domingo, 1 de novembro de 2009

Ainda os Submarinos



As recentes palavras do muito ilustrado e douto Almeida Santos sobre a suposta inutilidade e desperdício financeiro dos submarinos portugueses, revelam não apenas a mais profunda inconsciência geopolítica da grande maioria dos nossos actuais governantes mas também, e ainda mais gravemente, o seu criminoso desprezo pela defesa dos designados interesses nacionais permanentes.

Não por acaso, quando hoje se fala de interesse nacional, seja na Defesa, seja na Agricultura ou seja no que for, uma significativa maioria dos nossos governantes, senão a sua quase totalidade, logo afirma, num sorriso largo, com tanto de complacente quanto de sobranceria, devermos tudo enquadrar primordialmente no quadro da União Europeia, na qual nos encontramos inseridos, o que não pode deixar de significar também a plena abdicação da prossecução própria dos nossos verdadeiros e singulares interesses para subsumirmos o nosso destino nos compreensíveis desígnios dessa mesma União Europeia onde Portugal, não sem surpresa, conta pouco se é que alguma coisa chega a contar.

Não por acaso, as patéticas afirmações do muito ilustrado e douto Almeida Santos surgem num momento em que se confunde a importância da aquisição dos submarinos para Portugal com os vários imbróglios relativos à designada política das contrapartidas, confundindo capciosamente ambos os planos como se os mesmos se interligassem linearmente e os problemas relativos a estas anulassem, de per si, tudo o mais.

Como já aqui foi diversamente referido, basta saber olhar para um mapa de Portugal para perceber a crucial importância para nós da aquisição da nova frota de submarinos, inicialmente planeada inclusive para três e não apenas para dois, por motivos de planeamento operacional. Todavia, deixando esta questão para os especialistas, independentemente do seu número, as razões porque se atribui crucial importância à aquisição dos submarinos são fáceis de compreender.

O território nacional subdivide-se, neste momento, numa área emersa de cerca de 92.391Km2, e uma parte imersa cerca de 18 vezes superior, podendo, com o actual projecto de Extensão da Plataforma Continental, de chegar mesmo a cerca de 3 milhões de Km2, o que não pode deixar de significar senão, no caso de Portugal, de uma acentuada preponderância do espaço marítimo sobre o espaço terrestre, se assim podemos dizer.

Para além disso, como também se sabe e aqui já foi referido, tendo Portugal ainda uma extensa área de Busca e Salvamento, a designada área SAR, compreendendo uma área 62,7 vezes a área terrestre, cometida ao seu comando, com facilidade se infere a importância de se possuírem os meios necessários ao cumprimento das missões correlatas, não deixando os submarinos, nesse âmbito, de exercerem um papel preponderante, seja em termos de vigilância, de projecção de força, dissuasão e efectiva defesa dessas vastas áreas marítimas.

A inconsciência geopolítica e geoestratégica da grande maioria dos nossos governantes, para não designar mesmo como criminosa cegueira, quando olhamos para Espanha e verificamos dispor a sua Armada, para além de um Porta-aviões como o Príncipe das Astúrias, outro como o Dédalo, uma frota de quatro submarinos em pleno exercício e mais quatro, modernos e altamente sofisticados, em construção em Cartagena e equivalentes aos nossos actuais submarinos do tipo U-214, para além de todo outro tipo de navios de superfície, desde contratorpedeiros às mais diversas fragatas, navios anfíbios, aviões a helicópteros e demais material que permitem à nação vizinha afirmar-se tanto no Mediterrâneo como no Atlântico.

Mas mais do que isso, importa perceber os interesses de Espanha no nosso espaço marítimo e de interesse estratégico, tal como se tem vindo a afirmar ao longo dos últimos anos, não apenas com o beneplácito mas até como o aplauso, activo incentivo e explícito apoio da União Europeia presidida pelo não menos ilustre e igualmente ilustrado e muito douto José Manuel Durão Barroso.

Referimo-nos, como é evidente, não apenas à nossa ZEE, área SAR e futura Extensão da Plataforma Continental, mas inclusive todas as zonas marítimas que incluem desde os mares dos Açores e da Madeira, até à nossa costa continental e a costa de Marrocos e Africana, até Cabo Verde, entendendo já este arquipélago como uma quase extensão natural das Canárias, não sendo estranho a tudo isto a difícil discussão de negociação da permanência do Comando da NATO em Oeiras, conseguida, apesar de tudo, in extremis, a despeito de todas as legítimas mas pouco simpáticas manobras espanholas que o queriam herdar a todo o transe.

Não nos iludamos, na vida real, na política real, a capacidade de força, conta sempre. Não contará exclusivamente, por certo, mas conta sempre e muito. E conta tanto mais quanto, neste momento, como já foi diversamente chamado à atenção, quando a Gestão dos Seres Vivos na coluna de água na nossa ZEE, por virtude do Tratado Constitucional Europeu, agora travestido de Tratado de Lisboa, passa para a Comissão Europeia, quando a preocupação da vigilância das Fronteiras Marítimas da mesma União Europeia assume primordial relevância, se não manifestarmos efectiva capacidade de defesa dos nossos interesses, do nosso mar, da nossa independência, Portugal passará rapidamente à irrelevância.

Por enquanto, com a aquisição dos novos submarinos, durante um pequeno período, Portugal terá ainda alguma vantagem comparativa em relação a Espanha, dispondo de equipamento e tecnologia que os espanhóis só terão disponível a partir de 2011, com a entrega do primeiro dos quatro submarinos de nova geração em construção em Cartagena, estando também planeada a entrega de um outro em 2012 e dos restantes dois 2014.

A manter-se a actual inconsciência geopolítica e geoestratégica de grande parte dos nossos governantes, mesmo projectos como o extraordinário projecto que representa a Extensão da Plataforma Continental, só irá beneficiar terceiros e, por maioria de razão, Portugal será lentamente reduzido a uma pura insignificância, seja em termos da União Europeia, NATO, ou seja o que for, incluindo mesmo a sempre tão nossa mas também tão longínqua que por vezes se dirá mesmo quimérica CPLP.



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domingo, 18 de outubro de 2009

Da Verdadeira Bandeira de Portugal

Joshua Benoliel, "Primeira bandeira da República, 5 de Novembro 1910"

Os recentes episódios e consequente polémica do hastear da bandeira azul e branca em lugar da actual bandeira da República Portuguesa, verde e encarnada, ou vermelha, como preferirem, na Câmara de Lisboa, Câmara do Porto e algures em Cascais, veio acima de tudo evidenciar o significativo grau de nevoeiro mental em que vivemos nos correntes dias em Portugal.

Antes de mais, a bandeira azul e branca de Portugal surgiu sempre referida nos relatos apresentados pelos meios de comunicação como a bandeira da monarquia, sem que se entenda exactamente porquê.

De facto, como qualquer pessoa medianamente culta sabe, a bandeira de Portugal sofreu profundas modificações, alterações e mutações, ao longo dos séculos, não constituindo a bandeira azul e branca senão a bandeira usada durante o período do designado liberalismo, ou seja, desde os anos 20 do século XIX até à implantação da República em 1910, após o assassinato, importa não o esquecer, do Rei D. Carlos e do seu filho D. Luís, em acto cobarde e vil, instigado, planeado e executado pela Carbonária, em 1908.

Após a implantação da República, os revolucionários, marcando a divisão profunda que existia na nação, é que decidiram mudar radicalmente a bandeira nacional, alterando-lhe as cores e subvertendo-lhe o espírito, se assim é lícito expressarmo-nos, criando para isso uma Comissão em que o relator foi Abel Botelho e da qual fazia inclusive parte, entre outros, também um Columbano Bordalo Pinheiro.

As alterações foram tudo menos pacíficas. Alguns dos mais notáveis republicanos, figuras porém mais sábias e atentas, entre outros aspectos, ao valor simbólico das cores, opuseram-se de forma veemente, como foi o caso de Sampaio Bruno e até de um Guerra Junqueiro.

A posição de Guerra Junqueiro não deixa de ser particularmente significativa porquanto, sendo um escritor tão admirável em tão múltiplos aspectos quanto censurável em tantos outros, não deixou de ser igualmente um feroz, implacável e quase se diria mesmo mortífero inimigo de D. Carlos, não se coibindo sequer de se dirigir ao Rei nos seguintes indignos termos:

«A tirania do snr. D. Carlos procede de feras mais obesas: do porco. Sim, nós somos os escravos dum tirano de engorda e de vista baixa.


Que o porco esmague o lodo, é natural, O que é inaudito é que o ventre d’um porco esmague uma nação, e dez arrobas de cêbo, achatem quatro milhões d’almas!
Que ignominia!


Basta. Viva a república, viva Portugal!»

É certo terem-lhe custado essas palavras 50 dias de multa mais custas de processo de tribunal mas, para tanta tirania denunciada, fossem hoje as mesmas palavras dirigidas a qualquer Presidente da República em exercício de funções, e mais pesadas não deixariam com certeza de o ser, bem como outras as directas e indirectas consequências sofridas.

Fosse como fosse, não sendo a questão política quanto aqui nos importa considerar, nem o facto, segundo rezam as crónicas, de não ter deixado de se retratar no último período da sua longa vida, dos muitos e muito injustos exageros cometidos contra a figura do Rei, para além, segundo consta também, de se ter reconcialiado inclusive com a Igreja e, segundo parece, até mesmo com com a Realeza, ou, pelo menos, com a ideia da Realeza, Guerra Junqueiro não deixou de se afirmar , logo em 1910, como um dos mais estrénuos defensores da bandeira azul e branca:

«A bandeira Nacional é a identidade d’uma raça, a alma d’um povo, traduzida em cor. O branco simboliza inocência, candura unânime, pureza virgem. No azul há céu e mar, imensidade, bondade infinita, alegria simples. O fundo da alma portuguesa, visto com os olhos, é azul e branco.

D’esse fundo saudoso, de harmonia cara, de lirismo ingénuo, ressalta, estudai-o bem, o brasão magnânimo: em campo de heroísmo… vermelho ardente, sete castelos fortes inexpugnáveis, cinco quinas sagradas e religiosa, e à volta, num abraço bucólico, duas vergônteas de louro e de oliveira. É o escudo marcial e rural dum povo cristão de lavradores, que, semeando, orando e batalhando, organizou uma pátria. A coroa, que foi do escudo o fecho harmonioso, converteu-se há mais de dois séculos numa nódoa sinistra. Rajadas dáurora limparam-na ontem para sempre. O nobre estandarte não tem mancha. Glorifiquemos o escudo, coroemo-lo de novo com diadema épico d’estrelas: estrelas de sangue e estrelas d’oiro, estrelas que cantem e que alumiem. Substitua-se apenas o borrão infame por um círculo d’astros imortais.»

Alteradas as cores da bandeira, Junqueiro viria no entanto a tentar justificar tais alterações, embora, diríamos, com uma convicção algo ambígua:

«Uma pátria livre quer uma bandeira vitoriosa. Expulsa a realeza, caiu a bandeira, inerte, o diadema real. Só o diadema? E as cores? O azul e o branco não se evolaram também?

O pendão da rotunda era verde e vermelho, verde de esperança até á fé, vermelho de sangue até à morte. O verde clama esperança, a esperança jucunda na colheita, na verdura do trigo, na verdura da vinha, na verdura da árvore. A esperança protesta contra a má fortuna, contra a lesão, a doença, o aniquilamento. E a vida mais inferior é a que mais protesta, é a que mais quer viver, é a que mais se reproduz. O grão de trigo, germinando, deitou uma haste. A haste murchou, secou, mas caíram d’ela, para renascer, dúzias e dúzias de grãos de trigo. A verdura é a vitalidade e a fecundidade, a indómita e contínua criação de frutos e flores.»

