domingo, 30 de maio de 2010

O Drama de Portugal (I)



A crise de Portugal é, acima de tudo, a crise de uma Nação que deixou de saber conceber-se como Pátria, de uma Nação que se deixou subjugar aos interesses estrangeiros e hoje se comporta como uma Nação ocupada, Nação governada por políticos que não entendem o que Portugal é, ou é para ser, sem que tal os perturbe por um momento sequer.


Situação antiga, tão antiga e tão evidente que mais surpreende hoje não é já tanto a sua persistência mas, acima de tudo, o facto de haver ainda Portugal e, mais ainda, portugueses.

Entre o final de 2008 e início de 2009, sob o alto patrocínio do então Ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira, o IDN, Instituto de Defesa Nacional, dirigido por António José Telo, promoveu, numa acção tão oportuna quanto pertinente, um ciclo de conferências subordinado ao tema, «Contributo para uma Estratégia de Defesa Nacional», com a participação de Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes, os três antecessores, como todos devemos ter memória, do actual Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Conferências essas mais tarde editadas pelo próprio IDN em obra subordinada ao mesmo título e que nos permite hoje melhor compreendermos, como iremos ver, o nosso profundo drama.

Jorge Sampaio, o primeiro dos conferencistas, logo afirma preferir a «imprudência» de falar da ambição que tinha para Portugal, projectando-a num horizonte temporal de 10 a 15 anos, dado entender ser tão constante a estratégia nacional, «ou a força das suas linhas de continuidade», que pouco mais teria a acrescentar senão repetir as mesmas grandes orientações.

E qual a «ambição» de Jorge Sampaio para Portugal num horizonte de 10 a 15 anos?

«Tal como aquando do 25 de Abril, a democracia portuguesa fez a aposta estratégica na Europa, teremos agora de ousar novas apostas, portadoras de futuro. Chegou a altura de inverter os papéis e de nos interrogarmos não tanto sobre o que a Europa pode fazer por nós, mas sobre o que nós podemos fazer por ela. Temos de apostar no reforço da solidariedade na comunidade ocidental, incluindo um esforço colectivo para garantir a estabilidade nos espaços periféricos cruciais para a nossa segurança. Temos de apostar no reforço da nossa posição internacional, através de uma diplomacia activa assente no uso intensivo dos instrumentos do soft power ¬ ¬_ a este respeito, não resisto aliás a dar o recentíssimo exemplo da proposta portuguesa de acolher alguns prisioneiros de Guantánamo, por que me parece uma excelente ilustração do que quero dizer. Temos de apostar no reforço da nossa credibilidade externa, aumentando a nossa capacidade de gerar consensos e de transmitir uma visão universalista do mundo, de saber usar de sentido estratégico e do conhecimento profundo que temos das nossas áreas tradicionais de influência _ penso especialmente na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e na Comunidade Ibero-Americana.»

Para além da tirada à John Kennedy, que fica sempre bem, a fé de Jorge Sampaio na Europa, de mais a mais, sendo um tão profundo, convicto e orgulhoso agnóstico, como sempre fez questão de publicitar, não deixa de comover.

À Europa, à União Europeia, tudo o que de melhor hoje somos o devemos, inclusive a defesa do nosso território e gentes: «com a multiplicação de ameaças difusas e o aumento dos fluxos de criminalidade internacional, é duvidoso que Portugal, com a sua situação geográfica particularmente exposta que detém, conseguisse assegurar por si só a segurança e a defesa do seu território e gentes».

A afirmação, como se compreende, sobre tudo para quem foi Presidente da República, Supremo Comandante das Forças Armadas, é grave. Se Jorge Sampaio o afirma, não temos que duvidar, mas talvez seja legítimo interrogarmo-nos:
1- Qual então o papel e o sentido da Aliança Atlântica, a NATO, e da nossa posição na mesma Aliança, sendo, ainda por cima, membros fundadores?
2- Deixo-o descansado, enquanto ex-Presidente da República Portuguesa, ex-Comandante Supremo das Forças Armadas, estarmos tão vulneráveis e dependentes da Europa, ou União Europeia, sobretudo no que respeita a uma das matérias onde menos entendimento e mais controvérsia e inoperância há nessa mesma Europa ou União Europeia?
3- Descansa igualmente Jorge Sampaio sobre a possibilidade de a Europa, ou União Europeia, decidir vir tomar conta do nosso Mar, o actual e o futuro, quando aprovada estiver a extensão da Plataforma Continental, tal como, em termos de gestão, decidiu já tomar conta da coluna de água da nossa Zona Económica Exclusiva, ZEE, com todas as implicações daí decorrentes?

À Europa devemos ainda, segundo Jorge Sampaio, a boa relação que hoje temos com os Países de Língua Portuguesa, ou seja, os antigos territórios portugueses de Além-Mar que engloba, eufemísticamente, nas «as nossas áreas tradicionais de influência»: «se não tivéssemos aderido à Comunidade e se a Europa não se tivesse constituído como um espaço unificado de integração regional e actor regulador da globalização, a autonomia de decisão política e a afirmação externa de Portugal, designadamente como parceiro incontornável da CPLP, seriam dramaticamente inferiores às de hoje».

Tem vantagem a integração de Portugal na actual União Europeia no respeita às nações da CPLP?

Aparentemente, numa primeira instância, figurar-se-á que sim. Todavia, se atendermos mais detidamente à questão, fácil é compreender também que, por um lado, essas mesmas nações não precisam de Portugal para nada no que respeita às suas possíveis relações diplomáticas e económicas com a União Europeia e, por outro, a importância da nossa relação, importância verdadeiramente estratégica, está muito para além da Europa e muito ainda além ainda do que do pequeno papel de intermediários que Jorge Sampaio parece querer atribuir-nos.

O caso de Cabo Verde é paradigmático. Dispondo hoje de Parceria Especial com a União Europeia, a quem mais aproveita directamente tal parceria é a Espanha que, através das Canárias, promove múltiplos projectos de cooperação com fundos europeus mas com a obrigação de todas as empresas contratadas para a sua execução serem de nacionalidade espanhola, percebendo-se, assim, de imediato, as vantagens que Portugal retira de pertencer à União Europeia nas suas relações com as nações da CPLP. Felizmente, porém, as nossas relações com as nações da CPLP, ao contrário das afirmações de Jorge Sampaio, estão e vão muito para além da União Europeia.

