sábado, 13 de junho de 2009

Interesse Nacional, Cavaco Silva e Paulo Rangel

Daniel Blaufuks, Motel, 2005

O ainda actual Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, merece-nos o maior elogio pelo modo magnífico como desempenhou o papel do novo Velho do Restelo no dia de Camões, designado também como Dia de Portugal.

O novo Velho do Restelo é o perfeito Contabilista, aquela figura, como diria o Oscar Wilde, que sabe o exacto preço de tudo mas não conhece o valor de nada. O Contabilista, o novo Velho do Restelo, capaz de alertar, para gáudio de todos, para os perigos de não se saber ver mais além do modo a melhor beneficiar e tirar de uma vantagem imediata mas sem perceber que, olhar mais para além implica também olhar para além da mera contabilidade de perdas e ganhos, ou custos e benefícios, em exclusivos termos económico-financeiros.

O novo Velho do Restelo é capaz de alertar, muito sensatamente, para os exorbitantes gastos de um projecto como o TGV mas o novo Velho do Restelo é incapaz de olhar para o mesmo projecto de um ponto de vista estratégico, se assim podemos dizer.

Todos conhecemos já as eventuais reticências do ainda actual Presidente da República Portuguesa a algumas das projectas grandes obras públicas como a do TGV. Não lhe conhecemos é um mínimo de pensamento próprio ou sequer alheio sob eventuais vantagens ou desvantagens estratégicas para Portugal dessa mesma realização, para além, claro está, de meras considerações de pura ordem contabilística.

Vemos erguer-se o novo Velho do Restelo do alto da sua majestática cátedra, vociferando assustador contra a falta de valores e pugnando, intransigente, pela «cultura do exemplo», como todos agora gostam de reverberar.


Do ainda actual Presidente da República Portuguesa nunca lhe ouvimos uma palavra de repúdio pela alteração à Constituição, vergonhosamente aprovada pela Assembleia da República, de forma a permitir a aprovação do famigerado e agora dito Tratado de Lisboa, sem recurso a qualquer referendo.

Tratado de Lisboa em que Portugal perde, em definitivo, qualquer veleidade de gestão da sua Zona Económica Exclusiva, embora o Presidente, amigo do mar, não deixe nunca de referir, como ainda agora voltou a referir no seu discurso do 10 de Junho, sermos, em virtude da nossa posição geográfica, «detentores de uma das maiores Zonas Económica Exclusivas da Europa, de um património oceânico que é único e de recursos geológicos, biotecnológicos e energéticos muito relevantes»

Palavras sempre comoventes, como sempre _ sobretudo quando vindas de quem tanto vitupera a «Retórica». E no entanto, porquê afirmar sermos «detentores de uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa»? Para não nos apercebermos que temos a maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia, assim diluindo a importância e singularidade da nossa Zona Económica Exclusiva num vago e abstracto conceito de Europa que nunca se sabe exactamente onde começa e onde acaba? E quem, que nação, nessa abstracta Europa é nosso par ou nos ultrapassa em termos de Zona Económica Exclusiva? A Noruega e quem mais?... Não é, afinal, a nossa Zona Económica Exclusiva não uma das maiores da Europa mas, verdadeiramente, uma das maiores do mundo?... Porquê ignorá-lo e esquecê-lo?...

Para o ainda actual Ministro da Agricultura, Jaime Silva, o «mar português» termina nos limites do Mar Territorial. Para o ainda actual Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, mais avisado, vê já a que irá inevitavelmente conduzir a aprovação do famigerado Tratado de Lisboa, ou seja, à perda da nossa Zona Económica Exclusiva para passarmos a partilhar, na exacta medida em que a União entender dever deixar-nos partilhar, dessa mesma futura Zona Económica Inclusiva Europeia.

Entretanto, pena temos de não termos ainda tido oportunidade de ouvir quaisquer declarações, a propósito do 10 de Junho, desse novo paladino de Portugal, o novo «player» da política portuguesa, Paulo Rangel, como o mesmo se intitula.

«Pelo interesse nacional, assino por baixo», lia-se num dos cartazes que enxameavam profusamente as nossas estradas durante a campanha para as ditas Eleições Europeias ou Eleições para o Parlamento Europeu.

Tão singular e significativo cartaz não podia, com certeza, deixar quem quer que fosse indiferente, pela ousadia, e, quem sabe, quase até comover por ver alguém, num momento em que todas as atenções se centram na hoje omnipresente União Europeia, parecia querer, acima de tudo, preservar uma sã e genuína perspectiva portuguesa das políticas dessa mesma cada vez mais sufocante e omnipresente União Europeia.