Lendo as próprias palavras de Guerra Junqueiro, logo compreendemos porque as alterações da bandeira nacional, sendo um erro, não deixaram porém de ser igualmente profundamente significativas e, de certo modo, e infelizmente, até quase proféticas.

Na verdade, ao abandonarmos o azul e branco abandonámos o mar onde o céu se espelha, a inocência e a abertura ao espírito, para atendermos sobretudo à terra e ao sangue. Deixámos de olhar e perscrutar o horizonte e perseguirmos os sonhadores voos de sempre mais além para nos fixarmos na segurança da terra firme e na cumulatividade vazia do passado. Deixámos de ser uma nação eminentemente marítima para, pouco a pouco, nos transfigurarmos numa farsa de nação pseudo-continental. Abandonámos o Atlântico para nos fixarmos na Europa de onde nos chegava todos os dias, de Paris, a civilização, com o vapor, como diria o Eça, uma forma mais irónica de dizer o que Pessoa também constatou ao afirmar termos começado transfiguar-nos em franceses com o liberalismo para o devirmos completamente com a República.

É esse ainda o nosso drama de hoje, é esse o pecado original da República, o ter sido implantada contra Portugal, sem ter sido tida em consideração as mais fecundas e perenes tradições nacionais, como a história recente largamente o demonstra e prova.

Por isso se afigura legítimo advogar e propugnar pelo regresso à bandeira azul e branca de Portugal, não apenas por simples razões estéticas, o que já não seria pouco, mas, acima de tudo, simbólicas.

Bem sabemos como, advogar hoje o regresso à bandeira azul e branca de Portugal, dado o nevoeiro mental em que nos encontramos submergidos, se afigura nada menos que temerário, para não dizer mesmo completamente disparatado.

Todavia, identificando a bandeira azul e branca com a «monarquia», como vulgarmente se afirma, embora, em boa verdade, quanto se pretende afirmar é «realeza» e não «monarquia», logo se enviesa todo e qualquer possível diálogo, enviesamento esse que está longe de ser inocente.

Em boa verdade, como sabemos desde Aristóteles, existem três Regimes Políticos puros, Monarquia, Aristocracia e Democracia, e outros tantos Sistemas Económicos puros, se assim podemos dizer, Capitalismo, Socialismo e Liberalismo, podendo entre si combinar-se indiferentemente, ou seja, um qualquer Regime Político é sempre susceptível de assumir um qualquer dos três Sistemas Económicos.

Avisado, realista, tópico, não desconhecendo a situação do mundo, do movimento do mundo, do movimento de geração e corrupção a que todas as entidades do mundo se encontram sujeitas, Aristóteles bem compreendendo também como toda a Monarquia sempre tende degradar-se em Tirania, toda a Aristocracia em degradar-se em Oligarquia e a Democracia em Demagogia, preconizou o equilíbrio pela Poliarquia, ou seja, a instauração de um regime misto, composto e conjugando em simultâneo os três regimes puros, tal como tem vindo a suceder em toda a modernidade e acontece actualmente em Portugal. Ou seja, um Regime em que o elemento monárquico é dado na figura do Presidente da República, o elemento aristocrático é assumido pelo Parlamento e o elemento democrático manifestando a vontade da maioria, i.e., do povo, se encontra representado no Acto Eleitoral.

Porém, a Poliarquia, quando se ignora a si mesma, quando todos os seus elementos se ignoram a si mesmos, não pode deixar senão de igualmente se degradar, como hoje todos temos vindo a assistir, conjugando na comummente designada Partidocracia, um misto de Tirania, Oligarquia e Demagogia, tal como se verifica, revela e se sobreleva no drama da nossa actual situação política .

No nevoeiro mental em que mergulhámos, quando se refere o regresso à Monarquia mais não se está a referir que o regresso ou reinstauração da Realeza, mas, assustados todos pela incapacidade de pensar, confundindo Realeza com Monarquia e, por condicionamento psicológico, emocional e sentimental, identificando Monarquia com Tirania, não há quem, num esgar de horror, não repudie de imediato tal possibilidade como se indigna e profunfamente ultrajante, mesmo humilhante, fora sequer pensar a eventualidade de tal possibilidade ser pensada.

Não é quanto importa aqui discutir neste momento mas, incapazes de pensar o regime Político, incapazes de atendermos aos símbolos, de compreendermos o significado de uma bandeira e quanto na mesma e pela mesma se significa, em boa verdade, quanto isso nos revela é quanto estamos hoje incapazes de pensarmos Portugal, sendo este, na realidade, o fundo do nosso mais grave, terrível e funesto drama actual.


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domingo, 27 de setembro de 2009

Os Portugueses Não São Coisa Pública



Joshua Benoliel - A Nação, 21 de Outubro de 1913

O actual Presidente da República Portuguesa, como muitos dos seus predecessores, faz questão e gala de nos insultar renovadamente a todos, afirmando-se Presidente de todos os portugueses, tal como hoje, dia de eleições, uma vez mais sucedeu.


Dispondo o Presidente da República Portuguesa, de sua graça, Aníbal Cavaco Silva, de uma largo e vasto conjunto de assessores e conselheiros, talvez fosse simpático uma dessas boas almas chamá-lo à razão, explicando-lhe, pacientemente, o disparate de tal afirmação, para não designar mesmo como patética e despropositada presunção ou pretensão.

Ou seja, alguém, uma dessas boas almas poderia, ou deveria mesmo, ter a caridade de explicar ao actual Presidente da República Portuguesas que a eleição para o cargo de Presidente da República Portuguesa significa isso mesmo, ter sido eleito para presidir à República ou Res-Pública Portuguesa, i.e., à Coisa-Pública Portuguesa, sem mais.

É certo que, nestes tempos de ignorância e estatística em que tudo quanto ao ensino respeita apenas às estatísticas respeita, sem mais, talvez demasiada ingenuidade seja supor um mínimo conhecimento haver já da distinção conceptual entre Pátria, Estado, Nação e República, mas, não obstante, afigurando-se legítimo supor, senão o próprio Presidente da República, pelo menos alguns dos seus muitos assessores e conselheiros fazerem, ou deverem fazer, parte de um certo escol da nação, obrigação haverá de, entre todos, algum perfeita consciência haver dessa mesma distinção, evitando assim que o actual Presidente da república Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva de sua graça, se exponha a tão triste figura, expondo tida a sua funda ignorância dessa mesma elementar distinção conceptual entre Pátria, Estado, Nação e República.

Em sintéticos termos, quando os portugueses elegem um Presidente, elegem-no para que zele pela coisa-pública, ou seja, para que garanta a preservação do que é de todos, do que poderemos designar como património comum.

É isso que se pede e se exige a um Presidente. Nem mais nem menos, apenas isso.

Nós, portugueses, não somos coisa-pública à disposição da vontade, capricho ou seja lá o que for do Senhor Presidente.

Alguém devia ter a caridade de lhe explicar isso.




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domingo, 20 de setembro de 2009

Portugal vs Espanha

Jorge Guerra, No cais em Alcântara, Lisboa, 1967
A viabilidade da independência nacional, questão muito controversa desde início, tem-se vindo a colocar cíclica, recorrente e veementemente, sobretudo a partir da Restauração de 1640, considerando os mais derrotistas, não dispor Portugal das condições necessárias, em termos de recursos naturais, económicos e humanos, para a afirmação e manutenção dessa mesma independência.

Em 1640, afirma-se, libertámo-nos de Espanha para cairmos sob o jugo, não menos pesado, de Inglaterra, sem a ajuda da qual o acto de independência dificilmente teria podido ser plenamente consumado.

A afirmação não deixa de ter algo de verdadeiro mas, apesar de tudo, não menos verdadeiro é o facto de, apesar tudo, sempre termos sabido afirmar e termos sabido manter a nossa independência, não obstante o famigerado Tratado de Methwen e todos os muitos outros desmando britânicos.

De qualquer modo, acima de tudo, o que sempre se esquece é que, apesar do jugo e tutela de Inglaterra, não nos transformámos num outro Gibraltar de maiores dimensões, libertando-nos efectivamente de Espanha e, apesar de tudo, sempre tendo sido capazes de recuperar e afirmar um módico mínimo de uma real e efectiva independência.

Com as invasões napoleónicas, em conluio com Espanha, encontrando-se inclusive planeada a desagregação e definitivo desaparecimento de Portugal, foi de novo a ajuda de Inglaterra que nos salvou, pagando nós o alto preço, primeiro, de abrirmos os mares do Sul aos britânicos nas mesmas condições dos nacionais e, logo depois, quase obrigados sermos a conceder na questão da independência ao Brasil, indirectamente devida também aos ingleses e a Inglaterra.

A mesma Inglaterra que, mais tarde, defendendo, como sempre, sem pejo, os seus próprios interesses, não teve igualmente hesitação em proceder ao famigerado Ultimatum, terminando assim também, de uma penada só, com as nossas veleidades africanas de uma Angola de costa a costa.

Esses factos os espanhóis nunca os esquecem como tampouco muitos portugueses que, seduzidos pelo paralelismo entre a História das nações ibéricas, como temos vindo a referir, desde um Oliveira Martins a um António Sardinha, aborrecendo a persistente atitude de pragmática rapina de Inglaterra, acabam, como acabaram os citados, a preferir exaltar quanto sempre nos aproxima de Espanha, esquecendo contudo, ou não valorizando suficientemente, igualmente quanto nos separa e singulariza.

Se olharmos pelos olhos da Europa, de hoje e de ontem, ou do Mundo, os povos ibéricos formam uma unidade única e, quase se diria indissolúvel, não podendo esquecermo-nos nunca da piada de Pascal, não sem fundo de razão, da verdade de aquém e da verdade além dos Pirenéus.

De qualquer modo, sem entrarmos agora nas muito especiosas questões étnicas, o que nos importa aqui salientar é constituir-se Portugal como uma nação Atlântica ou Marítima enquanto Espanha se constutui, de facto, como uma nação Continental, espelhando-se e afirmando-se nessa exacta distinção, não apenas uma radical diferença mas também uma radical incompatibilidade.

A vocação Atlântica ou Marítima de Portugal não se deve tão só a razões de proximidade ao mar, embora tal não deixe de ser significativo, como é evidente, mas, acima de tudo, a razões de ordem Geoestratégia.

Na verdade, não fora a sua vocação Atlântica e Portugal teria sido inexoravelmente absorvido por Castela, tal como sucedeu com os restantes reinos peninsulares, mas não se entenda também essa vocação como mera fatalidade, uma vez que essa vocação foi, acima de tudo, obra de inteligência e da compreensão tida por verdadeiros portugueses do seu superior destino e dos correlatos superiores interesses permanentes da nação.

A vocação Atlântica de Portugal também nada tem de histórico no sentido usualmente atribuído a tal expressão, a não ser, evidentemente, quando se olha para o passado e aí se coloca essa mesma vocação. Mas quem se deixa prender demasiado ao «histórico», ao passado, acaba por deixar de ser capaz de pensar e, por consequência, ver, o futuro.

O que significa a distinção entre uma nação marítima e uma nação continental?

Em muito imediatos e sintéticos termos, no caso de Portugal e Espanha, significa Diogo Cão, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama de um lado e um Pizarro e um Cortez do outro.

Nunca procedemos a uma ocupação territorial como os espanhóis procederam na América do Sul, como nunca mandámos incendiar navios, ou Caravelas, para todos haverem a certeza da impossibilidade do regresso e, consequentemente, lutarem, em terra, pela vida em desespero de causa, como nunca souberam lutar, como nós, no mar.

Nem nós portugueses cometemos alguma vez as atrocidades que holandeses e ingleses viriam a cometer mais tarde quando seguiram na nossa esteira para o Índico e para a Ásia.