Finalmente, como seria de esperar, «com a internacionalização crescente da economia, as características sócio-económicas e com o nível de desenvolvimento que Portugal apresentava aquando aderiu à CEE, é duvidoso que tivéssemos conseguido encetar, com êxito, o ciclo de modernização do país e reforçar a coesão territorial, económica e social do país».

Se considerarmos e nos detivermos em exclusivo no momento imediatamente anterior à assinatura do Tratado de Adesão à CEE, dir-se-á que Jorge Sampaio não erra totalmente. De facto, nesse momento, a nossa situação estava longe de se poder considerar particularmente auspiciosa. Todavia, o que Jorge Sampaio são todos os desmandos realizados na sequência da dita revolução de 1974, a tomada do poder pelos comunistas, a loucura de um governo como o de Vasco Gonçalves e as nacionalizações de 11 de Março, entre múltiplos outros aspectos, que nos atrasou décadas e nos conduziu ao estado em que nos encontrávamos nesse momento e, de algum modo, nos encontramos ainda.

Aliás, basta ver que, ainda hoje, quando se fala dos monopólios subsistentes, sejam ainda do Estado ou em mãos particulares, como o caso mais evidente é o da EDP, o que se esquece é que, em grande medida, todos esses monopólios não foram senão criação do socialismo que nos subjuga e esmaga à décadas e não resultado de qualquer economia mais ou menos liberal, como sempre se faz crer.

Outras questões, porém. No que aqui importa considerar, pelo que ficou dito e transcrito do discurso de Jorge Sampaio, a Europa, seja como CEE ou a actual União Europeia, é tudo. Sobre a possibilidade de afirmação de uma visão verdadeiramente portuguesa, de uma estratégia verdadeiramente nacional, nem uma palavra, talvez com receio do «orgulhosamente sós» que tanto teme e tão atávica quanto irremissivelmente o assombra.

Seguros, na Europa, reconhecendo Jorge Sampaio a necessidade de mudarmos «porque o status quo não é sustentável aprazo», para além de nos devermos interrogar sobre o que podemos fazer pela Europa, como vimos pela transcrição feita no inicio do presente texto, outro aspecto é a «aposta» nos instrumentos de soft-power da diplomacia, seja lá isso o que for. Clausewitz dizia que a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios, quererá Jorge Sampaio significar que a diplomacia é a continuação da guerra por outros meios, os meios ou instrumentos de soft-power?

Não sabemos. O que sabemos é que não há diplomacia que o valha sem plena consciência dos interesses nacionais e da correspondente estratégia nacional que os afirme e defenda.

Ora Jorge Sampaio, começando por referir entender ser tão constante a estratégia nacional, «ou a força das suas linhas de continuidade», que pouco mais teria a acrescentar senão repetir as mesmas grandes orientações, reconhece todavia a necessidade de mudarmos e termina com estas expressivas palavras: «Isto significa também que temos de mudar a imagem de Portugal e, mais do que isso, que temos de mudar Portugal. Precisamos de um sobressalto de patriotismo, de nos unirmos para definir e aplicar com sucesso uma estratégia nacional. Não será fácil, mas vale a pena tentar porque é maior a probabilidade de assim se conseguir um melhor resultado do que com a solução ou a saída que, se nada se fizer, acabará por se impor por força das circunstâncias. Por mim, tenho a certeza _ se quisermos conseguimos».

Afinal sempre parece ser necessário «unirmo-nos para definir e aplicar com sucesso uma estratégia nacional». Mas não era exactamente esse o contributo pedido? E que teve Jorge Sampaio a dizer sobre o assunto, para além da Europa, dos sempiternos louvores a uma suposta ética republicana» que ninguém sabe o que seja, à Carta Universal dos Direitos do Homem e múltiplas outras afirmações grandiloquentes de intenções, como «desenvolver uma cultura moderna de risco, conhecimento, inovação e reforma de métodos e de mentalidades»? Muito pouco, ou mesmo nada.

Afinal, o que estava garantido no início, está em causa. Afinal, necessário sendo «unirmo-nos para definir e aplicar com sucesso uma estratégia nacional», mesmo antes de mais, sabe ser necessário mudar Portugal. O que isso significa, porém, Jorge Sampaio também não esclarece. Nem o que entende por Portugal nem por que tal mudança se exige ou exige. Ficamos a saber apenas que entende necessário mudar Portugal, para além da sua imagem, que também não sabemos qual seja ou entende ser.

E tudo isso porquê? Porque os resultados, em termos de probabilidade, serão superiores a nada fazer. Não há razão superior, apenas esta, prática e comezinha _ e, ainda por cima, incerta. Mais uma «aposta», talvez, mas tão somente isso, esperando, com fé, nos bons auspícios da lei das probabilidades.

Conclusão admirável.

Para um ex-Presidente da República, não está mal.

(em próximo texto retomaremos os discursos de Mário Soares e de Ramalho Eanes)

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domingo, 23 de maio de 2010

Salvação de Portugal

Esther Babley - 1965


Entregue o Reino, propositada ou ingenuamente, talvez mais propositada que ingenuamente, a um simples Presidente da República, Economista, ainda por cima, essa ciência lúgubre, como a designava Lord Acton ou F. Hayek, já não acertamos, Portugal evasnesce em vil tristeza, cumprindo o desígnio já profetizado por Camões, sempre que «os fracos Reis fazem fraca a forte gente».

O nosso actual Presente da República, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, segundo relato do jornal Público de hoje, terá acentuado ontem, num encontro com empresários do Norte, «Nunca o país, desde 1974, precisou tanto do contributo dos empresários privados para vencer a crise em que nos encontramos», lembrando, mais adiante, haver «oportunidades no mercado global», pedindo, consequente, um «esforço acrescido» para procederem a investimentos e parcerias competitivas, procurando, eventualmente mesmo fora da Europa, mercados para colocarem os seus produtos, acompanhados por uma aposta na «qualidade e na inovação».

Para além do costume desagradável dos nossos políticos muito gostarem de se referirem a Portugal usando a expressão vazia de «país», não nos detendo sequer no hilariante, a todos os títulos, da expressão de «empresários privados», nem a caricata exortação à necessidade de procurem a exportação dos seus produtos, com «qualidade e inovação», o que fica patente é que, para o actual Presidente da República Portuguesa, a crise se resume a uma mera questão económica, momentânea e transitória. Infelizmente, porém, assim não é.