Paulo Rangel, parece ter também, além do mais, a vantagem adicional de ser uma figura de uma nova geração de políticos surgida e crescida, não à sombra dos partidos, mas aportada à política depois de uma significativa afirmação individual e profissional no que hoje, pomposamente, se designa como sociedade civil. Ou seja, uma geração descomprometida, segundo se afirma, com as tradicionais e não muito recomendáveis práticas partidárias, envolvida na política apenas por razões de entendimento de haver, ou terem, enquanto portugueses, uma superior missão a cumprirem perante si mesmos e os seus compatriotas. Em síntese, uma superior consciência de dever, quais novos Cíceros, se assim podemos dizer, perante a República.

Não teria, assim, Paulo Rangel, algo a dizer?

Assim o cremos. E tanto assim o cremos que, na ausência de novas declarações, das suas sempre preclaras palavras, pegamos, com redobrado interesse, na sua obra, «O Estado do Estado», recentemente lançado, com a devida pompa, circunstância e os mais altos encómios dos seus pares e dos ditos meios de comunicação, perscrutando as palavras não ditas mas almejadas.

Lendo e relendo as altas, reflexões, meditações e pensamento do autor agora novel deputado Europeu, sobre Portugal, a Europa e os presumivelmente preconizados princípios de orientação a que devem obedecer, na actualidade, as relações entre Portugal e a União Europeia, chegados ao capítulo, «Em Defesa da Constituição Europeia», generosa e profusamente, esclarecidos somos.

Paulo Rangel é um federalista porque, afirma, a páginas 129, na sua prodigiosa fantasia, «os esquemas federais defendem mais o Estado federado das ingerências e intromissões abusivas do centro. Numa palavra, numa estrutura federal, os Estados mais débeis são mais iguais aos Estados mais robustos».

Não sabemos que exacto conceito de Estado tem Paulo Rangel, sabendo igualmente difícil entender quanto pretende realmente significar com «Estados débeis» e «Estados robustos» mas, seja como for, a subtileza de referir os «esquemas federais» para não falar em Estado Federal, a tudo se sobrepõe, expressando do melhor modo os extraordinários dotes retóricos do novel «player» da política portuguesa.

Para além disso, Paulo Rangel o Federalismo por ser também, nas suas palavras, «a verdadeira condição da possibilidade de uma democracia europeia», porque, como se reproduz a páginas 130, «o défice do projecto europeu está no lado processual da democracia». Ou seja, «os valores a prosseguir não devem ser preexistentes, mas deverão ser «democraticamente» escolhidos em cada momento e por cada geração. No essencial, esse procedimento traduz-se no apuramento da vontade da maioria e na prevalência dessa vontade maioritária como vontade popular».

Estamos esclarecidos: os valores são uma questão da «vontade da maioria» e, por definição, essa vontade maioritária «deve prevalecer como vontade popular». Nessa circunstância, porém, talvez não pudéssemos era contar com os superiores dotes retóricos e de oratória de Paulo Rangel no Parlamento Europeu, a bem, com certeza, dos «Estados mais débeis», na medida em que preconiza também, no parágrafo seguinte, a «criação de um «espaço europeu» onde releve – onde releve efectivamente – a decisão maioritária dos cidadãos europeus. O que implica aceitar sem contemporizações, um nível de decisão que escapa ao controlo e à presa dos Estados-membros (embora pertença, de direito, e por direito, aos seus cidadãos)». Ou, como dito mais sofisticadamente, a páginas 131: «só o federalismo consagra um verdadeiro mecanismo de separação (vertical) dos poderes entre os Estados e a União».

Num ponto, todavia, Paulo Rangel está absolutamente certo. Como se reproduz a páginas 132, «a questão da adopção de uma Constituição pela União Europeia apresenta-se, no essencial, como uma questão falsa: com efeito, quer se goste quer não, já existe (ou preexiste) uma Constituição Europeia e um Direito constitucional europeu».

Infelizmente, Paulo Rangel está certo. Não existe formalmente uma Constituição Europeia mas existe informalmente e, mais grave do que isso, uma vez sobrepor-se o direito europeu aos direitos nacionais, na verdade, a diluição dos estados europeus num Estado Europeu, é já um facto, com ou sem Constituição Europeia, com ou sem a plena afirmação dos «esquemas federalistas», para usar a bela expressão de Rangel.

Tudo isto, porém, é apenas uma brincadeira. Grave, muito mais grave, é quando chegamos a páginas 138 e Paulo Rangel, se arvora em intérprete dos destinos de Portugal e se põe a discorrer sobre «Portugal: Quinto Império ou Europa».

Como seria quase inevitável, Paulo Rangel não deixe de começar por explorar os lugares comuns das mais ordinárias interpretações do Quinto Império, não deixando de citar desde Fernão Lopes até Camões e, claro está, o Padre António Vieira, chegando ao desplante de escrever, referindo-se sempre ao que imagina ser o Quinto Império: «Em Vieira, inscreve-se num plano ainda parcialmente temporal, físico ou político (de legitimação da Restauração); mais tarde, num plano puramente espiritual ou cultural até chegar à completa desmaterialização da pátria, do território e da geografia («a minha pátria é a língua portuguesa», diz Pessoa)».