Mesmo na Índia, que ainda não o era então, nós combatemos essencialmente os muçulmanos e não os vários povos nativos com os quais fizemos, inclusive, grande amizade exactamente por esse facto, batendo, por exemplo, ao largo de Ormuz, sob o comando do notável Afonso de Albuquerque, uma poderosa, poderosamente equipada e moderna armada anglo-turca, embora, claro, como sempre há quem goste de fazer crer aos suficientes ingénuas que sempre para acreditarem, pouco mais termos tido em toda a notável História da Índia, pouco mais do que a oposição de pobres pescadores, pobremente armados, navegando numa espécie de pangaios pior equipados.

A essa distinção se deve também o disparate da Grande Armada de Filipe II e, não obstante alguma funestas vicissitudes circunstanciais, ao consequente desastre que marcou, em definitivo, o declínio de Espanha nos mares, não deixando, de algum modo, de nos arrastar também.

É essa distinção que marca igualmente, em múltiplos períodos da nossa História, a natural aliança luso-britância como, em múltiplas outras circunstâncias, a aliança franco-espanhola e a sua oposição, ou seja, a natural aliança de potências marítimas em oposição à natural aliança de potências continentais.

É conhecida a caracterização formulada por Jacques Pirenne das nações talassocráticas ou marítimas, e das nações epirocráticas ou continentais, tal como as designou.

As primeiras afirmam-se como nações extrovertidas, abertas, promovendo múltiplas sínteses culturais e civilizacionais de acordo com as relações estabelecidas com terceiros povos, impregnando nos seus cidadãos um acentuado individualismo e gosto pela emulação e concorrência.

Jacques Pirenne via ainda as nações talassocráticas como sociedades essencialmente comerciais, promovendo um tipo de colonialismo mais aberto e tolerante, como hoje se diz, tendendo também para sociedades mais democráticas e de maior mobilidade social.

Ainda na definição de Jacques Pirenne, as nações epirocráticas, as epirocracias, tendem a ser introvertidas, afectando fortes complexos de superioridade, recusando toda a aculturação, agindo por conquista, incorporação, e afirmando-se sempre de forma marcadamente autocrática.

Deveremos, por certo, interpretar a caracterização de Jacques Pirenne com alguma latitude, como sempre sucede neste tipo de caracterizações, bastando olhar para Inglaterra nos gloriosos tempos da Índia, onde nem sequer um escocês poderia ousar ascender aos meios do poder colonial, para perceber os seus limites.

Não obstante, reconhecendo a existência real, radical e irrevogável de distinção caracteriológica entre as nações marítimas e continentais, mais facilmente se compreenderá também a impossibilidade de qualquer efectiva aproximação política entre Portugal e Espanha, para além de um muito bem determinado limite, uma vez que, a partir desse mesmo limite, dada a impossibilidade de sã conciliação de ambas as identidades num só corpo, uma das nações teria, inevitavelmente, de ceder e, dada igualmente a desproporção de meios e força, com facilidade se deduz qual o resultado final a que, não menos inevitavelmente, se aportaria.

É este o ponto crucial.

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domingo, 6 de setembro de 2009

Aliança Peninsular


Pedro Letria - N 41º 56' 14'' O 6º 43' 28''
(Do livro Terraformada - conjunto de fotgrafias tiradas ao longo da fronteira entre Portugal e Espanha, 1996-1977)

O Iberismo, tal como referido no texto anterior, tem assumido múltiplos e diferentes modos ao longo da nossa História, indo desde o desejo de uma verdadeira União Ibérica até uma hipotética Aliança Peninsular, tal como propugnado por António Sardinha, um dos principais, senão mesmo o principal, mentor do Integralismo Lusitano.

Poucos recordarão já o discurso de António Sardinha mas, por estranho desígnio ou ironia do destino, se atendermos aos principais argumentos do seu tão sedutor quanto perigoso discurso, logo compreenderemos também a sua renovada, ou talvez tão só continuada, actualidade.

A mais constante e manifesta preocupação de António Sardinha respeita, sem surpresa, à evidência da contínua, dramática e quase se diria inexorável decadência de Portugal. Desde os idos do século XVI que assim é, sendo-o tanto no que respeita à consciência da decadência quanto à necessidade de olharmos para fora, eventualmente mesmo aqui para o lado, para Espanha, em busca de uma, senão milagrosa, pelo menos promissora, redenção.

No caso particular de António Sardinha, escrevendo no rescaldo do Ultimato Inglês de 1890, do assassinato de D. Carlos em 1908, da implantação da República em 1910, do descalabro da participação portuguesa na I Guerra Mundial, 1914-1918, e não vendo senão desmando e desnorte no Governo da República, António Sardinha chega à conclusão de não haver possibilidade de salvação senão através do estabelecimento de uma firme Aliança com Espanha, ou seja, da afirmação do que veio a designar como uma verdadeira Aliança Peninsular.

Era também preocupação primordial de António Sardinha distinguir o seu conceito de Aliança Peninsular de qualquer ideia de União ou Federação Ibérica como defendido pelo mais vulgarmente designado Iberismo, tal como proposto, muito em particular, por figuras como um Sebastião de Magalhães Lima, republicano, maçom e socialista.

A tese crucial de António Sardinha pode ser sintetizada nos seguintes termos: existindo uma Civilização Ibérica, tal como defendido igualmente por um Oliveira Martins, contraposta a uma Civilização Nórdica, é obrigação de Portugal e Espanha formarem uma verdadeira Aliança, não apenas para melhor se defenderem dos ataques dessa mesma Civilização Nórdica mas, acima de tudo, como única forma de recuperarem uma efectiva capacidade de real afirmação da superioridade da sua Civilização, da Civilização Peninsular ou Ibérica.

Em termos não menos sintéticos, situava António Sardinha a diferença entre a Civilização Nórdica e a Civilização Peninsular ou Ibérica, na distinção entre pessoa e indivíduo formulada por S. Tomás de Aquino, embora, como suspeitamos, de acordo sobretudo com a interpretação dada a tal distinção por Jacques Maritain.

António Sardinha dá como adquirida e perfeitamente estabelecida tal distinção, limitando-se apenas a referi-la, sem mais. Ora, tendo em atenção as primordiais preocupações políticas de António Sardinha, não se afigura errarmos muito se entendermos quanto ter em mente ser, antes de mais, a formulação de Jacques Maritain, contrapondo o conceito de pessoa integral ao conceito de indivíduo, ou seja, o conceito de pessoa como ser eminentemente espiritual e não apenas indivíduo, i.e., como ser tão só dotado de direitos e deveres naturais e civis.

Não podemos esquecer, neste enquadramento, também quanto detestava António Sardinha o liberalismo, tido como uma das causas do agravamento da decadência de Portugal e dos povos ibéricos. É certo, como diria Fernando Pessoa, termos começado a ficar afrancesados com a instauração do liberalismo no início da séc. XIX, para totalmente o devirmos com a implantação da república em 1910, mas, não obstante todas essas e todas as muitas outras possíveis razões políticas passíveis de serem invocadas, a reacção visceralmente anti-liberal de António Sardinha advinha, segundo cremos, acima de tudo, pela incompreensão, negação e repúdio, como sempre sucedeu, de algum modo, com os monárquicos portugueses, de qualquer conceito de liberdade passível de ser entendido e considerado como verdadeiro princípio de doutrina política.

Um ponto interessante ao qual talvez regressemos um dia. Por agora, quanto importa considerar é o facto de António Sardinha, identificando a Civilização Nórdica com o que entendia ser o erro da liberdade, com o liberalismo e, mais do que isso, uma Civilização, acima de tudo, baseada num mero utilitarismo vão e materialista, contrapor a superioridade da Civilização Ibérica como uma Civilização «moral» de «irreprimível instinto universalizador».

Em certos aspectos, poder-se-á igualmente dizer que António Sardinha antecipou, em parte, o movimento de formação de grandes blocos políticos, tal como hoje vemos acontecer, embora, noutra perspectiva, essa sempre tenha sido o movimento natural da História dos povos, movimento de geometria variável, é certo, mas mantendo sempre uma mesma tendência.

Nas suas próprias palavras: «Caminha-se, pois, para o natural agrupamento dos povos, ou raças de igual formação e directriz, _ para blocos determinados por afinidades de civilização, em que o elemento moral anteceda o elemento político, originando a aproximação e o vínculo que o consolidará. Tal o imenso, o incomensurável valor do Hispanismo»

Olhando e revendo a História das nações ibéricas, António Sardinha nota, essencialmente, o paralelismo, que existe, de facto. Todavia, afigura-se-nos também ir longe de mais quando, acentuando quanto possivelmente as une, esquece ou subvaloriza quanto as distingue.

Nessa perspectiva, António Sardinha não deixa sequer de enaltecer o reinado dos Filipes, um dos momentos mais tristes da nossa História, como um dos momentos culminantes.

Prestando homenagem, sobretudo, a Filipe II, por ter mantido a sua palavra das Cortes de Tomar, ou seja, de manter as prerrogativas de Portugal intocáveis, não lembra a contínua, perversa duplicidade de toda a sua acção política e diplomática política durante o reinado do seu sobrinho D. Sebastião, conduzindo-o, inclusive, a crer numa ajuda que nunca fez tenção de conceder, para a campanha africana que viria a resultar no desastre de Alcácer Quibir.

António Sardinha bem pode invocar Jerónimo Osório entre muitos outros notáveis da época favoráveis à legitimidade de Filipe II, mas sabe-se também como a maioria da dita nobreza portuguesa foi sendo paulatinamente comprada pelo sinistro Cristóvão de Moura a mando de Filipe e, não obstante ser dito do pobre António Prior do Crato só o não ter sido também por aumentar constantemente o seu preço, o facto é que, todo o seu subsequente comportamento, batendo-se corajosa mas vã e ingloriamente pela independência nacional, de algum modo o redimem.

Para António Sardinha nada disso conta, como, por estranho que se afigure, não conta também o propósito do Conde Duque de Olivares de transformar Portugal numa província, como se tal acto ou tentativa não fosse a tendência e o desfecho lógico da união das coroas de Portugal e Espanha mas apenas um incidente episódico e sem importância.

Mais estranho ainda, e algo ingénuo, é o argumento de António Sardinha segundo o qual, fazendo Portugal parte de Espanha (Hispânia), entendido no sentido geográfico, não poderá deixar de fazer parte de Espanha, como conceito político, esquecendo, uma vez mais, as insidiosas e perversas razões subjacentes à escolha de tal designação pelos Reis Católicos após a reunião das coroas de Castela e Aragão.

Para António Sardinha, como para todos os Iberistas, sejam quais forem, advoguem o que advogarem, União, Federação, Aliança ou seja lá o que for, o receio, legítimo, de sermos reduzidos a uma província espanhola, não passa de uma tara.

Bem pode António Sardinha proclamar constituir-se o problema do «hispanismo» como um problema de cultura, argumentando que «se a pátria nos aparecesse, como realmente é, como uma alma, como um génio, não nos temeríamos decerto de insensatas e impraticáveis absorções».

O mesmo argumento é reversível, i.e., por a Pátria nos aparecer como realmente é, segundo as palavras de António Sardinha, «como uma alma, como um génio», é que toda União, Federação ou simples Aliança, se afigura perigosa. Mas é necessário perceber exactamente o que o conceito de Pátria significa, o que, para António Sardinha, nunca surge inequivocamente afirmado porquanto tanto é «uma alma, um génio» como não deixa também de escrever: «uma pátria, uma nacionalidade, é sobretudo uma massa humana, dotada de continuidade e permanência» …

Podemos compreender que António Sardinha deteste os ingleses, tanto quanto se sabe como, ao longo da História, a sua ajuda nunca foi altruísta mas sempre pautada pela defesa, acrescento e engrandecimento dos seus próprios interesses. Bem se sabe tudo isso, como bem se sabe sempre ir a tese dos espanhóis no mesmo sentido, ou seja, sempre gostarem de afirmar e nunca deixarem de acentuar quanto Portugal perdeu com a Aliança Inglesa, vendo-se, não poucas vezes, mesmo na contingência de condescender além de todos os limites, chegando a pontos extremos quase mera subserviência política. E tudo isso em nome de quê? Em nome de uma independência que os espanhóis não compreendem, não aceitam, e, infelizmente, António Sardinha também parece não valorizar.