Percebe-se que tal não possa perceber o actual Presidente da República Portuguesa. Percebe-se que não possa perceber e daí não vem mal ao mundo nem a Portugal. O que não se percebe é como, não o percebendo, seja o actual Presidente da República Portuguesa, Presidente da República Portuguesa, porque daí mal a Portugal vem já.

Compreendemos e até quase entendemos mesmo louvável, a actual preocupação do actual Presidente da República pela crise económica que afecta não apenas Portugal mas também grande parte do mundo, da Europa aos Estados Unidos. Estranho seria o inverso. Todavia, nem a preocupação com a crise pode ser justificação para uma demissão das suas altas prorrogativas nem, como deveria compreender, na crise económica reside a verdadeira causa da crise em que Portugal se encontra mergulhado há muito.

De facto, ao aprovar, recentemente, a designada Lei do Casamento dos Homossexuais (tão ridícula quanto ininteligível expressão para designar tantos quanto, segundo parece, se deliciam com práticas de cariz sexual com pessoas do mesmo sexo), o actual Presidente da República Portuguesa, naquele tom compungido que sempre o caracteriza, afirmou promulgar a dita Lei, não sem relutância, mas por exclusivas razões económicas, ou seja, dada a crise económica vivida neste momento em Portugal, não quereria, com certeza, ser acusado de juntar mais uma crise ou motivo de diversão ao combate que neste momento se lhe afigura crucial.

Da dita Lei do Casamento dos Homossexuais, para além do disparate de designar como Lei tal absurdo, tão patente e evidente é esse mesmo absurdo que qualquer comentário logo queda tão redundante quanto desnecessário.

Porém, sendo o Presidente da República vulgarmente designado também como o Supremo Magistrado da Nação, responsabilidade acrescida tinha de distinta atitude ter assumido, ou seja, obrigação tinha de, não ter confundido nem o Direito com a Moral nem, muito menos, subjugá-lo de forma avulsa a transitórios interesses de carácter económico.

A crise de Portugal não é, infelizmente, primordialmente de carácter económico. A crise de Portugal é, acima de tudo, a crise de uma Nação que deixou de saber conceber-se como Pátria, de uma Nação que se deixou subjugar aos interesses estrangeiros e hoje se comporta como uma Nação ocupada, Nação governada por políticos que não entendem o que Portugal é, ou é para ser, sem que tal os perturbe por um momento que seja. Políticos para quem a Economia é tudo quando a economia é quanto menos importa e não vem senão por acréscimo.

A causa da decadência de Portugal está também bem expressa naquela que é uma das mais importantes e decisivas obras de filosofia de séc. XX, «Refutação da Filosofia Triunfante», de Orlando Vitorino, à qual voltaremos em breve dada a recente publicação pela Imprensa Nacional da obra «Fenomenologia do Mal e Outros Ensaios», recolha de escritos de Orlando Vitorino entre os quais a mesma se inclui.

Entretanto, importa apenas assinalar como a «Refutação da Filosofia Triunfante» expõe e explicita de forma tão absolutamente singular quanto irrefutável a causa do vazio actual pelo primado concedido à Vontade por Duns Scott em detrimento do Pensamento, conduzindo mesmo Heidegger a afirmar termos chegado a um ponto que «só um deus nos pode salvar».

No texto anterior, quando salientávamos a importância da vinda de Bento XVI a Portugal, era isto mesmo que, de algum modo, se encontrava igualmente implícito.

Filósofo e Teólogo, Bento XVI, compatriota de Heidegger, compreende, sem dúvida, como poucos, a desolação do mundo actual, só passível ser ultrapassada contrapondo, ao desespero alemão, a esperança do retorno à filosofia perene de Platão e Aristóteles, conjugado com a plenitude filosófica do cristianismo, tal como preconizado pela Filosofia Portuguesa, por Leonardo Coimbra, para quem, sendo tudo « penetrado de pensamento», o mesmo pensamento reassume, de novo, irrecusável primado.

Tem Portugal uma missão no mundo? Tem, mas não é, obviamente, económica, é espiritual. E a crise que Portugal vive, a verdadeira crise que vive, não é também económica, mas de ignorância, de se ignorar a si mesmo, de ignorar a missão para a qual nasceu.


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domingo, 16 de maio de 2010

Nação Fidelíssima

José Manuel Rodrigues


Portugal é uma singularidade na Europa e no Mundo. Portugal, na expressão de António Quadros, é Razão e Mistério.

Do Mistério não é certo algo, com certeza, podermos alcançar. Da sua Razão, obrigação temos de a saber perscrutar.


De forma distinta das restantes nações europeias e um pouco por todo o mundo, o nascimento de Portugal deve-se menos a razões de ordem imediatamente política, geográfica ou seja lá o que for e que sempre se encontra na génese das nações.

Portugal é uma Pátria, i.e., determina-se, acima de tudo, pela entidade espiritual que, pelo pensamento, lhe é dado representar.

Portugal tem, por isso mesmo, uma Causa e uma Finalidade a cumprir, como seja uma particular realização da universalidade.

A matriz Cristã, e mais do que Cristã, Católica Apostólica Romana de Portugal, é inelutável.

Do Conde D. Henrique, de algum modo o nosso verdadeiro primeiro Rei a D. Afonso Henriques, a consciência da singularidade de Portugal afirmava-se já plenamente, sendo absolutamente admiráveis todos os esforços diplomáticos desenvolvidos tendo em vista a nossa independência, a qual devemos também em grande medida à acção interessada do grande S. Bernardo de Claraval, verdadeiro fundador dos Templários ao ter redigido a sua Regra.

É certo o reconhecimento da Santa Sé da nossa independência só ter vindo tardiamente, com Alexandre VI, pela Bula Manifestis Probatum, quando o nosso reino se afirmava já de forma completamente autónoma e verdadeiramente independente pela espada de D. Afonso Henriques e de todos aqueles que o seguiam e se consideravam já portugueses para todo o sempre, incluindo as Ordens Militares que sempre estiveram igualmente ao seu lado

As relações entre o Reino de Portugal e a Santa Sé nem sempre foram pacíficas, como todos o sabemos, Desde a lenda do Bispo Negro, ainda ao tempo de D. Afonso Henriques à questão do Padroado do Oriente, passando pela excomunhão do Reino ao tempo de D. Afonso IV e à extraordinária subtileza diplomática de D. Dinis em transformar os Templários na Ordem de Cristo, múltiplos foram os episódios de tensão e mesmo conflito. Todavia, Portugal sempre se manteve fiel a Roma, verdadeiramente como Nação Fidelíssima, como título que ostenta desde os idos de D. João V.

