quinta-feira, 10 de junho de 2010

O Drama de Portugal (Conclusão)

Sarah Moon, Natal em Portugal, 1999


«A nossa ruína cultural, a nossa não lusitanidade íntima, esse é o mal que nos mina; todos os outros, por graves que sejam, podem passar, podem ter solução. Mas para aquilo que, continuado, é a morte mesma, não há solução».
As palavras são de Fernando Pessoa, o tão celebrado quão pouco lido como, menos ainda, verdadeiramente interpretado e compreendido poeta. Como o próprio também não deixava de referir, de acordo com a sabedoria popular, se «tem pouco uso o que não se presta a abuso», Pessoa tem sido o mais abusado dos poetas portugueses, todos se servindo das suas palavras a seu belo prazer e, não em poucos casos, quando não mesmo na sua maioria, revelando e manifestando tanto uma ignorância quanto uma tão indecorosa quanto arrepiante desonestidade intelectual.

Fernando Pessoa, como mais tarde soube Álvaro Ribeiro mostrar e demonstrar de forma luminosa e irrefutável, também compreendeu a verdadeira causa da decadência nacional. É certo que, hoje, enquanto Pessoa é a universalmente citada figura que todos conhecemos, Álvaro Ribeiro permanece não apenas como um obscuro mas acima de tudo proscrito autor pelo que poderemos designar, por facilidade de expressão e compreensão, como «cultura oficial».

Para se compreender exactamente o que pretendemos significar, bastará atender, nesse sentido, o que escreve, por exemplo, um literato como Eduardo Lourenço, tido como grande «pensador» de Portugal, no seu patético Labirinto da Saudade, onde, não dirá já sem aquele mínimo de compreensão interpretativa mas mesmo de honestidade intelectual, não só identifica Álvaro Ribeiro como um «salazarista» como, sem pejo, ínsinua ainda ter eventualmente beneficiado com tal atitude sob o anterior regime, como tal nunca sucedeu.

O que aqui importa, porém, não é a pequena e fraca figura de Eduardo Lourenço mas Álvaro Ribeiro que, desde 1943, pelo menos, data da publicação da sua obra, O Problema da Filosofia Portuguesa, não se cansou de chamar continuamente a atenção para a circunstância de não poder haver uma Filosofia Portuguesa sem uma Educação Portuguesa, não podendo assim, sem Filosofia Portuguesa, existir uma efectiva Política Portuguesa e, consequentemente, sem uma efectiva política Portuguesa, haver verdadeira afirmação de uma real Independência nacional.

Como é uma evidência e Álvaro Ribeiro não deixou de o salientar também, os erros de educação de uma geração pagam-se como problemas políticos na geração seguinte. E é exactamente essa a situação em que nos encontramos.

Como escreveu também Fernando Pessoa:

«Há três espécies e Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expressão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também. Outro é o português que não o é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.

Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas d’El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora, foi-se embora em Alcácer-Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele».

Ora, quando no texto anterior referimos haver uma causa para a falta de sentido do que Portugal é e, consequentemente, de qualquer sentido estratégico dos nossos mais recentes Presidentes da República, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio a Cavaco Silva, era exactamente a esta mesma causa que nos referíamos, a sua falta de educação como portugueses, não surpreende muito assim, nada terem a dizer sobre Portugal porque, em boa verdade, ideia alguma têm de Portugal, do que Portugal seja e do seu Destino ou da sua Missão.

Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio a Cavaco Silva não representam uma geração pós 25 de Abril de 74, ou seja, pós-Revolução, mas uma geração educada em pleno Estado Novo. Ou seja, o designado problema da Educação é cousa antiga, muito antiga, muitíssimo antiga mesmo. Será hoje ainda mais grave? Com certeza, mas nem no tempo do Estado Novo estávamos muito melhor.