Tudo quanto se diga do deplorável comportamento dos ingleses em relação a Portugal em tantas e tão distintas situações, talvez não seja nunca demais e até mesmo justo seja, mas, não obstante, atendendo mesmo a tudo quanto nos vimos obrigados a ceder, atendendo mesmo a tudo quanto a essa Aliança, a mais velha da Europa, nos vimos obrigados a ceder, insofismável é a o facto de lhe devemos a nossa independência. Independência paga com língua de palmo? Sem dúvida, mas independência, ainda assim.

É sedutor rever o paralelismo da História de Portugal e Espanha e concluir por uma nunca provada vantagem competitiva de uma possível Aliança Peninsular para defesa de interesses comuns. A História não permite tal dedução nem os tempos recentes indicam que tal alguma vez seja possível. Na realidade, se fosse esse o caminho natural, tal não teria deixado de se manifestar desde a entrada de ambas as nações ibéricas na Comunidade Europeia, hoje União Europeia.

Poderia ser diferente? Em abstracto, poder-se-ia responder afirmativamente mas o facto é que, pela desproporção de meios, tanto em relação aos interesses convergentes como quanto aos interesses divergentes, como por uma bem vincada atitude histórica, na realidade, tal não é possível. E não é possível, desde logo, porque Espanha não olha para Portugal em situação inter-pares mas como uma área de interesse próprio que lhe está subtraída apenas por mero acidente histórico.

Será atavismo ou tara do patriotismo português o receio de sermos reduzidos a uma província espanhola, como escreve António Sardinha? Sê-lo-á mas, vislumbrando-se esse perigo, mesmo que apenas vislumbrado seja, a primeira obrigação de portugueses é do mesmo nos defendermos estrenuamente, sem hesitação nem desfalecimento.

Razões e argumentos de acréscimo de poder, seja económico, seja político, sempre estiveram na base de legitimação de todas as diferentes formas de Iberismo, assumam as figuras jurídicas que assumirem, União, Federação, Aliança Peninsular ou seja lá o que for. Porém, tais razões e argumentos só se justificariam se a independência de Portugal, desde início, respeitasse ou visasse, de algum modo, essa mesma forma de poder, fosse económico ou político, no sentido mais imediato e comum. Porém, não é nem foi assim. As razões de independência de Portugal são mais elevadas, diríamos mesmo, de ordem transcendente, e por isso mesmo, irredutíveis.

Não significa isto que não possamos olhar ou aproximarmo-nos de Espanha numa perspectiva estratégica. Significa apenas que não devemos nem podemos iludirmo-nos e que, para além de todos os interesses que nos unem, devemos atender, compreender e ter ser sempre presente, para além de tudo quanto nos une, tudo quanto irremissivelmente nos distingue, como seja, por exemplo, o facto de Espanha ser eminentemente uma Nação Continental e Portugal uma Nação Marítima ou Atlântica.


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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Dos Cíclicos Achaques de Iberismo

Valter Vinagre, Tarbes, 1993

O dito Iberismo é uma das mais antigas e persistentes doenças nacionais. Doença congénita, presente desde a mais recuada e primeva génese de Portugal, tem sido uma constante dramática ao longo de toda a sua História, manifestando-se ora em forma de ilusória exaltação pátria, ora em forma de depressiva desilusão, conduzindo mesmo, neste último caso, até momentos de muito baixa e rasteira traição nacional.


Momento crucial de determinação do moderno conceito de Iberismo, se assim podemos dizer, é, naturalmente, a data de 1580, ou seja, o momento em que se dá a reunião da Coroa Portuguesa e Coroa Espanhola sob a uma mesma cabeça, a de Felipe II de Espanha, dito igualmente I de Portugal, momento a partir do qual o Iberismo passou também a não poder deixar de ser entendido senão numa exclusiva acepção negativa uma vez tornar-se concomitantemente impossível não significar a inexorável submissão dos interesses de Portugal ao Império de Castela, modernamente designado, tão pomposa quanto abusivamente, Espanha.

Como todos temos obrigação de saber mas por vezes tendemos a esquecer, até ao casamento de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os futuros Reis Católicos, em 1469, a Hispânia era composta por vários Reinos, entre os quais se contava, como é óbvio, também Portugal.

Ora, no xadrez político da época, ou melhor dito, desde a inicial declaração de independência até 1580, Portugal não deixou de acalentar também o desejo e a ilusão de domínio de toda a Ibéria, começando, naturalmente, pelo domínio de Castela, não deixando também de agir consequentemente, fosse, por vezes, através das armas, fosse, sobretudo, através do estabelecimento de alianças baseadas nos tradicionais casamentos políticos cruzados.

Em simultâneo, porém, desde início, muitos fidalgos tidos já como portugueses, se manifestaram partidários de Leão e Castela, pugnando tenaz e persistentemente por uma integração, ou reintegração, de Portugal num todo que não admitiam separado, fosse por interesse pessoal, político ou fosse qual fosse.

A sucessão de situações dramáticas senão mesmo trágicas a que conduziu tal divisão entre portugueses, são bem conhecidas. O episódio do assassinato de Inês de Castro por exclusivas razões políticas, é bem conhecido, como não menos conhecida é a designada crise de 1383-1385 que levaria ao trono D. João I, agora rememorada pela justa canonização de Nuno Álvares Pereira _ na verdade, um dos mais notáveis e admiráveis portugueses de sempre, o nosso Santo Condestável, vivendo, como se sabe, num período particularmente difícil também pela divisão que, uma vez mais, se instalou nas hostes nacionais e que levou Fernão Lopes a dizer que «entre portugueses, traidores algumas vezes houve».

Longe de se pretender qualquer enumeração mais ou menos exaustiva das sucessivas situações ou episódios, alguns momentos importa não deixar de ter permanentemente em mente, como sejam as ilusões de um Afonso V, ingloriamente terminadas em Toro, as veleidades de um D. Manuel I, bem como a eventual ilusão de D. João II ao casar o seu filho Afonso de Portugal com Isabel, filha dos Reis Católicos. Sonho ou ilusão logo desfeita com a prematura morte do mesmo D. Afonso, futuro herdeiro dos Reinos de Portugal, Castela e Aragão, numa misteriosa queda de cavalo em que, para sempre, restou a suspeita de se esconder sob essa mesma capa de mistério a mão longa dos interesses dos mesmos Reis Católicos. Nada ficou alguma vez provado, é certo, mas, amargurado, incapaz de legitimar o seu filho D. Jorge, D. João II, como se sabe, acabou por morrer poucos anos depois, também sob suspeita de envenenamento por parte daquela fidalguia dita portuguesa que sempre o odiou, recaindo o trono sobre D. Manuel, o Venturoso, que veio a casar não apenas com uma mas com três princesas espanholas, enchendo e abrindo, por consequência, a nossa Corte a «nuestros hermanos» e respectivos interesses.

Fosse como fosse, o ponto a que se chegou nas vésperas de 1580 foi, sem dúvida alguma, um dos mais baixos de toda a nossa História, só comparável, em parte, ao que hoje, de algum modo, voltamos, não sem esperada tristeza, a assistir.

A frase atribuída a Filipe II, segundo a qual, no que respeita ao Reino de Portugal, o herdara, o comprara e, se dúvidas houvera, o conquistara, retrata fielmente quanto se passou.

Na verdade, filho de Carlos V e Isabel de Portugal, filha do já referido Venturoso D. Manuel, Filipe II herdou, legitimamente, o trono de Portugal. Verdade é que, sempre apoiado na determinante ajuda de um Cristóvão de Moura, havia, avisada e precavidamente, comprado já os favores da maioria da nobreza portuguesa, i.e., da que restava depois do desastre de Alcácer Quibir, incluindo, segundo se diz, num primeiro momento, o infeliz D. António Prior do Crato que, mais tarde se redimiu ou proclamar-se Rei de Portugal, que o foi por 33 dias, e impôr um simulacro de resistência às forças do Duque de Alba quando essa resistência pouco além de um simples simulacro poderia ir já.

Como se sabe, a responsabilidade de tal situação ficou dever-se também, em grande medida, ao patético Cardeal D. Henrique que, tão incapaz já de gerar filhos na idade avançada em que ia já, quanto de designar um sucessor, fosse a Duquesa de Bragança, fosse o próprio D. António do Crato, o neto de D. Manuel I que D. Henrique desprezava por ser filho de D. Luís e da Pelicana, como era conhecida a sua mãe, Violante Gomes, considerada uma das mulheres mais bonitas da sua época mas de baixa posição social e suspeita, segundo as más-línguas, de ascendência judaica, acabou por reforçar, com a sua atitude, as pretensões de Filipe II, com o infausto desenlace que todos conhecemos.

Após 1640, o Iberismo esfriou naturalmente, como seria de esperar, regressando apenas em força nos finais do séc. XIX e início do séc. XX, para não mais desaparecer por completo, tal como a todos nós é dado hoje ver e assistir.

Muito por instigação de alguns intelectuais espanhóis, alguns verdadeiramente notáveis, a ideia de um renovado Iberismo regressou em força no referido período, encontrando do lado de cá também os seus epígonos, entre os quais nunca deixarão de sobressair figuras como as de um Antero de Quental ou de um Oliveira Martins. Todavia, mais grave, muito mais grave, pelas atitudes e modo insidioso como procederam, não se pode esquecer nunca os Republicanos, com Magalhães Lima e a sua obra, «A Federação Ibérica», à cabeça, a quem a subjugação de Portugal a Espanha nada incomodava desde que removida fosse a realeza portuguesa do trono.

Como já aqui referido em distinto texto, podemos compreender porque interrogava Galdós «para que servia Portugal», ou as posições de historiadores notáveis como Salvador de Madariaga, Sáchez Albornoz, Américo de Castro, Menendez Pelayo ou mesmo de um político tido como amigo de Portugal, Manuel Fraga Iribarne, entre muitos outros, como Miguel de Unamuno que, não obstante a sua genuína admiração pela nossa Pátria e por muitos dos nossos mais eminentes escritores, como Pascoaes, quando tentava explicar a Fernando Pessoa a grande vantagem de passar a dispor de um mercado muito mais alargado para as suas obras, ouviu deste,como bom português, retorqui-lhe que, se fora isso que mais importasse, preferia então continuar a escrever em inglês, contando com um mercado ainda mais alargado.
O que entretanto não podemos compreender é a atitude de tantas figuras ditas portuguesas perante os dislates proferidos e escritos do outro lado da fronteira. E não nos referimos àquele escritor russo naturalizado espanhol e cujos livros se encontram tão mal traduzidos para português, vencedor, segundo consta, como bom escritor comunista ortodoxo, de um Prémio Nobel, que não conta. Referimo-nos a figuras como Eduardo Lourenço que, apesar de toda a incompreensão manifestada ao longo a sua vida por Portugal, já tinha idade para não embarcar em serôdios Iberismos e, acima de tudo e de todos, os nossos políticos que deveriam ter como primeira missão saberem defender-nos desses mesmo dislates.

Vem tudo isto a propósito de, uma vez mais, nos jornais de Quarta-feira passada, o Iberismo ter voltado a atacar como, todo o momento, sempre se espera que o faça.

De dois modos o fez.

Numa primeira instância, pela divulgação, aparentemente inócua, de um estudo da Universidade de Salamanca ao abrigo de um suposto Barómetro de Opinião Luso-Espanhol, ou Hispano-Luso, não chegamos a perceber bem real designação, tal como reportado nos jornais Público e Diário Económico.

Em título, surge no Diário Económico, «Metade dos portugueses rejeita uma união ibérica», tendo em subtítulo, «A hipótese de uma federação ibérica desagrada a mais de metade dos portugueses, mas 40% dos espanhóis apoiaria um governo comum».