Essa matriz cristã marcou desde sempre a nossa História, tanto quanto, ainda hoje, a nossa bandeira, de inspiração maçónica, não deixa de ser no entanto a única no mundo a ostentar símbolos religiosos como sejam a chagas de Cristo.

Todavia, Portugal sempre foi também uma nação heterodoxa. As heresias nunca floresceram em Portugal e nem sequer o Protestantismo teve alguma vez significativa repercussão entre nós tal como sucederia ao tempo da Reforma por essa Europa fora e os conflitos religiosos nunca assumiram as trágicas proporções verificadas tanto em nações como a dita fleumática Inglaterra ou a racional França, para ficarmos apenas com estes dois exemplos.

Essa Fidelidade a Roma, essa fidelidade à nossa matriz cristã, e mais do que cristã, Católica Apostólica Romana, nunca significou cega subserviência ou submissão mas reconhecimento de o cristianismo constituir-se como a única religião verdadeira, para usarmos a expressão consagrada de Hegel.

Esquecem todos, hoje, ter toda essa Europa culta aprendido lógica durante séculos pelos livros de Pedro Hispano, o Papa João XXI, e, mais tarde, de Pedro da Fonseca, até Kant.

Esquecem todos, hoje, ser a Filosofia Atlântica, a Filosofia Portuguesa a preceituar não haver Filosofia sem Teologia nem Teologia sem Filosofia.

Não surpreenderá assim a recepção dispensada pelos portugueses ao Papa Bento XVI, uma grande filósofo, um grande teólogo e um grande Papa, bem consciente do vazio, ou não fosse compatriota de Heidegger , em que o mundo actual se esvai, reconhecendo-o como um dos seus.

Nação Fidelíssima, foi Portugal quem verdadeiramente realizou a catolicidade inerente à Igreja Católica, tal como, de algum modo, o reconheceu Bento XVI na sua homília no Terreiro do Paço.

Hoje, porém, os nossos políticos e intelectuais, incapazes já de pensarem Portugal, no termo da visita de Bento XVI a Portugal, surpreendem-se acima de tudo por, entretanto, terem descoberto não consistirmos mais já senão num Protectorado da Europa, perorando, comovidamente, como se nada alguma vez tivessem tido com tudo isso.

Abespinham-se muito agora por constituirmos uma espécie de Protectorado Económica da Europa? Não é grave e já se estava à espera que mais cedo ou mais tarde tal sucedesse, i.e., que tal se tornasse manifestamente explícito para todos.

Hoje, somos, comportamo-nos, como um Protectorado da Europa mas, o mais grave, não respeita aos aspectos económicos que agora todos deploram, mas, acima de tudo, à vergonhosa submissão ao dito Direito Europeu que ninguém, ou quase ninguém, reclama.

O que tudo isto revela é sermos, para usarmos uma magnífica expressão de Pinharanda Gomes, uma nação ocupada, ensinados e governados por estrangeiros desde há dois séculos e meio, imaginando-se portugueses superiores mas não passando na verdade senão disso mesmo, pobres estrangeiros que nada compreendem de Portugal.

Nação Fidelíssima, Portugal tem uma Causa e uma Finalidade a cumprir. Portugal é uma Pátria. Quanto nos cumpre é pensar a entidade espiritual que é Portugal e, desocultando a sua Causa e a sua Finalidade, tornar Portugal verdadeiramente em Acto.



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domingo, 9 de maio de 2010

O Presidente da República e o Mar

Carlos Miguel Fernandes


O actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, descobriu, finalmente, o Mar. Comovente!

No passado dia 25 de Abril, dia que passará à História, com certeza, como o dia em que o actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, descobriu o Mar, num discurso por todos notado, afirmou textualmente:

«Portugal encontra-se na periferia da Europa, mas está no centro do mundo. Somos uma «nesga de terra debruada de mar», como nos chamou Torga, palavras que recordei nesta Sala, quando tomei posse como Presidente da República. Possuímos uma vasta linha de costa, beneficiamos da maior zona económica exclusiva da União Europeia. Poderemos ser uma porta por onde a Europa se abre ao Atlântico, se soubermos aproveitar as potencialidades desse imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver».



Como pode um país, projectado sobre o Oceano Atlântico, na encruzilhada de três continentes, ver-se a si próprio como periférico?

Para além das especificidades da nossa geografia, temos a História. Num só século, revelámos à Europa dois terços do planeta, percorrendo as costas de todos os continentes. Pusemos em contacto muitos dos povos do mundo e criámos uma língua universal. Por causa disso, Portugal continua a projectar no exterior a imagem de marca de país marítimo.

Que justificação pode existir para que um país que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros países costeiros da Europa?

Porque retiram esses países tanto valor e criam tanto emprego com a exploração económica do mar, e nós não?

Temos de repensar a nossa relação com o mar. Repensar o modo como exploramos as oportunidades que ele nos oferece. Importa afirmar a ideia de que o mar é um activo económico maior do nosso futuro.

Setenta por cento da riqueza gerada no Mundo transita por mar. Devemos pois apostar mais no sector dos transportes marítimos e dos portos.

Mas também no desenvolvimento de fontes marinhas de energia, de equipamentos para a exploração subaquática de alta tecnologia, de produtos vivos do mar para a biotecnologia ou das indústrias de equipamento, de reparação e de construção navais.

Temos de incentivar a prospecção e exploração da nossa plataforma continental, cujo projecto de levantamento se encontra em apreciação nas Nações Unidas.

Pensando na combinação do mar com o nosso clima temperado, importa desenvolver as actividades marítimo-turísticas, a náutica de recreio, o turismo de cruzeiros. A par disso, temos de fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável.

A ausência de um pólo desenvolvido de indústrias marítimas é de facto surpreendente quando Portugal apresenta um conjunto de vantagens comparativas que são extremamente relevantes à escala europeia.

Às vantagens decorrentes da nossa geografia, da História e da imagem externa do País podemos ainda juntar as estratégias e políticas para o mar desenhadas nos últimos seis anos em Portugal e na própria União Europeia. Não é necessário fazer mais estudos e relatórios. Basta agir em cumprimento daquelas estratégias.

É essencial que criemos condições e incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que ligam economicamente Portugal ao mar.

Penso, desde logo, na criação de condições de competitividade e estabilidade fiscal para os transportes marítimos e para os portos portugueses, que lhes permitam, pelo menos, igualar as condições dos demais Estados costeiros da União Europeia, bem como dinamizar as auto-estradas do mar, juntamente com os nossos parceiros da União.