Na verdade, na verdade, como sugere Fernando Pessoa e Álvaro Ribeiro plenamente expõe e demonstra, a reforma pombalina da Universidade foi uma das maiores tragédias nacionais que alguma vez nos sucederam. Na verdade, na verdade, o Marquês Pombal ao reformar a Universidade, pretendendo, por um lado, terminar de vez com o ensino do «abominável Aristóteles» e, por outro, impor uma visão francesa e Iluminista do Mundo, divorciou radical e irremissivelmente todo o ensino de toda a mais genuína tradição nacional, conduzindo assim à esquizofrenia nacional em que estamos ainda.

De facto, a Universidade, sucessiva e cumulativamente Iluminista, Positivista, Marxista e agora Pragmatista, sempre com um mesmo fundo materialista socializante, é que tem vindo a ser responsável por formar, ao contrário do que se afirma, não as elites da nação, mas simplesmente as ditas «classes dirigentes» que nos desgovernam desde, pelo menos, há mais de dois séculos. Cortado o vínculo com a mais séria e profunda tradição, era esperado que assim sucede-se, tal como, aliás, o próprio Marquês pretendia.

Adriano Moreira, uma das poucas figuras políticas verdadeiramente relevantes dos últimos decénios, manifestava, em recente conferência a sua preocupação pelas consequências da adopção pela Universidade Portuguesa das regras impostas pelo chamado Tratado ou Declaração de Bolonha. Em síntese, deplorando um ensino cada vez mais utilitarista e pragmatista, cada vez mais afastado das humanidades e, muito em particular, da Filosofia, Adriano Moreira exortava a Universidade a resistir e a recusar as reformas propostas por esse mesmo Tratado ou a verdadeiramente designada Declaração de Bolonha.

A preocupação de Adriano Moreira afigura-se, sem dúvida nenhuma, compreensiva. Todavia, uma breve reflexão bastará para compreendermos como, um pouco mais de humanidades ou mesmo um pouco mais de Filosofia, também não irá, de per si, conduzir a lado nenhum senão, tal como até agora, não conduziu até onde nos encontramos.

Apela Adriano Moreira para mais Filosofia? Parece bem, mas que Filosofia? Racionalismo Francês? Idealismo Alemão? Pragmatismo Norte-Americano? Não sabemos. O que sabemos, com certeza, é que para a Filosofia Portuguesa é que não apela certamente.

Mais Bolonha ou menos Bolonha não importo muito, não importa nada, mesmo. O problema não reside aí.

Há anos atrás, convidado a leccionar um Curso de Filosofia na Universidade Lusófona, Orlando Vitorino elaborou o respectivo Curriculum do seu «Curso de Filosofia Portuguesa”, submetendo-o, como mandava a Lei à superior aprovação pelo Ministério da Educação e Ensino Superior (julgamos ser esta a designação à época do dito Ministério).

Avaliado por uma Comissão Científica cuja designação exacta não recordamos, presidida por Adriano Moreira, com o intuito de zelar pela boa conformidade dos cursos universitários, o «Curso de Filosofia Portuguesa», entre outras razões, foi recusado ou chumbado, por não referir, por exemplo, figuras tão «importantes» como, por exemplo, um António Gramsci (o curriculum do Curso pode ser lido na transcrição realizada aqui por Miguel Bruno no seu Liceu Aristotélico»).

Gramsci? O que tem de notável Gramsci? Nada, a não ser ter sido um marxista que se apercebeu e doutrinou a subversão da «sociedade burguesa» não via revolucionária mas pela Educação, a começar, naturalmente pela Universidade.

Não creio, não posso crer, ter tido Adriano Moreira directa responsabilidade nesta disparatada decisão de qualquer burocrata marxista e já devidamente estrangeirado. De qualquer forma, o que este episódio ilustra é mais Bolonha ou menos Bolonha não ter qualquer relevância enquanto não se acabar de vez com o actual Ministério da Educação mais o Ministério da Ciência e do Ensino Superior e não se libertar verdadeiramente a Educação, nada haverá ou valerá a pena fazer.