Em título, surge no Público, «Quase 40 por cento dos portugueses a favor de uma federação ibérica de Estados», continuando, não em subtítulo mas na chamada «lead», «E um terço dos espanhóis defende o mesmo, revela o Barómetro de Opinião Hispano-Luso 2009, da Universidade de Salamanca».

O contraste do modo de apresentar a mesma notícia não deixa também de ser significativo. Natália Faria, a entusiasta jornalista do jornal Público, quanto mais lhe importa assinalar é o crescente aumento de outros portugueses igualmente entusiastas por uma putativa Federação Ibérica. «Quando Saramago apontou a inevitabilidade de uma federação ibérica entre Portugal e Espanha, meio país reagiu escandalizado. E o próprio Presidente da república, correu a classificar a ideia como «absurda». Aparentemente não o é – pelo menos para 39,9 por cento dos portugueses e para 30,3 dos espanhóis ouvidos no Barómetro de Opinião Hispano-Luso 2009».

A entusiasta jornalista do Público, para além de acentuar adiante terem sido as respostas de ambos os lados da fronteira maioritariamente favoráveis a uma União Ibérica, presta-nos um bom serviço ao ter tido a pressurosa maçada de ir entrevistar um tal Salvador Santiuste, segundo se afigura, o responsável pelo dito estudo, de modo a permitir ficarmos a saber que, «tomado o pulso à situação», «a ideia é que o barómetro possa repetir-se nos próximos anos, para permitir uma leitura da evolução da evolução das relações entre Espanha e Portugal». Percebe-se, percebe-se bem o porquê e para quê da necessidade de tal repetição e continuidade.

Catarina Duarte, a jornalista do Diário Económico, mais subtil, e talvez menos entusiasta, conduz, por sua vez, a notícia pela negativa: «A ideia de regressar ao tempo dos Filipes desagrada aos portugueses mas nem tanto aos espanhóis. Uma coisa é certa: a possibilidade de uma Federação ibérica dos dois países não é consensual nos dois lados da fronteira. Uma eventual união dos dois países deixa 30% dos espanhóis indiferentes, enquanto no nosso país as opiniões são mais dispersas: 13,3% dos portugueses mostram-se muito de acordo, 17,7% indiferentes, 34,1% discordam e 18,5% discordam por completo».

O mais do Barómetro de Opinião Luso-Espanhol, como também designado por Catarina Duarte, é irrelevante. Que pode interessar saber que percentagem de portugueses é que reconhece Zapatero como o Primeiro-Ministro de Espanha ou a percentagem de espanhóis que reconhecem José Sócrates como Primeiro-Ministro de Portugal? Ou, ainda, que importa saber que os portugueses mais conhecidos em terras de D. Juan Carlos de Borbon, sejam Luís Figo e Cristiano Ronaldo, além de um tal Saramago que surge por engano como português, sejam as figuras mais famosas do lado de lá da fronteira?

O que importa e é relevante, é o modo insidioso como, através destes barómetros, sejam Hispano-Lusos ou Luso-Espanhóis, se vai instigando a ideia de uma possível Federação Ibérica constituir-se como algo tão natural quanto perfeitamente aceite por um crescente número de portugueses tidos, ou cridos, evidentemente, como dos mais esclarecidos, arejados e cosmopolitas de todos.

Entretanto, por coincidência ou não, vá-se lá saber, em segunda instância, ambos os jornais relatam e destacam, na mesma edição, as notáveis declarações de Ricardo Salgado, Presidente do Banco Espírito Santo, em que afirma ser favorável à rápida construção do TGV como forma de «acelerar a integração ibérica».

As declarações não surpreendem muito. Por um lado, Ricardo Salgado sempre se distinguiu como financeiro, i.e., como alguém que é suposto saber fazer bem contas, não como português, i.e., como alguém que haja sabido pensar seja o que for de relevante sobre Portugal. Por outro, conhecidas e públicas são também as estreitas relações de intimidade entre a família Espírito Santo e a família Real Espanhola, desde os tempos de exílio de Afonso XIII no Estoril.

O que é relevante e se encontra subjacente nas afirmações de Ricardo Salgado, é o perigo a que sempre nos expomos quando, aos aspectos económicos, se concede primazia sobre tudo o mais.

Na verdade, uma das vantagens sempre referidas para se conceder uma primordial importância à economia sobre tudo o mais, respeita exactamente às virtudes sempre apontadas ao comércio como inegável factor de pacífica aproximação entre os povos, passível de conduzir não apenas a uma, quase se diria natural, imposição da democracia como também a uma kantiana «paz perpétua» entre as nações.

Por outras palavras, quando não se atende suficientemente e se toma como primordial a clássica afirmação de Hayek segundo a qual «onde não há liberdade económica, não pode haver liberdade individual e política», o perigo está em sermos subtilmente subjugados por um puro «liberalismo económico» que, inexoravelmente, nos haverá de conduzir a um novo internacionalismo onde as nações não deixarão apenas de fazer qualquer sentido mas serão, inclusive, sempre entendidas fautoras de dissensão e desordem a anular pelo seu consequente desaparecimento.

Quem se der ao trabalho de ler L. Von Mises, o mestre de Hayek, é isso mesmo que irá encontrar.

De um ponto de vista estritamente económico, a Federação Ibérica até poderia fazer sentido, como sempre sucedeu. A independência de Portugal não se deve, porém, a quaisquer razões de ordem económica. Pelo contrário, a independência de Portugal é tão mais surpreendente e admirável quanto, por estritas razões económicas, não só não faria qualquer sentido como sempre se constituiu como um erro ou até mesmo um disparate. Todavia, por razões de ordem mais elevada, a independência de Portugal não apenas se afirmou como se mantém, contra todas as razões económicas, não sem dificuldades e momentos particularmente difíceis, é certo, há quase nove séculos. Quando as razões económicas prevaleceram sobre as demais, o que sucedeu foi 1383-1385, foi 1580, foi a Comunidade Europeia, poderá ser uma eventual e futura Federação Ibérica que esperamos nunca ver.

Os insidiosos ataques dos Iberistas não surpreendem nem preocupam como tampouco surpreendem ou preocupam afirmações como as de um Ricardo Salgado. O que verdadeiramente surpreende e preocupa é olharmos hoje em volta e vermo-nos tão impreparados para estes renovados ataques e afirmações quando sabemos como a Universidade, funcionando tendencialmente como o mais terrível factor de desnacionalização e activo anti-patriotismo alguma vez visto na nossa História, mina por extensão todo o dito Sistema Nacional de Ensino, amputando sucessivas gerações de real capacidade de autonomia intelectual, efectivo sentido de independência e de um verdadeiro amor à transcendente liberdade. Como escrevia Álvaro Ribeiro, sem filosofia portuguesa não há, não pode haver, verdadeiro ensino nacional; sem verdadeiro ensino nacional, não há, não pode haver, verdadeira política nacional; sem verdadeira política nacional, não há, não pode haver, verdadeira independência nacional. Ou seja, a triste situação em que nos encontramos hoje, vivendo numa espécie de nação ocupada, à mercê de quase tudo e todos mas muito satisfeitinhos porque, de um ponto de vista estritamente económico, e não há muitos anos, como nos dias pós-revolucionários de 74, já tudo esteve bem pior do que está.



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domingo, 26 de julho de 2009

Da Patética e Temerosa Reverência pela Universidade ao Triste Desprezo por Portugal

Paulo Nozolino, Broken wave, Sagres 1984

Quando aqui se referiu, há uns textos atrás, de Colombo, de Mascarenhas Barreto e da hipótese de Cristóvão Colombo ser um Agente Secreto de João II, logo se alvoroçou um dos típicos e tristes anónimos do costume, deixando-nos em comentário: «Lamentavelmente, nada do que aqui se escreve sobre Colombo é verdade. O facto da contribuição portuguesa para a abertura da Europa ao Mundo ser frequentemente ignorada, minimizada ou ridicularizada pelos ignorantes noutros países em nada justifica que, pelo oposto, façamos da nossa história aquilo que ela não é. Foi contra uma e outra atitude que Vasco da Graça Moura e sobretudo Luís de Albuquerque e Pinheiro Marques se manifestaram. Há cem anos que amadores persistem neste erro, dando-lhe voltas cada vez mais mirabolantes. Com isso querem elevar a História de Portugal mas só conseguem denegrir a Historiografia Portuguesa.»

Compreende-se a preocupação de salientar as figuras de Luís de Albuquerque e Pinheiro Marques, insignes universitários, sobre Vasco Graça Moura, apenas literato e mero Comissário das Comemorações dos Descobrimentos nomeado, ou o que quer que o valha, à época da celebrada polémica.

Do já falecido Luís de Albuquerque, não esquecemos uma notícia lida, não sabemos já nem onde nem quando, onde se dava como citação sua, algo como esta pérola: a Escola de Sagres nunca existiu, e tanto mais nunca existiu quanto nunca os mínimos vestígios da sua pretérita existência encontrados foram.

Do igualmente celebrado Pinheiro Marques, recordamos um igualmente famoso debate televisivo onde, entre outros, se encontrando o próprio Mascarenhas Barreto, a determinado momento afirmou, peremptório, a falta de autoridade deste para conjecturar fosse o que fosse e menos ainda o proclamar publicamente dado nunca lhe ter sido passado o respectivo alvará e consequente licença por quem de direito para o fazer. Muito edificante, como se vê.

Mas, claro, muito se abespinha o dito Anónimo, como todos os anónimos, por se valorizar Mascarenhas Barreto e não ser dado o devido relevo e respeito aos lídimos representantes da dita Universidade Portuguesa que, denodadamente, buscam vestígios e documentos até à exaustão, não se eximindo mesmo ao risco de, perante tão extenuante tarefa, acabarem por não terem sequer tempo para parar um momento e pensarem um pouco sobre quanto buscam e as razões de quanto buscam.

Triste, muito triste, é ver os doutos universitários procederem como se não soubessem que a História não se faz apenas de documentos e vestígios ou que, não deixando os documentos e vestígios de terem a importância que têm, em muitos casos são, porém, quanto menos importância tem para uma verdadeira compreensão da mesma História. Isso, sim, é triste, muito triste, o mais triste.

Quanto ao dito «caso Cristóvão» Colombo já tanto se escreveu que chega a cansar um pouco retomar o assunto, sobretudo quando tudo reverte ao que menos importa, ou seja, à questão da sua nacionalidade. Há gostos para tudo, desde a mais famosa tese da sua filiação genovesa até, como não poderia deixar de ser, à sua mais arrevesada filiação cripto-judaica catalã. Pouco importa. Como todos sabemos, não é isso o mais relevante. O mais relevante, de facto, é a tese de Colombo não ter sido senão um agente secreto de D. João II, «o homem», como o cognominava Isabel de Aragão, com a admiração absoluta de quem o conhecia desde a mais tenra idade.

A tese de Colombo não ter sido senão um agente secreto de D. João II, não é apenas verosímil como a única que explica tanto o seu incompreensível comportamento em tantos e tantos episódios absolutamente extraordinários para a época como também a única que faz luz sobre muitos dos mais estranhos movimentos diplomáticos, geopolíticos e geoestratégicos em igual período.

Para avivar a memória aos mais distraídos talvez se justifique relembrar dois ou três episódios dos mais significativos.

Em primeiro lugar e antes de mais, não soa estranha a obsessão de Colombo em convencer os Reis Católicos, e só os Reis Católicos, a financiar a sua viagem de descoberta do Caminho Marítimo para a Índia por Ocidente? Porque, apesar de saber perfeitamente nunca ter alcançado a Índia persistiu na abstrusa tese de lá ter chegado e não a qualquer outra parte do que se veio a designar como Novo Mundo? Porque obrigou Colombo aos seus pilotos e marinheiros a um juramento sob de morte a não revelarem senão que, efectivamente, haviam aportado à Índia, a chamar aos indígenas do novo mundo, índios, quando, manifestamente, índia alguma sabia haverem alcançado? Ora, não é esta obsessão com os Reis Católicos e com a Índia altamente significativa?