Sem querer transmitir a ideia de que o mar é a panaceia para todos os nossos problemas, entendo que o mar deve tornar-se uma verdadeira prioridade da política nacional.

Abraçando um desígnio marítimo seremos mais fortes, porque dependeremos menos dos transportes rodoviários internacionais, cada vez mais condicionados pelas políticas europeias do ambiente.

Seremos mais fortes porque com a exploração da energia a partir do mar poderemos enfrentar melhor os desafios da segurança e sustentabilidade energética, reduzindo a dependência do exterior e promovendo novas tecnologias.

Portugal e os Portugueses precisam de desígnios que lhes dêem mais coesão, mais auto-estima e mais propósito de existir. O mar é certamente um deles.»

É pena que o actual Presidente da muito actual República Portuguesa não tenha descoberto o Mar antes da Assinatura do funesto Tratado de Lisboa, chamando a atenção dos deputados portugueses para o erro da sua ratificação, para já não referir a época em que foi Primeiro-Ministro, sempre tão solícito em tudo quanto respeitava à actual União Europeia como incauto em tudo quanto respeitava aos supremos interesses permanentes de Portugal, como seja, por exemplo, esse «imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver», como agora afirma, afectando aquele tom de melancólica sobranceria de quem pretende sempre ver e há muito ter visto mais longe que todos os demais, ou de quem sempre «teve razão antes de tempo, para usar a já tão proverbial quanto hilariante expressão cunhada pelo sempre extraordinário e muito douto Mário Soares.

O que o actual Presidente da muito actual república Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, veio agora afirmar, como todos sabemos, não é mais senão uma síntese de tudo quanto mais importante, numa perspectiva económica, ficou expresso no «Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos», de 2004.

Hoje, porém, exigia-se, mais.

Sobretudo após a publicação do estudo dirigido por Ernâni Lopes, no âmbito da SaeR, sob patrocínio da Associação Comercial de Lisboa, intitulado genericamente, «O Hypercluster da Economia do Mar», não se afigurando o valor e a importância do Mar para Portugal sofrerem já qualquer dúvida razoável, exigia-se que o Presidente da República Portuguesa, sendo demais a mais, o Supremo Comandante das Forças Armadas Portugueses, tivesse outra a preocupação, como seja a de defesa desse mesmo «imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver», indo um pouco além do óbvio e do mero lugar-comum.

Hoje, quando já ninguém duvida do valor e importância do Mar para Portugal, há no entanto ainda quem duvide da importância de dispormos dos meios necessários à sua efectiva defesa desse mesmo imenso Mar que é nosso e tudo quanto essa mesma defesa significa e implica, mesmo em termos de eventual afrontamento da União Europeia, ou talvez mais correctamente, dos poderes dentro da União Europeia cujos interesses sempre oporão aos interesses de Portugal.

Evidentemente, bem pode o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado, devermos «fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável».

Quanto à aquacultura, nada a dizer, mas que quererá dizer o actual Presidente da muito actual República Portuguesa com o devermos «fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável»? Sustentável em que sentido? De acordo com os preceitos emanados da União Europeia, uma vez, tal como articulado no famigerado Tratado de Lisboa, a gestão de todos os seres vivos na coluna de água, mesmo no âmbito da Zona Económica Exclusiva, lhe pertencerem irrevogavelmente? Ter-lhe-á escapado tal subtileza ou não terá compreendido que, após a assinatura do famigerado Tratado, nós, portugueses, não obstante dispormos da maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia, estamos à sua mercê e só pescamos quanto suas excelências em Bruxelas decidirem deixar-nos pescar?...

Evidentemente, bem pode o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado, encontrar-se a periferia, «no mundo actual», «onde mora a ineficiência do Estado, a falta de excelência no ensino, a ausência de conhecimento, de inovação e de criatividade, em suma, a periferia está onde mora o atraso competitivo».

Alguém, porém, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, lhe poderia explicar aplicar-se tal definição tanto ao «mundo actual» como ao mundo antigo ou seja a que tempo for, como muito bem, e muito em especial, deveria o Presidente da República Portuguesa saber.

Evidentemente, bem pode o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado: «Durante muitos anos, o facto de nos encontrarmos na periferia da Europa foi considerado uma das causas principais do nosso atraso. Portugal era a Finisterra, como já os Romanos lhe chamavam. Estávamos num extremo perdido da Península Ibérica, longe das grandes vias de circulação e comércio através das quais a Europa, desde a Idade Média, construiu progresso e edificou catedrais».

Alguém, porém, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, lhe poderia ter explicado que os portugueses também souberam construir catedrais, por sinal, inclusive, algumas das mais belas e originais da Europa. Alguém, entre todos os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, poderia ter tido a caridade de lhe lembrar, entre outros, o Mestre Boitaca, como dizia, «a quem só Deus podia fazer». E para além disso, caridade por caridade, já agora, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, alguém o poderia ter igualmente elucidado que isso do nosso suposto atraso é cousa tão moderna quão pouco, na verdade, crónico, como vulgarmente se apregoa.

Evidentemente, bem pode ainda o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado: «Tudo isto mudou no nosso tempo. A geografia deixou de ser uma fatalidade irremediável. Estar perto ou estar longe do centro não é algo que se meça em quilómetros, pois estamos no centro do mundo se tivermos o conhecimento e o engenho para tanto. Graças às novas tecnologias, não há longe nem distância. As noções de centro e de periferia foram radicalmente alteradas».

E ainda uma vez mais, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, alguém lhe poderia ter explicado nada disso ter mudado no nosso tempo, que a irremediável fatalidade da geografia tanto é de hoje como de ontem, ou é a mesma, ontem e hoje, que não convém misturar alho com bugalhos, ou seja, uma coisa são as modernas telecomunicações e outra muito distinta a comunicação física ou, mais propriamente dito, os transportes em que, por mais rápidos e aéreos meios se desenvolvam, sempre os quilómetros contam. E mais do que tudo isso, e ainda mais uma vez mais, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, alguém poderia ter lembrado que Portugal, sem os modernos meios que o Presidente da República tanto figura idolatrar, soube colocar Lisboa no centro da Europa, destruindo o império comercial de Veneza com o Oriente, em activa cooperação com os muçulmanos que dominavam então no Índico.

Há anos atrás, manifestou o actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, o seu desdém, senão mesmo repúdio, pela Retórica, como cousa não apenas menor e desprezível, mas até perversa, senão mesmo maléfica.