Consulte-se, por exemplo a página de Internet da FCT e veja-se a quem está entregue a decisão de financiamento dos respectivos Projectos de Investigação _ aos mais doutos estrangeiros das mais doutas universidades um pouco por todo o mundo, da Europa aos Estados Unidos e Canadá. Estranho mas real.

Veja-se, por exemplo, o recente livro sobre a História de Portugal de Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, coordenada pelo primeiro, um fastidioso relato de sucessivos factos, sem um mínimo de interpretação nem compreensão. Uma História onde tudo parece ser obra do acaso ou, quanto muito, fruto de circunstâncias fortuitas.

Uma História onde não há a mais leve ou mínima procura de compreensão da própria História, a mais leve ou mínima preocupação de compreensão de Portugal, onde todas as figuras, grandes ou pequenas, agindo e movendo-se, quais títeres, apenas por força do respectivo enquadramento, deterministicamente quase, sem pensamento, sem alma, sem liberdade, sem rasgo ou intenção superior ou mesmo transcendente. Tudo «vil tristeza».

Dois exemplos bastam para se compreender a que ponto baixa esta História.

Veja-se, a esse título, os Descobrimentos, onde se dá um relato mais menos exaustivo de partidas e chegadas, quase se estivéssemos no cais a anotar as partidas e as chegadas, as respectivas rotas seguidas e descobertas realizadas, sem mais.

Exageramos? Exageramos. Mas se formos procurar o que é dito, por hipótese, a propósito de uma figura como Cristóvão Colombo, tudo é despachado num parágrafo, dando como Genovês e como figura controversa. Brilhante.

De tudo quanto de notável, absolutamente notável, no tempo de D. João II, nada fica. Nem uma palavra sobre a «Política de Sigilo», nem uma palavra para a organização do primeiro Sistema de Informações, como hoje o que poderíamos designar, sem sombra de dúvida, um dos mais admiráveis entre os mais admiráveis, tão admirável que ainda hoje confunde historiadores incautos e imprevidentes, como palavra alguma sobre o trabalho científico e mesmo de Investigação e Desenvolvimento realizado, como hoje se diria, o que verdadeiramente permitiu não só a conquista de todo o Atlântico como, mais tarde, o domínio, sem par, do Índico.

Como um parágrafo chega também para «despachar» a questão do mapa Cor-de-Rosa sem uma palavra sobre Cecil Rhodes, essa sinistra figura a quem tudo quanto de pior nos sucedeu em África nesse momento se deve. Talvez devesse Rui Ramos ler, por exemplo, um livro de Fernando Pacheco de Amorim, «25 de Abril : Episódio do Projecto Global», se não nos falha a memória, para compreender essa tão megalómana quanto terrível e assustadora figura mas cujas consequências de muitos dos seus megalómanos feitos de então, ainda hoje perduram.

Bem podem Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva lerem a História de Portugal de Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalves Monteiro…

O nosso drama é grave, profundo e bem mais antigo que nós próprios. Infelizmente é assim e ainda muito havemos de pena até que, talvez, um dia, tudo possa começar a mudar. Como, apesar de tudo, cremos e esperamos.

5 comentários:

Liceu Aristotélico disse...

No caso de Adriano Moreira, é óbvio que, não obstante ser uma personalidade distinta e de grande craveira intelectual, faz parte do "sistema universitário" dominante. Nem ele nem ninguém, que esteja envolvido no sistema, pode fazer alguma coisa. Podem, entretanto, recorrer à cultura portuguesa, e até defenderem a integração de autores portugueses nos currículos socialistas de ensino, e, no entanto, isso não passa da mais pura ilusão.