Como explicar também, por exemplo, o facto de Colombo, no regresso da sua primeira viagem às Antilhas, sob pretexto de frota ter apanhado uma forte tempestade ao largo dos Açores, ter vindo a desembarcar a Lisboa enquanto o segundo navio ter ido avisadamente apor à Galiza? Não teve o exímio Colombo, como é descrito, capacidade suficiente para dirigir o seu navio ao destino pretendido, tendo chegado a Lisboa tão só por mera obra do acaso? E mais estranho ainda não é facto de facto de, tendo desembarcado em Lisboa, por acaso ou não, ter decidido regressar a Espanha por via terrestre, não sem antes parar em Santarém para ser recebido por D. João II? Quando sabemos as estritas regras de sigilo impostas por D. João II, não seria destemor em demasia, mesmo provocação, ir visitar o monarca português para, num tom que não poderia deixar de ser de desafio, lhe dar conta dos seus feitos, ele, como segundo dizem, que não passava de pobre filho de um pobre cardador de peixes genovês? Não seria mais avisado, correcto e esperado que os primeiros monarcas a serem informados pormenorizadamente do feito da chegada à suposta Índia por Ocidente, fossem os Reis Católicos, os mesmos que, haviam afinal pago e financiado tal viagem?

Na época não estavam os portugueses cansados de verem os espanhóis na águas que entendiam ser suas, atacando, por vezes saqueando e sempre importunando as viagens de exploração da costa africana e dos regimes de ventos do Atlântico Sul? Não poderia tal situação vir a colocar importunar e colocar em perigo o supremo objectivo das Descobertas da Coroa Portuguesa, como era o da chegada à Índia por via marítima, contornando o Continente Africano?

Porque alteraram os portugueses, com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, para 370 léguas marítimas para ocidente de Cabo Verde o meridiano que deveria ficar a delimitar os hemisférios do mundo pertencentes às coroas de Portugal e de Espanha? Não assegurava Portugal com tal alteração não apenas o futuro Brasil mas também as terras e áreas do Atlântico Norte, como a península do Lavrador e as zonas de pesca, por exemplo ou acima de tudo, do bacalhau? E não ocorreu tudo isto depois da segunda viagem de Colombo pela sua dita Índia?

Se Colombo era, como é dito, e provavelmente o era mesmo, um exímio piloto, porque não condizem as informações dos seus supostos roteiros de viagem com as rotas efectivamente seguidas, tal como terão sido apresentados aos Reis Católicos e cujas incongruências expostas luminosamente foram pelo Almirante Gago Coutinho?

Esta breve súmula de exemplos, cremos, é já de si suficientemente elucidativa para, senão provar, pelo menos colocar sob suspeita, findada suspeita, as verdadeiras intenções de Colombo ao apresentar-se e apresentar aos Reis Católicos o seu plano de chegar à Índia pelo Ocidente e mais suspeito ainda pelo seu comportamento ao longo do tempo, sobretudo após a primeira viagem.

Para o dito Anónimo, como para todos os anónimos deste mundo, nada disto importa mas tão só o atávico receio de quanto os inteligentes estrangeiros detractores da História de Portugal, e de Portugal mesmo, possam ou não pensar sobre a Historiografia Portuguesa. Mesmo coisa que só a anónima gente poderia alguma vez lembrar, sem dúvida.

De qualquer modo, o ponto fulcral era, como não poderia deixar de ser, no anterior texto, chamar a atenção para um tempo em que Portugal soube ser acima das suas factuais possibilidades porque soube ter e congregar uma providencial inteligência política muito acima dessas mesmas pretensas possibilidades factuais, antecipando e criando um dos mais extraordinários Sistemas de Informações e de Contra-Informações que a História já conheceu.

Exactamente quanto não escapou, como não podia escapar, ao General Pedro Cardoso, a quem se deve a verdadeira reestruturação dos Serviços de Informações após 1974, como bem explicitado na sua obra, «As Informações em Portugal».

Esse é o ponto crucial e quem vai estando atento ao que acontece no mundo e em Portugal não poderá deixar de ficar perplexo exactamente pelo estranho modo como, ainda hoje, as questões relacionadas com os Sistemas de Informações vêm sendo entendidas ou destendidas na nossa actual República.

Na verdade, quando, ainda hoje, nos referimos a Sistemas ou Serviços de Informações em Portugal, a atávica reacção é logo imaginar uma nova PIDE, como se houvesse por aí um grupo de pessoas que não tivesse mais do que fazer e qualquer outro objectivo senão propor-se escutar e escrutinar, minuto a minuto, a vida de onze milhões de portugueses.

Como se sabe, nenhum Estado digno desse nome vive ou sobrevive sem verdadeiros Sistemas ou Serviços de Informações Internos e Externos, embora essa distinção vá, hoje, esbatendo-se um pouco também.

Como temos repetidamente dito e não nos cansaremos de chamar a atenção, Portugal, pela sua posição geográfica de entrada na Europa e ponto de interligação entre continentes, assume ou encontra-se numa posição de primacial importância geoestratégica

Mais do que talvez muitas outras nações no mundo, Portugal não pode deixar de se considerar como potencialmente ameaçado por actos passíveis de serem perpetrados no espaço do seu território terrestre e marítimo, de autoria dos mais variados Grupos de Crime Organizado, sejam Grupos Terroristas, Grupos de Narcotráfico, Grupos de Tráfico de Seres Humanos, Grupos de Tráfico de Armas ou de Falsificação de Moeda, para nomear apenas alguns dos casos mais graves e evidentes, sem mais longe ir.

Neste momento, como é natural, as atenções tendem a concentrar-se sobretudo nas ameaças terroristas e a reacção imediata é julgar não constituir Portugal, seja para que grupo terrorista for, um alvo principal. Afinal, não se encontrando em Portugal nenhumas das tensões que, usualmente, são dadas como causa desses mesmos actos, uma vez termos uma Comunidade Muçulmana perfeitamente integrada, não sofrermos de quaisquer problemas de reivindicações separatistas regionais e possuírem até as comunidades de novos imigrantes um fundo cultural semelhante ou, pelo menos, uma mesma raiz de matriz cristã, tampouco oferecerem,por consequência, uma particular preocupação, logo se conclui apressadamente não se vislumbrar razões para que tal eventual ameaça alguma vez se concretize ou venha a concretizar-se.

Para além disso, dada, uma vez mais, a posição geográfico-estratégica de Portugal e a sua atitude, em geral, mais aberta, reconhecendo-se mesmo o seu ptencial valor como eventual base de recuo, mais razões se encontram ainda de defesa da tese da improbabilidade de qualquer ameaça vir a concretizar-se.

Contudo, não sendo possível deixar de se conhecer e reconhecer as crescentes dificuldades de operação encontradas em outras paragens, não menos defensável será igualmente a tese segundo a qual, exactamente por isso, à medida que o tempo passa, mais e mais aumentam as probabilidades de algo poder vir a suceder, exactamente por facilidade de operação, no território nacional.

Podendo estarmos pessoalmente mais de acordo com uma ou outra das teses, em termos institucionais, i.e., do ponto de vista do Estado, constituindo uma das suas primeiras e mais importantes obrigações a defesa dos cidadãos, não se afigura aceitável que, por ingenuidade, incúria ou seja o que for, descurada seja qualquer possibilidade, por mais remota ou mínima que seja e, não menos consequentente, obrigatória e imperiosa não seja a constituição dos melhores e mais avançados Sistemas ou Serviços de Informações que possível seja constituir.

Todavia, para além dessas ameaças mais evidentes, como aqui, no Albergue Português, já se chamou explicitamente à atenção, hoje, outras ameaças bem mais subtis se começam a afirmar e a manifestar para quem souber ver com olhos de ver quanto se passa no mundo. De facto, não podemos esquecer que as guerras do presente e do futuro, sobretudo no mundo civilizado, são e serão predominante de carácter económico, onde se podem incluir desde as guerras ou a competição pelas matérias-primas como pela energia, água ou não menos grave e dramaticamente, no futuropróximo, pelos alimentos.

Nesse âmbito, como é evidente, a importância de eficazes e eficientes Sistemas ou Serviços de Informações altamente avançados e eximiamente organizados, continuará a ser sempre e cada vez mais, um dos imperativos primordiais de um Estado digno desse nome.

Não por acaso, os franceses criaram já a função de um Alto Representante para as Informações Económicas a funcionar directamente ligado ao Gabinete do Primiero-Ministro, estendendo o conceito ou área de acção a toda a área francófona com o objectivo de defender e reforçar a competitividade das suas empresas em relação ao que temem e designam como ameaça económica anglo-americana dominante na actualidade, independentemente das outras economias emergentes.

Entretanto, que fazemos nós? Ficamos parados por falsos e atávicos preconceitos político-emocionais ou avançamos decisivamente para o futuro, criando, inclusive, um Sistema ou Serviço de Informações Estratégicas Marítimas para defesa da nossa posição geoestratégica e reforço e afirmação da Comunidade de Língua Portuguesa na Atlântico?

Claro, para os anónimos deste mundo, nada disto conta ou importa. E muitos desses anónimos, muitos há que se afirmam, infelizmente, também portugueses. Não sabemos é se por lapso ou premeditada intenção, como seja a de fazer de todos nós parvos.

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domingo, 12 de julho de 2009

Ainda do Liberalismo Enquanto Doutrina do Espírito

Chema Madoz


Miguel Bruno Duarte, ao surpreender-se na Leonardo por eu me ter surpreendido com o seu comentário a um anterior texto, «Ainda da Filosofia Portuguesa e Árabe», publicado há semanas, surpreendeu-me de novo, fazendo-me sorrir.

O «esclarecimento» de Miguel Bruno Duarte, é, como seria de esperar, um excelente texto de síntese, glosando algumas das principais teses de F. Hayek e, sobretudo, de Orlando Vitorino no que ao liberalismo económico respeita. Todavia, para não perdermos o fio ao diálogo, importa, antes de mais, entendermos devidamente o enquadramento em que este mesmo diálogo surgiu.

No referido texto, talvez insuficientemente exposto, admite-se, quanto se procurava era exactamente dar nota de não poder confinar-se o liberalismo, entendido como doutrina do Espírito, ao liberalismo económico, sob pena de se subsumir na ordem prática quanto pertence a uma ordem superior da realidade, afirmando-se ipsis verbis: «Assim se compreenderá também, cremos, mais facilmente a importância que atribuímos ao Liberalismo, mais do que doutrina económica, mais do que doutrina política, como verdadeira doutrina do Espírito».

Foi num pertinente comentário a esse texto que Miguel Bruno Duarte deixou escrito, « … aqui fica, para irmos pensando, o desafio decorrente da primeira tese filosófica do liberalismo, a saber: onde não há liberdade económica, não pode haver liberdade individual e política», exacta origem da primeira surpresa porquanto não se afigura como possa ser tida a tese, «onde não há liberdade económica, não pode haver liberdade individual e política», a «primeira tese filosófica do liberalismo».

Haverá outra possível interpretação para a citada frase de Miguel Duarte Bruno? Haverá. Poderemos, em boa verdade, entender a frase como querendo significar constituir-se a afirmação, «onde não há liberdade económica, não pode haver liberdade individual e política», não «a primeira tese filosófica do liberalismo», mas tão só o desafio, que importa pensar, decorrente «da primeira tese filosófica do liberalismo».

Sendo esta segunda interpretação a exacta, não se diz, porém, qual essa «primeira tese filosófica» da qual decorre o «desafio» que importa pensar, ou seja, o de «onde não houver liberdade económica não poder haver liberdade individual e política», nem, no «esclarecimento» que Miguel Bruno Duarte entendeu dever prestar, entendeu dever esclarecer.