Alguém, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, deveria ter a caridade de lhe explicar que um discurso sem Retórica, tende a cair, senão na pura verborreia, para não sermos excessivos, pelo menos na conversa desolutória, no insubstante lugar-comum.

O actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, descobriu, a 25 de Abril de 2010, o Mar. Comovente. Regozijemos.

Ao Presidente da República Portuguesa, exige-se, todavia, mais. Ao actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, temos mesmo obrigação de exigirmos muito mais.


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domingo, 1 de novembro de 2009

Ainda os Submarinos



As recentes palavras do muito ilustrado e douto Almeida Santos sobre a suposta inutilidade e desperdício financeiro dos submarinos portugueses, revelam não apenas a mais profunda inconsciência geopolítica da grande maioria dos nossos actuais governantes mas também, e ainda mais gravemente, o seu criminoso desprezo pela defesa dos designados interesses nacionais permanentes.

Não por acaso, quando hoje se fala de interesse nacional, seja na Defesa, seja na Agricultura ou seja no que for, uma significativa maioria dos nossos governantes, senão a sua quase totalidade, logo afirma, num sorriso largo, com tanto de complacente quanto de sobranceria, devermos tudo enquadrar primordialmente no quadro da União Europeia, na qual nos encontramos inseridos, o que não pode deixar de significar também a plena abdicação da prossecução própria dos nossos verdadeiros e singulares interesses para subsumirmos o nosso destino nos compreensíveis desígnios dessa mesma União Europeia onde Portugal, não sem surpresa, conta pouco se é que alguma coisa chega a contar.

Não por acaso, as patéticas afirmações do muito ilustrado e douto Almeida Santos surgem num momento em que se confunde a importância da aquisição dos submarinos para Portugal com os vários imbróglios relativos à designada política das contrapartidas, confundindo capciosamente ambos os planos como se os mesmos se interligassem linearmente e os problemas relativos a estas anulassem, de per si, tudo o mais.

Como já aqui foi diversamente referido, basta saber olhar para um mapa de Portugal para perceber a crucial importância para nós da aquisição da nova frota de submarinos, inicialmente planeada inclusive para três e não apenas para dois, por motivos de planeamento operacional. Todavia, deixando esta questão para os especialistas, independentemente do seu número, as razões porque se atribui crucial importância à aquisição dos submarinos são fáceis de compreender.

O território nacional subdivide-se, neste momento, numa área emersa de cerca de 92.391Km2, e uma parte imersa cerca de 18 vezes superior, podendo, com o actual projecto de Extensão da Plataforma Continental, de chegar mesmo a cerca de 3 milhões de Km2, o que não pode deixar de significar senão, no caso de Portugal, de uma acentuada preponderância do espaço marítimo sobre o espaço terrestre, se assim podemos dizer.

Para além disso, como também se sabe e aqui já foi referido, tendo Portugal ainda uma extensa área de Busca e Salvamento, a designada área SAR, compreendendo uma área 62,7 vezes a área terrestre, cometida ao seu comando, com facilidade se infere a importância de se possuírem os meios necessários ao cumprimento das missões correlatas, não deixando os submarinos, nesse âmbito, de exercerem um papel preponderante, seja em termos de vigilância, de projecção de força, dissuasão e efectiva defesa dessas vastas áreas marítimas.

A inconsciência geopolítica e geoestratégica da grande maioria dos nossos governantes, para não designar mesmo como criminosa cegueira, quando olhamos para Espanha e verificamos dispor a sua Armada, para além de um Porta-aviões como o Príncipe das Astúrias, outro como o Dédalo, uma frota de quatro submarinos em pleno exercício e mais quatro, modernos e altamente sofisticados, em construção em Cartagena e equivalentes aos nossos actuais submarinos do tipo U-214, para além de todo outro tipo de navios de superfície, desde contratorpedeiros às mais diversas fragatas, navios anfíbios, aviões a helicópteros e demais material que permitem à nação vizinha afirmar-se tanto no Mediterrâneo como no Atlântico.

Mas mais do que isso, importa perceber os interesses de Espanha no nosso espaço marítimo e de interesse estratégico, tal como se tem vindo a afirmar ao longo dos últimos anos, não apenas com o beneplácito mas até como o aplauso, activo incentivo e explícito apoio da União Europeia presidida pelo não menos ilustre e igualmente ilustrado e muito douto José Manuel Durão Barroso.

Referimo-nos, como é evidente, não apenas à nossa ZEE, área SAR e futura Extensão da Plataforma Continental, mas inclusive todas as zonas marítimas que incluem desde os mares dos Açores e da Madeira, até à nossa costa continental e a costa de Marrocos e Africana, até Cabo Verde, entendendo já este arquipélago como uma quase extensão natural das Canárias, não sendo estranho a tudo isto a difícil discussão de negociação da permanência do Comando da NATO em Oeiras, conseguida, apesar de tudo, in extremis, a despeito de todas as legítimas mas pouco simpáticas manobras espanholas que o queriam herdar a todo o transe.

Não nos iludamos, na vida real, na política real, a capacidade de força, conta sempre. Não contará exclusivamente, por certo, mas conta sempre e muito. E conta tanto mais quanto, neste momento, como já foi diversamente chamado à atenção, quando a Gestão dos Seres Vivos na coluna de água na nossa ZEE, por virtude do Tratado Constitucional Europeu, agora travestido de Tratado de Lisboa, passa para a Comissão Europeia, quando a preocupação da vigilância das Fronteiras Marítimas da mesma União Europeia assume primordial relevância, se não manifestarmos efectiva capacidade de defesa dos nossos interesses, do nosso mar, da nossa independência, Portugal passará rapidamente à irrelevância.

Por enquanto, com a aquisição dos novos submarinos, durante um pequeno período, Portugal terá ainda alguma vantagem comparativa em relação a Espanha, dispondo de equipamento e tecnologia que os espanhóis só terão disponível a partir de 2011, com a entrega do primeiro dos quatro submarinos de nova geração em construção em Cartagena, estando também planeada a entrega de um outro em 2012 e dos restantes dois 2014.

A manter-se a actual inconsciência geopolítica e geoestratégica de grande parte dos nossos governantes, mesmo projectos como o extraordinário projecto que representa a Extensão da Plataforma Continental, só irá beneficiar terceiros e, por maioria de razão, Portugal será lentamente reduzido a uma pura insignificância, seja em termos da União Europeia, NATO, ou seja o que for, incluindo mesmo a sempre tão nossa mas também tão longínqua que por vezes se dirá mesmo quimérica CPLP.



