Comemorar Portugal o dia 10 de Junho, Dia de Camões, como seu Dia Nacional, não é de somenos importância mas facto do mais alto valor simbólico.
Muitas outras datas poderiam constituir-se, não sem plena justificação, como o Dia de Portugal Do 5 de Outubro, em comemoração da assinatura do Tratado de Zamora, passando pelo 14 de Agosto, em memória da Batalha de Aljubarrota até ao 1º de Dezembro, em celebração da Independência Nacional, como ainda hoje se celebra, para referir apenas três das mais significativas, o poderiam de facto ser por tudo quanto de importante também significam na História Pátria. O Dia de Portugal é, porém, o Dia de Camões. Cousa singular e admirável, tanto quanto sabemos, sem paralelo no mundo.
Dalila Pereira da Costa, na sua obra, «O Esoterismo de Fernando Pessoa», não deixava de sublinhar, como aquela intuição de superior inteligência que a caracteriza, a intrínseca identificação do poeta, até ao limite do seu ser, com o destino da sua Pátria. Situação que, mutatis mutandis, se estende também, de algum modo, a todos os grandes poetas nacionais, a todos os grandes homens de pensamento e, mais consciente, mais inconscientemente, em alguma medida, até a todos os verdadeiros portugueses que se reconhecem como tal, as tais «almas verídicas», na expressão de Leonardo.
Unamuno chamou-nos «povo de suicidas». Não nos podia compreender. Por maior que fosse a sua admiração por poetas portugueses como Pascoaes, por mais genuína que fosse a sua amizade a Portugal, não podia compreender, não podia ter compreendido nunca, o verdadeiro drama que sempre transcorre no âmago da nossa alma, no âmago da nossa existência pátria. No âmago da nossa alma onde, mesmo nos momentos de maior treva, transcorre sempre, há sempre, uma indizível luz de saudade, como viu Pascoes; como Unamuno não poderia nunca ter visto e, menos ainda, ter compreendido este extraordinário e paradoxal povo que todos somos.
Falamos de poetas e, além de Camões e Pessoa, e Pascoes, podíamos lembrar outros mais, mas essa identificação assumiu, na verdade, a sua mais elevada, dramática, e quase diríamos mesmo trágica expressão, nos dois primeiros, Camões e Pessoa.
Quem é o poeta? É aquela «ave metafísica» que perscruta tantos os mais fundos abismos quanto os mais altos cumes e o além, aquele a quem «toda a nova realidade que vem ao mundo» visita primeiro, como diria ainda o Pascoaes?
Tudo isso, sem dúvida, e tudo o mais.
Mas é por isso que atribuímos tão alto valor simbólico o Dia de Portugal ser o Dia de Camões?
Por tudo isso, sem dúvida, mas não apenas por isso: por iluminar o vínculo inscindível entre o espírito e a Pátria, realidade transcendente que só pelo pensamento é passível de se tornar real.
Bem o sabem, antes de todos, os poetas. Se Afonso Henriques nos deu a independência política e Nuno Álvares Pereira no-la garantiu quando já portugueses verdadeiramente o éramos, foi ainda um poeta que nos deu a real independência espiritual, se assim podemos dizer, D. Dinis, ao ter determinado e obrigado todos os documentos oficiais passarem a ser escritos em português de lei.
Hoje, nesta idade sombria, sem iniciação poética, e menos ainda filosófica, perdidos, consequentemente, numa desalmada razão prática, sem transcendência nem verdadeira realidade, quando o respeito pela língua é já escasso ou nulo, talvez tudo isto se afigure a muitos, a quase todos, pouco, muito pouco. Mas é deste pouco, deste muito pouco, que tudo afinal depende.
2 comentários:
Caro Gonçalo,
Faço votos de que esta sua nova aventura seja bem sucedida. A sua saída do "Geração de 60" deixou orfã uma ideia que ninguém foi capaz de substituir. Virei sempre lê-lo e, se não se importar, dialogar consigo sobre esse pouco, muito pouco, de que afinal tudo depende. Para exclusivo benefício meu.
Caro Manuel,
Tanto me surpreende quanto me honra a sua tão imprevista quanto inesperada visita e, devo acrescentar, nada me dá mais ânimo e gosto sabê-lo, desde já, crítico leitor, na perspectiva de um dia podermos retomar os nossos fundos e acessos diálogos em busca de mais iluminação ou luz, sem querer parecer presunçoso. Afinal, não é também isso quanto mais conta?
Um abraço,
Gonçalo
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