Todavia, mesmo sendo esta segunda interpretação, a interpretação correcta, ainda assim, embora talvez por desconhecimento do que entende Miguel Bruno Duarte como «primeira tese filosófica do liberalismo», mas também independentemente disso, não vislumbramos, seja ela qual for, razão necessária para se deduzir como primordial desafio a ser pensado, hoje, a citada tese de Hayek. Exactamente quanto, sem demasiada pretensão, julgamos ter ficado também devidamente exposto no nosso anterior texto, «Liberdade».

Miguel Bruno Duarte inicia o seu «esclarecimento» relembrando a natural distinção anglo-saxónica entre «liberty» e «freedom», bem como a «tradução orlandina de Ivone de Moura», como «liberdade principial» e «liberdade individual».

Não obstante o rigor filosófico da tradução, pelas razões a seguir expostas, julgamos talvez preferível traduzir mais sinteticamente, apenas por «liberdade» e «liberdade política».

Entendendo a liberdade como princípio, não podemos senão entender a mesma liberdade sempre como liberdade principal e, consequentemente, referir a mesma liberdade apenas como liberdade ou liberdade principial, é sempre um e o mesmo quanto se significa, não se justificando o uso da segunda expressão senão em casos particulares de necessidade de esclarecimento de conceitos.

No que respeita à «liberdade individual», a situação é distinta.

Sendo a todos dada a liberdade, este surge ao homem como um processo de gradual iniciação na mesma liberdade, pelo pensamento, o que poderá ser dito também como um processo de gradual libertação.

Como também relembrámos, afirmando Leonardo Coimbra ser o homem livre por interpor, entre a sensação e a acção, o pensamento, dava também como responsabilidade da educação, formar para a liberdade, o que, de diferente modo, podemos considerar igualmente como significando educar para a individualidade ou entender o processo de educação sempre como um processo de crescente individuação.

Ora, entendendo a «liberdade individual» primordialmente como significando, de outro modo, o processo de individuação, pelo pensamento, afigura-se-nos poder ser perigoso, por equívoco, designar por «liberdade individual» quanto designamos, ou entendemos dever ser apenas designado, como «liberdade política», i.e., a autonomia concedida ao homem para a afirmação da sua individualidade na existência. Ou, por outras palavras, sempre quando e enquanto ao homem for dado pensar, a «liberdade individual» não lhe pode ser negada, dispondo ou não dispondo, sendo-lhe concedida ou não, a designada «liberdade política».

Acusar-nos-á Miguel Bruno Duarte de precipitarmos o juízo quando, firmado na esfera da liberdade principial, pecaremos por não realizarmos, «ao modo orlandino, a relação que se situa entre o homem e a transcendência, ou entre o mundo real das relações vividas e a teoria pura do espírito».

Procurando demonstrar, por um lado, a nossa precipitação e, por outro, a razão de dar como primordial a supracitada tese de Hayek, adianta ainda Miguel Duarte Bruno: «uma coisa é certa, como já, íntima e pessoalmente, o reconhecera Orlando Vitorino: o de que sem pensamento não há mediação conceitual entre a propriedade do corpo do homem, ele próprio ideia ou arquétipo de todas as outras espécies de propriedade, e o puro domínio da liberdade. Ou melhor: a propriedade identifica-se com a liberdade, justamente porque se «a propriedade do corpo é a imagem perfeita do conceito e se o conceito, por pertencer ao domínio do pensamento, pertence ao puro domínio da liberdade, uma vez que só o pensamento é livre, nela reside a realização natural e espontânea da liberdade no mundo».

Recorrendo a Orlando Vitorino, coloca-nos Miguel Bruno Duarte numa situação difícil, quase de imediata inferioridade, quer por ter sido Orlando Vitorino o mais singular dos discípulos de Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro e José Marinho, como talvez o mais notável dos filósofos da sua geração, maior entre os maiores, quer por não ser fácil sintetizarmos tão alto pensamento sem, de um modo ou outro, corrermos o risco de uma extrema e desadequada simplificação.

Todavia, partindo da sua admirável obra, «Exaltação da Filosofia Derrotada», obra nem sempre devidamente atendida, mesmo dentro do círculo dos mais próximos, como, surpreendentemente se comprova na derradeira obra, «Do Amor e da Morte», de outra figura notável como foi Afonso Botelho, de onde Miguel Bruno extrai a precedente citação, logo compreendemos como, para Orlando Vitorino há três espécies de propriedade: a propriedade absoluta, a do corpo do homem, arquétipo ou ideia das outras espécies de propriedade, inalienável, indivisível e perpétua; a propriedade perfeita, a das coisas naturais, alienável, mas não como os produtos naturais, divisível no limite da divisibilidade permitir a reconstituição de uma nova unidade e, não sendo perpétua, sempre se renova e sempre suporta as perturbações que o homem decidir sujeitá-la; propriedade imperfeita, a dos produtos industriais, também dos produtos da terra, divisível, alienável, destinando-se mesmo a sê-lo, de duração fugaz, existindo para não existir, para se gastar, corromper e consumir.

Como Orlando Vitorino viu, também, como nos expõe, uma das fraquezas do pensamento do «liberalismo económico» ao longo do tempo, reside exactamente na circunstância de nunca se ter atendido devidamente à «categoria económica» da propriedade, modalidade da categoria aristotélica de substância, não se firmando assim num todo uno e coerente.

Para além disso, a analogia estabelecida entre o corpo humano como o arquétipo ou ideia de toda a propriedade, é iluminante, não apenas para a melhor compreensão do pensamento inerente ao liberalismo económico mas para todo pensamento ou conhecimento da realidade.

Porém, o mais notável, o ponto crucial, afigura-se-nos ser a determinação da propriedade, estabelecendo uma relação entre o homem e as coisas, residir não nas coisas mas nas próprias coisas. Por outras palavras, toda a propriedade exige um proprietário.

Porque toda a propriedade exige um proprietário? Porque é o homem que, pelo pensamento, dá existência ao mundo, porque o homem dá, às mesmas coisas, pelo pensamento, o conhecimento de si, tornando manifesto e real quanto lhes é próprio.

Se atendermos a quanto acaba de ficar exposto, com facilidade poderá haver renovada compreensão das palavras de Sampaio Bruno, tido por Álvaro Ribeiro como o fundador da Filosofia portuguesa, quando, na esteira de Novalis, afirma ser finalidade do homem libertar-se, libertando consigo todos os seres e o próprio mundo, o que entendemos poder significar também dar plena realidade a toda a criação, a cada ser da criação, individualmente considerado.

Nunca esteve em causa, como não está, a importância do liberalismo económico, sobretudo na formulação que lhe foi dada por Orlando Vitorino. O que sempre esteve e está em causa é saber se é adequado dar como primacial o liberalismo económico como expressão máxima, perfeita, quase se diria absoluta, do mesmo liberalismo como doutrina da liberdade.

Na nossa interpretação, além do liberalismo económico há igualmente um liberalismo jurídico, um liberalismo político, um liberalismo religioso, um liberalismo cultural, sendo o liberalismo económico apenas uma expressão, nem talvez a mais significativa, do mesmo liberalismo enquanto doutrina da liberdade.

Assumiu o liberalismo um predomínio histórico que ainda hoje se verifica? Sem dúvida, tanto mais quanto é na existência social, se assim nos podemos expressar, que os homens vivem as formas mais imediatas da liberdade, mas é exactamente esse predomínio que, hoje, se nos afigura perigoso, reduzindo toda a doutrina liberal exclusivamente ao liberalismo económico.

A importância da defesa da liberdade económica não se nos afigura assumir hoje a imediata veemência de há trinta ou quarenta anos. Hoje, afigura-se-nos, a gravidade da situação é distinta, consistindo essencialmente na redução da política aos aspectos da administração económica, reduzindo-se mesmo toda a realidade as aspectos económicos da mesma.

Ora, não se nos afigura também ser pela liberdade económica que se ascenda à liberdade substancial, não obstante, como doutrina deduzida da primordial doutrina da liberdade, se possa afirmar conter em si uma equipotente virtualidade.

Ora, se atendermos a quanto se passa hoje à nossa volta, fácil é constatar como essa mesma redução política à economia, sem atenção a nada mais, está a corroer tudo, conduzindo inclusive ao esvaimento de Portugal.

Ora, se soubermos atender à doutrina da liberdade como doutrina do espírito, se não soubermos atender à circunstância de só pelo pensamento do homem o mundo se tornar real, se negarmos a transcendência e não soubermos reconhecer já, por conseguinte, o significado de Pátria como entidade espiritual, compreendendo como só pelo pensamento que da mesma tivermos, a mesma passível é de se tornar real, se compreendermos como só será possível tudo isto ultrapassar se formarmos os homens para a liberdade e a individualidade, de acordo com a melhor tradição da Filosofia Portuguesa, só então possível será vislumbrar salvação para esta aparentemente inexorável decadência em que nos encontramos.

É essa a minha preocupação que nenhum «liberalismo económico», de per si, e somente de per si, resolve.

Todavia, se, como afirmava José Marinho, bastando haver 500 portugueses para Portugal subsistir, acreditando nós na existência actual desses mesmos 500 portugueses, 500 portugueses que sabem ainda pensar a Pátria portuguesa, acreditamos nem tudo estar ainda perdido.

Post Scriptum: Porque afirmámos termos sorrido à leitura do texto de Miguel Bruno Duarte? Porque, inesperadamente, Miguel Bruno Duarte, a determinado momento, pareceu assumir quanto se havia escrito no texto anterior, como uma crítica pessoal, reagindo, assim, em consequência, ou seja, demasiado pessoalmente e, por momentos, vislumbrei poder este diálogo, em que dificilmente poderemos discordar no que é essencial, transformar-se numa espécie de quezília universitária de susceptibilidades feridas, sobrelevando as questões pessoais, de status e reconhecimento de autoridade, tudo o mais, incluindo a substância do próprio diálogo. Tal imagem, embora fugaz, não pôde, no entanto, deixar de me fazer sorrir.


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domingo, 5 de julho de 2009

Subtilezas

Fernando Lemos, Intimidades do Chiado, 1949


«Convém que a todas as gerações seja apresentado de novo o problema de saber se existem, ou não, alguns povos interessados no desaparecimento da nação portuguesa», deixou Álvaro Ribeiro escrito no seu livro, Escola Formal, este aviso que, hoje, passados cerca de cinquenta anos, não deixando de manter o seu valor de sempre, continua tão pouco atendido como então, ou pior ainda, não suscitando senão também o mesmo típico sorriso sobranceiro de sempre dos néscios de espírito.


Recentemente, a imprensa dava a notícia da Cidade Velha de Cabo Verde passar a integrar a lista do Património da Humanidade, surgindo redigida do seguinte e aparentemente inócuo e factual modo, como sucedeu no jornal Público: «A elevação da Cidade Velha de Cabo Verde a Património Mundial da Humanidade, ontem decidia pela UNESCO, é o culminar de um projecto iniciado há uma década e distingue o primeiro núcleo populacional na ilha de Santiago. Também conhecida por Ribeira Grande de Santiago, é a primeira cidade construída por europeus nos trópicos, no século X. Erigida para servir de ponto de abastecimento para o comércio de escravos entre África e a América, foi a primeira capital do arquipélago, título que ostentou até 1770».

E depois, citando a justificação da organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, refere-nos ainda a notícia: «É um testemunho da história da presença da Europa colonial em África e da História da escravatura».

A subtileza, aparentemente inocente, de referir ter sido a Cidade Velha «a primeira cidade construída por europeus nos trópicos», ao invés de dizer, por exemplo, ter sido a primeira cidade fundada pelos portugueses nos trópicos, é notável.