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domingo, 18 de outubro de 2009

Da Verdadeira Bandeira de Portugal

Joshua Benoliel, "Primeira bandeira da República, 5 de Novembro 1910"

Os recentes episódios e consequente polémica do hastear da bandeira azul e branca em lugar da actual bandeira da República Portuguesa, verde e encarnada, ou vermelha, como preferirem, na Câmara de Lisboa, Câmara do Porto e algures em Cascais, veio acima de tudo evidenciar o significativo grau de nevoeiro mental em que vivemos nos correntes dias em Portugal.

Antes de mais, a bandeira azul e branca de Portugal surgiu sempre referida nos relatos apresentados pelos meios de comunicação como a bandeira da monarquia, sem que se entenda exactamente porquê.

De facto, como qualquer pessoa medianamente culta sabe, a bandeira de Portugal sofreu profundas modificações, alterações e mutações, ao longo dos séculos, não constituindo a bandeira azul e branca senão a bandeira usada durante o período do designado liberalismo, ou seja, desde os anos 20 do século XIX até à implantação da República em 1910, após o assassinato, importa não o esquecer, do Rei D. Carlos e do seu filho D. Luís, em acto cobarde e vil, instigado, planeado e executado pela Carbonária, em 1908.

Após a implantação da República, os revolucionários, marcando a divisão profunda que existia na nação, é que decidiram mudar radicalmente a bandeira nacional, alterando-lhe as cores e subvertendo-lhe o espírito, se assim é lícito expressarmo-nos, criando para isso uma Comissão em que o relator foi Abel Botelho e da qual fazia inclusive parte, entre outros, também um Columbano Bordalo Pinheiro.

As alterações foram tudo menos pacíficas. Alguns dos mais notáveis republicanos, figuras porém mais sábias e atentas, entre outros aspectos, ao valor simbólico das cores, opuseram-se de forma veemente, como foi o caso de Sampaio Bruno e até de um Guerra Junqueiro.

A posição de Guerra Junqueiro não deixa de ser particularmente significativa porquanto, sendo um escritor tão admirável em tão múltiplos aspectos quanto censurável em tantos outros, não deixou de ser igualmente um feroz, implacável e quase se diria mesmo mortífero inimigo de D. Carlos, não se coibindo sequer de se dirigir ao Rei nos seguintes indignos termos:

«A tirania do snr. D. Carlos procede de feras mais obesas: do porco. Sim, nós somos os escravos dum tirano de engorda e de vista baixa.


Que o porco esmague o lodo, é natural, O que é inaudito é que o ventre d’um porco esmague uma nação, e dez arrobas de cêbo, achatem quatro milhões d’almas!
Que ignominia!


Basta. Viva a república, viva Portugal!»

É certo terem-lhe custado essas palavras 50 dias de multa mais custas de processo de tribunal mas, para tanta tirania denunciada, fossem hoje as mesmas palavras dirigidas a qualquer Presidente da República em exercício de funções, e mais pesadas não deixariam com certeza de o ser, bem como outras as directas e indirectas consequências sofridas.

Fosse como fosse, não sendo a questão política quanto aqui nos importa considerar, nem o facto, segundo rezam as crónicas, de não ter deixado de se retratar no último período da sua longa vida, dos muitos e muito injustos exageros cometidos contra a figura do Rei, para além, segundo consta também, de se ter reconcialiado inclusive com a Igreja e, segundo parece, até mesmo com com a Realeza, ou, pelo menos, com a ideia da Realeza, Guerra Junqueiro não deixou de se afirmar , logo em 1910, como um dos mais estrénuos defensores da bandeira azul e branca:

«A bandeira Nacional é a identidade d’uma raça, a alma d’um povo, traduzida em cor. O branco simboliza inocência, candura unânime, pureza virgem. No azul há céu e mar, imensidade, bondade infinita, alegria simples. O fundo da alma portuguesa, visto com os olhos, é azul e branco.

D’esse fundo saudoso, de harmonia cara, de lirismo ingénuo, ressalta, estudai-o bem, o brasão magnânimo: em campo de heroísmo… vermelho ardente, sete castelos fortes inexpugnáveis, cinco quinas sagradas e religiosa, e à volta, num abraço bucólico, duas vergônteas de louro e de oliveira. É o escudo marcial e rural dum povo cristão de lavradores, que, semeando, orando e batalhando, organizou uma pátria. A coroa, que foi do escudo o fecho harmonioso, converteu-se há mais de dois séculos numa nódoa sinistra. Rajadas dáurora limparam-na ontem para sempre. O nobre estandarte não tem mancha. Glorifiquemos o escudo, coroemo-lo de novo com diadema épico d’estrelas: estrelas de sangue e estrelas d’oiro, estrelas que cantem e que alumiem. Substitua-se apenas o borrão infame por um círculo d’astros imortais.»

Alteradas as cores da bandeira, Junqueiro viria no entanto a tentar justificar tais alterações, embora, diríamos, com uma convicção algo ambígua:

«Uma pátria livre quer uma bandeira vitoriosa. Expulsa a realeza, caiu a bandeira, inerte, o diadema real. Só o diadema? E as cores? O azul e o branco não se evolaram também?

O pendão da rotunda era verde e vermelho, verde de esperança até á fé, vermelho de sangue até à morte. O verde clama esperança, a esperança jucunda na colheita, na verdura do trigo, na verdura da vinha, na verdura da árvore. A esperança protesta contra a má fortuna, contra a lesão, a doença, o aniquilamento. E a vida mais inferior é a que mais protesta, é a que mais quer viver, é a que mais se reproduz. O grão de trigo, germinando, deitou uma haste. A haste murchou, secou, mas caíram d’ela, para renascer, dúzias e dúzias de grãos de trigo. A verdura é a vitalidade e a fecundidade, a indómita e contínua criação de frutos e flores.»

Lendo as próprias palavras de Guerra Junqueiro, logo compreendemos porque as alterações da bandeira nacional, sendo um erro, não deixaram porém de ser igualmente profundamente significativas e, de certo modo, e infelizmente, até quase proféticas.

