plataformas logísticas portuguesas foi elaborada em ordem a Madrid, na sequência de diversas operações de charme e de outra ordem que os especialistas espanhóis (tal como fazem na tauromaquia) fizeram irradiar em Portugal e designadamente em Lisboa, tendo então seduzido os basbaques nacionais que ao arrepio de qualquer noção ou sentimento de ordem patriótica que é o que nos insufla o serviço que nos cabe no concerto das nações, avidamente se entregaram ao projecto castelhano.

. Assim vemos a desgovernação que corroi e destroi Portugal há, pelo menos, 99 anos.

Nuno Cavaco