De um ponto de vista estritamente factual, a afirmação é verdadeira: não deixando os portugueses de serem um dos muitos povos europeus, a substituição de um termo pelo outro, dir-se-á legítima. Todavia, para quem souber ler, também se compreende o que se pretende esconder.


Quem fala ou escreve, fala e escreve para persuadir e persuadir-se também. Quem fala ou escreve, fala ou escreve com palavras. As palavras, a escolha das palavras com que se fala e se escreve, não é, nunca é, inocente. Embora não seja possível pensar a partir das palavras, não há pensamento sem palavra.

A luta pela expressão, como diria Fidelino de Figueiredo, é sempre uma busca da palavra certa, como diria Leonardo Coimbra.

A língua é um mistério. Ao contrário do que poderão defender alemães e todos os cientistas modernos, sejam ditos linguistas ou neuro-cientistas, a língua é uma realidade de diferente ordem ou, se preferirmos, representa e afirma sempre uma diferente ordem de realidade.

Não havendo pensamento sem palavra, a palavra pode condicionar o discorrer do pensamento e, mesmo mais do que condicionar, pode mesmo conduzir o pensamento tanto aos mundos supernos quanto aos mundos infernos.

Não por acaso, tanto Toynbee como Ortega y Gasset davam como uma das origens ou início da queda do Império Romano, a degradação da língua, tal como hoje vemos suceder com a língua portuguesa, procurando-se talvez, pela degenerescência da língua, conduzir os portugueses a equivalente degenerescência mental.

Questões mais graves e fundas do que ultrapassam a notícia supracitada.

Na notícia supracitada, devemos atender, antes de mais, ou facto de a mesma, embora não assinada, se encontrar redigida por um jornalista do jornal, um jornalista presumivelmente português, ou seja, embora se saiba pouco mais constituir do que uma tradução dos noticiários internacionais, a notícia assim redigida passa por veicular o entendimento que nós, portugueses, temos da nossa História ou de como, hoje, deixamos deturpar o entendimento da nossa História de acordo com esses mesmo interesses internacionais.

O fenómeno, sobretudo quanto aos Descobrimentos respeita, não é novo. Basta lembrar os notáveis e incansáveis trabalhos de um Visconde de Santarém, de um Joaquim Bensaúde, dos irmãos Armando e Jaime Cortesão ou ainda de um Gago Coutinho, desfazendo muito dos disparates ditos sobre os Descobrimentos, para percebermos do que se está a falar. Disparates ditos, porém, não apenas por ignorância, mas com a expressa intenção de denegrir a imagem dos portugueses e a sua primazia no Descobrimento dos novos mundos, defendendo-se teses tão peregrinas como a de termos aprendido a navegar com os alemães, ou, pelo menos, com um suposto sábio cujo nome nem vale a pena recordar.

Mais recentemente, a famigerada Europália em Portugal, em 91, mais não foi senão um renovado pretexto para dar os Descobrimentos como obra da Europa e não de Portugal e, reconhecido seja, de Espanha também.

Porque ainda não muito distante, todos nos recordaremos, com certeza, da famosa polémica gerada pelo livro de Mascarenhas Barreto, Cristóvão Colombo Agente Secreto de D. João II, parecendo ser uma ofensa nacional a defesa da tese da nacionalidade portuguesa de Cristóvão Colombo.

Muito mais importante do que a tese da nacionalidade era a tese, tão plausível quanto justificada, de Cristóvão Colombo, mas logo os universitários, de Vasco Graça Moura a Luís Albuquerque, vieram a terreiro refutar e repudiar furiosamente tais teses como se as mesmas mais não fossem senão pura iniquidade, mas aceitando, entretanto, doutoramentos honoris causa em universidades italianas, levando Mascarenhas Barreto a proferir a célebre piada segundo a qual «os novos dispunham-se a aceitar doutoramentos honoris causa como os antigos régulos aceitavam despertadores».

A tese de Cristóvão Colombo ter sido um agente secreto de D. João II, não só não é disparatada como é perfeitamente consentânea com toda a política, obra e modus operandi desse grande monarca, o primeiro talvez a criar um verdadeiro e extraordinário Sistema de Informações e Contra-Informação, de um Estado europeu, bem como o primeiro a impor, por razões estritamente estratégicas, uma «política de sigilo» das mais exigentes e rigorosas que alguma vez terá havido na História, por razões estritamente estratégicas. Mas, é evidente, quando se pretende fazer crer que os Descobrimentos, feitos pelos portugueses, mais não foram senão obra do acaso quando não obra europeia em que nós mais não servimos senão como uma espécie de intermediários, carne para canhão ou alimento para os peixes, importa, com certeza, nada disso importa considerar, ou lá iriam as ditas teses por água abaixo.


Todos, hoje, falamos de Portugal como uma nação deprimida. Todos falamos, é certo, mas poucos atendemos já às razões de assim ser. Quando deixamos, sistemática e metodicamente, denegrir quanto fomos e fizemos, quando vemos actuarem muito de entre nós como puros agentes, nocentes e inocentes, de quem apenas pretende a nossa destruição enquanto nação independente, quando não sabemos já olhar para o passado para, compreendendo o espírito implícito na nossa História, podermos pensar o futuro, como não estarmos nós, como povo, deprimidos?

A supracitada notícia, embora significativa, será apenas um pequeno exemplo, sem dúvida. Mas estes pequenos e subtis exemplos, passando quase desapercebidos, não deixam, por vezes, de terem as mais vastas e profundas repercussões. Quando aceitamos, como subtilmente se pretende que todos deduzam da notícia, não terem tido os Descobrimentos outra finalidade senão a escravatura, começamos a perceber também onde nos querem levar. Quando começamos a aceitar tudo isto passivamente, começamos a perder-nos e, se nos perdermos por isto, também poderemos dizer que nos perderemos merecidamente porque um povo que aceita tudo isto e não saiba já pensar a sua razão de ser e defender-se consequentemente, não merece, de facto, sobreviver, mais sendo senão sinal de que está já morto e «dissolvido em sua existência histórica».


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sábado, 27 de junho de 2009

Portugal, Espanha e o TGV

Carlos Afonso Dias, Estação do Oriente, 1999

Na sua edição de Domingo passado, o Público intitulava em notícia de primeira página, «Líderes da Estremadura espanhola exigem que Portugal cumpra TGV», reportando o facto do presidente da Junta da Estremadura espanhola, do PSOE, e o seu opositor regional do PP, ameaçarem o Governo de Portugal de poderem vir a recorrer a Bruxelas de modo a obrigarem à tempestiva construção das linhas de Alta Velocidade de ligação a Madrid e a Vigo, tal como estipulado em Protocolos assinados em anteriores Cimeiras Luso-Espanholas.


O que significa neste enquadramento a expressão, «recorrer a Bruxelas», não é totalmente explícito mas, a ameaça, essa, não deixa quaisquer dúvidas.

Ao longo da semana, porém, não se viu nem ouviu uma mínima reacção do Governo Português, fosse através de um Nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou fosse como fosse e de quem fosse, ao despautério dos supracitados políticos da Estremadura Espanhola.


Relendo a notícia e ao modo como se encontra redigida, poder-se-á interpretar, numa primeira instância, constituir-se como uma notícia que, sendo ou servindo os interesses ao actual Governo de Portugal, é deixada passar por inócua de forma a incutir, a pouco e pouco, de forma subliminar, a inevitabilidade de um investimento não apenas contestável do ponto de vista do interesse estratégico nacional como já largamente contestada do ponto de vista político e financeiro.


Admitindo tratar-se de uma questão séria e de melindre no desenvolvimento das normais relações institucionais entre dois estados soberanos, a questão é para ser tratada e dirimida pelos adequados meios diplomáticos e não para ser trazida para a praça pública, em tom de tão inaceitável quanto ilegítima ingerência em assuntos internos de nações terceiras.


A notícia poderá servir os interesses do actual Governo mas o seu silêncio não serve Portugal, mesmo entendendo os referidos políticos espanhóis apenas como politicozecos regionais sem importância de maior.


Na verdade, esquecendo a elaboração sobre outras possíveis e eventuais teorias da conspiração, poderá argumentar-se não ter o Governo querido dar demasiada importância ao assunto de forma a não ter de reconhecer, explicitamente, encontrar-se a política nacional, hoje, de facto, refém dos ditames de Bruxelas e dos interesses de quem aí tem capacidade de pontificar e «pressionar», como, infelizmente, todos sabemos hoje assim ser.


Todavia, mesmo assim sendo, é triste não vermos o Governo de Portugal defender e afirmar já sequer a pouca e limitada soberania que nos resta _ se efectivamente alguma nos resta.


Do lado espanhol, porém, compreende-se perfeitamente a situação, a questão e a intenção.


Como já aqui deixámos escrito, os espanhóis nunca puderam aceitar, nem ainda hoje aceitam, a independência de Portugal porquanto tal independência sempre significou e significa o corte do acesso directo do centro, Castela e Madrid, ao mar.


A preocupação dos espanhóis pelo TGV não reside, com certeza, na pretensão e facilidade de acesso a Lisboa, à Costa do Sol, à Costa de Prata, ao Litoral Alentejano ou seja onde for, para virem passar um calmo e merecido repouso de fim-de-semana ou mais prolongada e veraneante estadia(1). O interesse dos espanhóis corresponde exactamente ao que, Henrique Raposo, na sua crónica de hoje, no semanário Expresso, advoga devermos entregar de mão beijada a «nuestros hermanos», ou seja, a definitiva transformação e plena afirmação de Madrid como o Centro, por excelência, sem contestação, de toda a Península Ibérica.


Henrique Raposo, não se afirmando favorável aos actuais planos de construção do TGV, defende, no entanto, em alternativa, a construção de uma linha de Velocidade Alta para mercadorias, ligando directamente Sines a Madrid. Proposta extraordinária que os espanhóis não deixarão, com certeza, de aplaudir e agradecer reconhecidamente.


Na verdade, se até Badajoz as mercadorias irão ser transportadas em Alta Velocidade ou Velocidade Alta, não se afigura constituir aspecto de magna importância uma vez que, deslocadas em Alta Velocidade ou Velocidade Alta, quanto importa, de facto, é que aportem a Madrid para serem distribuídas a partir daí.


O Comandante Virgílio de Carvalho não se cansou de defender em sucessivas obras de escassa repercussão pública e quase nula repercussão política, a importância estratégica para Portugal do porto de Sines, o único porto natural de águas profundas de toda a Península Ibérica, como porto de «transhippment», como se diz na gíria, não para nos ligarmos, como é evidente, a Madrid mas para, servindo eminentemente como de porto de transbordo de carga dos navios de maior calado para navios de menor calado, com capacidade proceder à respectiva distribuição por essa Europa fora, seja via Mar do Norte, seja via Mediterrâneo, permitir-lhe afirmar a sua vocação natural e inerente capacidade única como centro europeu no que respeita a todo o transporte marítimo, concorrendo directamente com portos como o de Roterdão.

Longos anos passados, muitas obras depois, falecido já inclusive o Comandante Virgílio de Carvalho, continuamos como se nunca ninguém houvesse pensado fosse o que fosse, houvesse dito, ou mais ainda, escrito, fosse o que fosse. Para gáudio e grande regozijo dos espanhóis, com certeza, e mal dos nossos pecados.

(1) Embora não se nos afigurando como primordial o transporte de passageiros da actual política espanhola no que respeita ao TGV, não podemos no entanto esquecer que uma rede de Alta Velocidade ligando Madrid toda a Península Ibérica e ao Norte da Europa, não deixa de reforçar também a sua centralidade, mesmo em termos de passageiros. Tudo dependerá, naturalmente, de futuras políticas de promoção e preços mas, com um Aeroporto de Lisboa longe do centro da cidade, com dificuldade de concorrer em termos de dimensão com Barajas, tudo se configura para que este transforme, de facto, no verdadeiro «hub» aeroportuário da Hispânia. Pelo menos assim o cremos.


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