Na verdade, ao abandonarmos o azul e branco abandonámos o mar onde o céu se espelha, a inocência e a abertura ao espírito, para atendermos sobretudo à terra e ao sangue. Deixámos de olhar e perscrutar o horizonte e perseguirmos os sonhadores voos de sempre mais além para nos fixarmos na segurança da terra firme e na cumulatividade vazia do passado. Deixámos de ser uma nação eminentemente marítima para, pouco a pouco, nos transfigurarmos numa farsa de nação pseudo-continental. Abandonámos o Atlântico para nos fixarmos na Europa de onde nos chegava todos os dias, de Paris, a civilização, com o vapor, como diria o Eça, uma forma mais irónica de dizer o que Pessoa também constatou ao afirmar termos começado transfiguar-nos em franceses com o liberalismo para o devirmos completamente com a República.

É esse ainda o nosso drama de hoje, é esse o pecado original da República, o ter sido implantada contra Portugal, sem ter sido tida em consideração as mais fecundas e perenes tradições nacionais, como a história recente largamente o demonstra e prova.

Por isso se afigura legítimo advogar e propugnar pelo regresso à bandeira azul e branca de Portugal, não apenas por simples razões estéticas, o que já não seria pouco, mas, acima de tudo, simbólicas.

Bem sabemos como, advogar hoje o regresso à bandeira azul e branca de Portugal, dado o nevoeiro mental em que nos encontramos submergidos, se afigura nada menos que temerário, para não dizer mesmo completamente disparatado.

Todavia, identificando a bandeira azul e branca com a «monarquia», como vulgarmente se afirma, embora, em boa verdade, quanto se pretende afirmar é «realeza» e não «monarquia», logo se enviesa todo e qualquer possível diálogo, enviesamento esse que está longe de ser inocente.

Em boa verdade, como sabemos desde Aristóteles, existem três Regimes Políticos puros, Monarquia, Aristocracia e Democracia, e outros tantos Sistemas Económicos puros, se assim podemos dizer, Capitalismo, Socialismo e Liberalismo, podendo entre si combinar-se indiferentemente, ou seja, um qualquer Regime Político é sempre susceptível de assumir um qualquer dos três Sistemas Económicos.

Avisado, realista, tópico, não desconhecendo a situação do mundo, do movimento do mundo, do movimento de geração e corrupção a que todas as entidades do mundo se encontram sujeitas, Aristóteles bem compreendendo também como toda a Monarquia sempre tende degradar-se em Tirania, toda a Aristocracia em degradar-se em Oligarquia e a Democracia em Demagogia, preconizou o equilíbrio pela Poliarquia, ou seja, a instauração de um regime misto, composto e conjugando em simultâneo os três regimes puros, tal como tem vindo a suceder em toda a modernidade e acontece actualmente em Portugal. Ou seja, um Regime em que o elemento monárquico é dado na figura do Presidente da República, o elemento aristocrático é assumido pelo Parlamento e o elemento democrático manifestando a vontade da maioria, i.e., do povo, se encontra representado no Acto Eleitoral.

Porém, a Poliarquia, quando se ignora a si mesma, quando todos os seus elementos se ignoram a si mesmos, não pode deixar senão de igualmente se degradar, como hoje todos temos vindo a assistir, conjugando na comummente designada Partidocracia, um misto de Tirania, Oligarquia e Demagogia, tal como se verifica, revela e se sobreleva no drama da nossa actual situação política .

No nevoeiro mental em que mergulhámos, quando se refere o regresso à Monarquia mais não se está a referir que o regresso ou reinstauração da Realeza, mas, assustados todos pela incapacidade de pensar, confundindo Realeza com Monarquia e, por condicionamento psicológico, emocional e sentimental, identificando Monarquia com Tirania, não há quem, num esgar de horror, não repudie de imediato tal possibilidade como se indigna e profunfamente ultrajante, mesmo humilhante, fora sequer pensar a eventualidade de tal possibilidade ser pensada.

Não é quanto importa aqui discutir neste momento mas, incapazes de pensar o regime Político, incapazes de atendermos aos símbolos, de compreendermos o significado de uma bandeira e quanto na mesma e pela mesma se significa, em boa verdade, quanto isso nos revela é quanto estamos hoje incapazes de pensarmos Portugal, sendo este, na realidade, o fundo do nosso mais grave, terrível e funesto drama actual.


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domingo, 27 de setembro de 2009

Os Portugueses Não São Coisa Pública



Joshua Benoliel - A Nação, 21 de Outubro de 1913

O actual Presidente da República Portuguesa, como muitos dos seus predecessores, faz questão e gala de nos insultar renovadamente a todos, afirmando-se Presidente de todos os portugueses, tal como hoje, dia de eleições, uma vez mais sucedeu.


Dispondo o Presidente da República Portuguesa, de sua graça, Aníbal Cavaco Silva, de uma largo e vasto conjunto de assessores e conselheiros, talvez fosse simpático uma dessas boas almas chamá-lo à razão, explicando-lhe, pacientemente, o disparate de tal afirmação, para não designar mesmo como patética e despropositada presunção ou pretensão.

Ou seja, alguém, uma dessas boas almas poderia, ou deveria mesmo, ter a caridade de explicar ao actual Presidente da República Portuguesas que a eleição para o cargo de Presidente da República Portuguesa significa isso mesmo, ter sido eleito para presidir à República ou Res-Pública Portuguesa, i.e., à Coisa-Pública Portuguesa, sem mais.

É certo que, nestes tempos de ignorância e estatística em que tudo quanto ao ensino respeita apenas às estatísticas respeita, sem mais, talvez demasiada ingenuidade seja supor um mínimo conhecimento haver já da distinção conceptual entre Pátria, Estado, Nação e República, mas, não obstante, afigurando-se legítimo supor, senão o próprio Presidente da República, pelo menos alguns dos seus muitos assessores e conselheiros fazerem, ou deverem fazer, parte de um certo escol da nação, obrigação haverá de, entre todos, algum perfeita consciência haver dessa mesma distinção, evitando assim que o actual Presidente da república Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva de sua graça, se exponha a tão triste figura, expondo tida a sua funda ignorância dessa mesma elementar distinção conceptual entre Pátria, Estado, Nação e República.

Em sintéticos termos, quando os portugueses elegem um Presidente, elegem-no para que zele pela coisa-pública, ou seja, para que garanta a preservação do que é de todos, do que poderemos designar como património comum.

É isso que se pede e se exige a um Presidente. Nem mais nem menos, apenas isso.

Nós, portugueses, não somos coisa-pública à disposição da vontade, capricho ou seja lá o que for do Senhor Presidente.

Alguém devia ter a caridade de lhe explicar isso.




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