Aliás, não me esqueço de, na Lusófona, ter assistido, como seria de esperar, a um cortejo de professores marxistas num curso que ali tentei tirar. Qual quê? Vi alteradas, sem mais, as condições do curso inicialmente previstas, procurando, civilizadamente, uma explicação razoável para o sucedido. Nada. Nem o reitor, que era marxista, se dispôs a dar esclarecimentos. Nisto, exigi naturalmente o meu dinheiro, pois estava a ser defraudado. Nada. Não tive outra opção senão espremer forte e feio a situação, reavendo o dinheiro num piscar de olhos. Nisto, disse o Orlando: «Você fez uma coisa que mais ninguém conseguiu fazer numa universidade, principalmente como esta», referindo-se, como é óbvio, à devolução do dinheiro.

Foi finalmente aí que jurei para nunca mais me meter, directa ou indirectamente, com a camarilha universitária, venha ela donde vier. A partir de agora, vai à Camões.

De resto, o Orlando ria-se, dizendo simplesmente: «A Lusófona é um foco de comunismo». E tinha toda a razão e mais alguma.

Miguel Bruno Duarte

Gonçalo Magalhães Collaço disse...

Caro Miguel Bruno Duarte,

Agradeço o comentário mas não posso, todavia, deixar chamar a atenção para o triplo erro que se me afigura constituir uma transposição directa e linear de um repúdio que, hoje, a Universidade como Instituição nos poderá merecer, num repúdio quase diria,ad hominem em relação a todos os seus vários membros, nomeadamente, aos membros dos respectivos corpos docentes, individualmente considerados.
É um erro de um ponto de vista lógico, é um erro de um ponto de vista estratégico e é um erro de um ponto de vista da portugalidade.

É um erro de um ponto de vista lógico porque estar a classificar os indivíduos de acordo com qualquer instituição em que participem, é estar a cometer o mesmo erro de Marx em relação ao disparate das «classes sociais», ou seja, à incapacidade de ver os indivíduos como indivíduos para apenas ter capacidade de os considerar como representantes de uma «classe», atribuindo-se-lhes, por inteiro e em exclusivo, as exactas qualidades da própria «classe» em que se determinou estarem inseridos. De algum modo, é como descer do espírito à pura biologia, generalizando (atribuir um género, imutável), num ponto em que generalizar é, quase diria, um pecado, aceitando que pecar seja sempre pecar contra o espírito.

É um erro estratégico porque, entre aqueles que agora repudiamos como universitários talvez se encontrem alguns dos melhores de nós, com os quais devemos e teremos sempre de contar. Mutatis mutandis: «Em verdade, em verdade vos digo, haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converta do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão.»

É um erro ainda porque, sendo os portugueses profundamente individualistas, não podemos nem devemos considerar os nossos compatriotas, sejam eles quais forem, sob outra perspectiva que não a do profundo individualismo que nos marca, distingue e singulariza
.
Acima de tudo, não podemos nem devemos pessoalizar a questão da Universidade. Hoje, a questão é essencialmente Política. A questão reside, essencialmente, na existência de um Ministério da Educação e de um Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tal como existem.

Hoje, o que importa é pedir, exigir, liberdade de ensino, ou seja, liberdade de aprender e de ensinar.

Nada disto retira, como parece evidente, qualquer responsabilidade à Universidade tal como hoje existe, constituindo-se mesmo, na esmagadora maioria dos casos, como a mais negra e terrível instituição de desnacionalização e activo anti-patriotismo. Todavia, transpor este repúdio que a actual Universidade como Instituição nos possa merecer para uma absoluta condenação e menosprezo por todos os seus membros, é um passo que não dou e que se me afigura profundamente errado, pelas razões expostas,dar.

Com os devidos respeitos,
Gonçalo Magalhães Collaço

Liceu Aristotélico disse...

Caro Gonçalo,

Naturalmente, há um repúdio da minha parte pela Universidade. Mas daí a dizeres, simplesmente, que condeno todos os seus membros, como se de uma classe, ao jeito marxista, falasse, deixa-me dizer-te que nem parece teu. Aliás, é um facto que reconheci em Adriano Moreira um ilustre académico, se bem que, do ponto de vista do "sistema universitário, isso é apenas uma gota no oceano.