Para além da disparata verborreia à qual já nos começamos a habituar, como sendo da mais elementar evidência a patetice da «desmaterialização da pátria, do território e da geografia», o abuso de Fernando Pessoa é mais grave.

Não seria, por certo, esperar de Paulo Rangel uma exímia interpretação de Pessoa mas usar uma frase infeliz, disparatada e errada, como muito bem viu Álvaro Ribeiro, para fins anti-patrióticos e anti-nacionais, já se nos afigura excessivo. Tivesse Paulo Rangel algum lido e meditado seriamente quanto Fernando Pessoa escreveu sobre Portugal e teria, com certeza _ enfim, quero ainda crer que teria com certeza _ vergonha da sua abusiva interpretação das palavras de Pessoa.

Porém, no parágrafo seguinte, tudo luminosamente se explica: «Se passarmos pelo pensamento português – ou melhor, pelo pensamento sobre o «ser» português -, de meados do século XIX para cá, passaremos decerto por uma inabarcável diversidade, que pode ir de Oliveira Martins a Álvaro Ribeiro, de Pascoaes a Agostinho da Silva, de José Marinho a António José Saraiva, de Cunha Leão a Jorge Dias. A marca do Quinto Império, de um ou outro modo, cava sulcos fundos e largos em todos eles e a Europa».

Não sabemos onde Paulo Rangel foi buscar, ou talvez saibamos, tantos nomes para citar, alguns sendo mesmo dos mais ilustres de Portugal, que, manifestamente, não leu. Tivesse-os lido e não os juntaria desta forma, com esta patética displicência, como se tudo o fosse o mesmo, para, ainda por cima, singularizar os ditos de um literato subido, nos melhores dias, a crítico literário, Eduardo Lourenço, apresentando-o como o grande pensador de Portugal e da Europa. E, é claro, quando, acto contínuo, para dar aquele ar culto que qualquer novo «player» deve ostentar, não se coíbe mesmo citar um completo estrangeiro, súbdito de Sua Majestade o Rei de Espanha, auto-expatriado para não «viver e morrer entre brutos» impermeáveis ao seu génio, o muito afamado comunista José Saramago, percebemos o quanto Paulo Rangel não pensa nem se interessa verdadeiramente nada, de facto, por Portugal.

Por isso, arvorado agora em profeta, fecha o capítulo sobre o capítulo «Em Defesa da Constituição Europeia», discorrendo sobre o Sexto Império: «A ironia da história – verdadeiramente digna de figurar numa história da ironia – consiste, pois, nesta opção europeia de Portugal. Não só não há sinais da constituição de um império – o quinto, o português -, como parece sancionar-se a «integração-dissolução» de Portugal num outro espaço imperial. Um espaço em que pretensamente hipoteca a sua «soberania» e perde poder de mando, em que se mistura, dissolve e anula em vez de triunfar».

Não é ironia. Paulo Rangel, naquilo que é negativo, está quase sempre certo. Infelizmente, é mesmo assim. Portugal está a diluir-se na União Europeia e não tem quem o defenda.

Paulo Rangel fica muito satisfeito porque, no Euro 2004, ainda vislumbrou o orgulho da identidades!... Chegados ao futebol como último reduto da identidade, nada mais haverá a acrescentar.

Paulo Rangel vislumbra também um Sexto Império: «Um império em que os portugueses, sem prescindirem da identidade cultural e de autonomia política, partilham com os restantes cidadãos europeus um projecto político humanista. Ao cabo e ao resto, algo que estará decerto mais próximo da filosofia cristã do que está o lado glorioso, onírico e triunfal do Quinto Império original».

Valerá ainda a pena comentar este delírio?...

Diz-se que Paulo Rangel é formado em Direito. Nós acreditamos, não temos razões para duvidar mas, no fundo, no fundo, interrogamo-nos sempre sobre quem , no fundo, no fundo, é este novel «playe» da política portuguesa.

A resposta surge, inesperada mas luminosa, numa entrevista do «player» ao jornal «i», na edição de 19 de Maio passado quando, ao terminar a entrevista, falando sobre a dita homossexualidade, afirma «preferir uma engenharia social gradual». Aqui, tudo se esclarece: Paulo Rangel, o novel «player» da política portuguesa, é, acima de tudo, considera-se, acima de tudo, como um Engenheiro Social.

Estamos bem entregues.

O Ministro da Agricultura, Jaime Silva, o Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, o novo «player» da política portuguesa, Paulo Rangel, não estão sozinhos, estão mesmo muito bem acompanhados, inter pares. Nós, portugueses, é que estamos sozinhos _ a maior parte das vezes sem plena consciência disso, a maior parte das vezes retirar as devidas ilações disso mesmo. É triste mas é assim.

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