Depois, é verdade que também pessoalizei a questão em causa, mas se o fiz é porque, ao contrário de muito boa gente, não tenho medo de dizer o que vi e experienciei na hora. Sou incisivo na forma como o faço? Antes isso do que me dobrar servilmente. Agora, caro Gonçalo, deixa-te de sentimentalismos porque também eu tenho amigos que são reis na Universidade e nem por isso ando com eles ao colo.

Um Abraço Orlandino

Liceu Aristotélico disse...

Caro Gonçalo,

Permite-me ainda, com mais vagar, responder ao triplo erro que me imputas sobre a questão universitária. Começas então por afirmar que classifico os “universitários” enquanto indivíduos que participam da instituição universitária tal como Marx classificava os indivíduos enquanto representantes de uma “classe social”. Aqui, metes logo o pé na argola, cometendo não só um erro lógico crasso como, além do mais, imperdoável. O que tu, antes, podias tentar dizer, embora sem acertar no alvo, é que eu, não olhando às várias qualidades ou propriedades dos indivíduos que participam da instituição universitária, acabava por os recluir numa classe, não social, mas tão-só conceptualmente expressa na forma de juízo retórico que não olha sequer à conveniência ou inconveniência do predicado. E logo a seguir não só te embrulhas, sem nexo lógico, na biologia, como ainda, pregando moralite, citas impiedosamente a Bíblia em nome dos pecados contra o espírito.

Tem juízo homem! É o mínimo que te peço. Aliás, já uma vez tinhas feito uma gracinha do género quando, noutra ocasião, eu próprio (desculpa a repetição do “eu”) afirmara, na esteira de Frederico Hayek, que sem liberdade económica não poderia haver liberdade individual e política. Lá tive que te mostrar tim-tim por tim-tim que a questão não se reduzia ao economicismo do costume, tal como agora, dura mas amigavelmente, tenho de voltar a mostrar o que tu, no fundo, bem lá no fundo, já sabes mas, teatralmente, finges não saber.

Ora vejamos: pondo de parte, por agora, qualquer manifestação de repúdio a que também os “justos” têm direito, a questão não passa por, sem mais, condenarmos todos os membros da Universidade, mas está em compreender no que se traduz, efectivamente, a poderosa organização que os informa e modela a todos. Mas dir-me-ás: na Universidade, apesar de tudo ser aí praticamente negro, superficial, repetidor, há pessoas bem-intencionadas e até vocacionadas, se quiseres, para o inefável. Há certamente, até porque é impossível que o singular seja completamente absorvido pelo «ser genérico» para o qual a sociedade e a intelectualidade do presente caminham a passos largos. Mas o que tu, paradoxalmente, não reconheces, ainda que usufruído tenhas do magistério orlandino, é que por melhor que as pessoas sejam, queiram ser ou até aparentem ser, não podem escapar ao brutal e terrível condicionamento ideológico de que a Universidade é o agente primeiro por excelência.

Falas, inclusivamente, em Gramsci, e, no entanto, pareces não realizar o que isso realmente significa. Acorda homem! Abre os olhos e não te deixes hipnotizar, até porque estar desperto, lembrando Carlos Castaneda, não é garantidamente para todos. Repara bem: a Universidade não é uma entidade metafísica a pairar algures, pois ela é sobretudo o que os homens dela fazem, cada um deles em particular e de forma bastante concreta.

Para além disso, o mais importante é, não propriamente o indivíduo, mas a pessoa na sua natureza única e singular. A Universidade, tal como hoje se apresenta, não olha às pessoas e muito menos cria as condições para as fazer pensar. É um instrumento do mal a que até os melhores fecham os olhos para sobreviverem, o que não está certo nem pode ser eticamente aceite. Porra para os membros da Universidade se as novas gerações não se poderem realizar física, psicológica e espiritualmente. Sim, porra e mais porra para ouvires bem e assimilares até ao tutano! E se o digo assim é porque sou teu Amigo.

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Liceu Aristotélico disse...

Mais te digo: essa história de que pessoalizo a questão universitária é, bem vistas as coisas, uma balela. A percepção do que nos envolve tem que passar, bem ou mal, pela experiência que o indivíduo vai conquistando e realizando por si, pelo que essa coisa de remeteres para a política o que se passa diante dos nossos olhos, corresponde, desde logo, a não agir no terreno quando chega a Hora da Verdade. É o que quase toda a gente faz, sobretudo os intelectuais do ai que não é comigo. Porra para os intelectuais!

Se eu te digo que na Lusófona assisti ao inacreditável do ponto de vista didáctico, ético e o quer que seja, em que os professores universitários eram praticamente todos de esquerda, dando esmagadora e maioritariamente autores de esquerda, impostos sem discussão, em que as pessoas não contavam para nada senão para reproduzirem aquela charada ideológica, que valor ou importância tem essa porcaria dos melhores de nós poderem estar na Universidade a cultivar a singularidade de coisa nenhuma? Ora porra! Não gozes comigo!

E olha que não foi só na Lusófona, pois deparei, mais coisa menos coisa, com a mesma mentalidade noutras faculdades que perfazem a nossa prestigiada Universidade. E depois há o testemunho de verdadeiras pessoas, poucas é certo, que tiveram a coragem de descrever que o indivíduo, numa poderosa organização destas, é como se não existisse. Vai ler o Álvaro Ribeiro para abrires o horizonte e começares a ver em espiral!

Vamos agora ao erro estratégico. Dizes tu, que tão bem, aliás, te esforças em escritos de intuito estratégico, que a questão política está, perante o «Ministério da Educação e de um Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tal como existem», em «pedir, exigir, liberdade de ensino, ou seja, liberdade de aprender e ensinar». Olha: que grande estratégia! Sim, pede e exige que “eles” tão logo te dão isso numa bandeja. Não sejas ingénuo! O que “eles” te dão é o socialismo em versão um, dois e três, isto é, dão-te o filme todo planificado até ficares com a cartilha revolucionária pronta a fazer de ti, qual democrata de fachada, o pior cidadão do mundo.

Agora o erro da portugalidade. Não me faças rir. Olha, enquanto pensar o Leonardo, o Álvaro Ribeiro e o Marinho, entre outros, não há nada, mesmo nada que me faça deixar de ser português. Não os posso ensinar directamente, como deves calcular, a quem tenho, antes de mais, o dever ético de ensinar, porque o “sistema” não o permite, mas posso, como tenho feito, dar-lhes, por instantes que sejam, um sentido outro que toque directamente, isso, sim, nas perplexidades, nas angústias mesmo, que guardam quanto a um futuro nada promissor, e, no entanto, cheio de esperança como compete às almas moças. E olha que já não é nada mau.

Resumindo: se deparas, em comentários não formais, com expressões como “camarilha universitária”, a qual é, podes ter a certeza, não uma abstracção generalizada, mas uma certeza decorrida de uma percepção bem concreta e real, tal não significa, repara bem, total desconhecimento do que já em Aristóteles dava pela presença do universal no individual, que aí, sim, trata-se do universal concreto segundo o qual se nutre e patenteia a singularidade propriamente dita. Logo, pautando-me pela lógica de Aristóteles, que não é pura coisíssima nenhuma, como dizem certos parvos da Universidade, só resta devolver-te, caro Gonçalo, um triplo erro que só imaginariamente existe na tua cabeça, como aliás bem e prontamente o sabes. Assim, para me apanhares em pecado tens que te esforçar mais e melhor. Enfim, dar o litro e beber muito leitinho da Mimosa.

Miguel Bruno Duarte