segunda-feira, 27 de abril de 2009

Portugal e a NATO

John Gossage, Berlim East, 1987


O futuro da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, na expressão francesa) encontra-se, de novo, em aberta, ainda que não muito acesa, discussão, neste ano em que comemora o seu 60º aniversário e quando acaba de acolher dois novos membros no seio da Organização, a Albânia e a Croácia, perfazendo agora um total de 28 membros efectivos mais cerca de 22 apenas com o estatuto de Parceiros.

Portugal é membro fundador da NATO.

No pós-guerra, quando a Rússia, então URSS, sob os auspícios de Estaline, avançava declaradamente sobre a Europa, mantendo na Alemanha e na Áustria cerca de 1.300.000 soldados, preparando-se já para ocupar mais de metade da mesma, como viria a suceder por um período que só terminaria com a ruidosa Queda do Muro de Berlim em 1989.

Nesses anos de pós-guerra e perante tal enquadramento, temendo-se ainda pelo rearmamento Alemão, receio manifestado sobretudo por franceses, a NATO surgiu como a solução para garantir uma efectiva defesa da Europa, então dizimada pela II Grande Guerra, numa primeira instância, e logo depois do mundo ocidental em geral, dada a estratégia soviética se concretizar, de facto, como uma ameaça global (segundo Lenine, o caminho de Paris passava por Pequim e Carachi, se não erramos na exacta citação).

Para garantir, em termos militares, a protecção dos flancos, era indispensável tornava-se indispensável contar, por um lado, com a colaboração, pelo menos, da Dinamarca e da Noruega a Norte, e da Itália a Sul, mesmo tendo sido uma das potências do Eixo, dada importância crítica de defesa do Mediterrâneo.

Garantidos os flancos, era igualmente necessário assegurar as ligações entre uma eventual frente de combate e a retaguarda, ou seja, garantir a defesa do Atlântico, aí entrando, por um lado Portugal, dominando, com a Madeira e os Açores, as regiões até ao Trópico de Câncer, distando dessa mesma linha poucos graus a Sul Cabo Verde, e a Islândia, ao Norte, tapando as linhas do Árctico

A entrada de Portugal para a NATO não terá sido aceite por todos de forma pacífica. Sendo Portugal uma nação pluricontinental, como então se referia, com possessões não apenas em África mas também na Índia, China e Oceânia, não tendo interesses directos nas zonas de eminente conflito, como os Balcãs, Próximo Oriente ou Mediterrâneo, mas podendo colocar em risco a integridade dos primeiros por causa dos segundos, dadas as fronteiras com a Índia, República Popular da China e Indonésia, ideologicamente mais próximos da URSS que da velha Europa, de nada valendo o Tratado do Atlântico Norte, não deixou de haver quem defendesse ser a nossa entrada um erro, sugerindo-se, em alternativa, apenas o estabelecimento de um Pacto Bilateral com os Estados Unidos, eventualmente extensível ao Canadá, garantindo assim, por um lado, em conjugação com a Aliança Inglesa, o nosso perfeito e necessário contributo à defesa do Ocidente sem os riscos decorrentes do Artigo 5º, ou seja, da obrigação de auxílio mutuo em áreas geográficas muito além dos nossos interesses.

Fosse como fosse, não importando agora aqui refazer a história da constituição e evolução da NATO, Portugal foi, de facto, um dos seus 12 membros fundadores dessa Organização a quem se deve, de facto, por um lado, não ter a Europa Ocidental sido ocupada pelos Soviéticos e, por outro, os anos de paz que sobrevieram, até hoje, não teriam sido possíveis.

Entretanto, dois outros aspectos de ordem histórica afiguram-se-nos ainda importantes tendo em vista quanto aqui pretendemos apresentar. Referimo-nos, por um lado, a constituição da Comunidade de Defesa Europeia e ao abandono dos franceses da Estrutura Militar da NATO nos anos 60.

No primeiro caso, a C.E.D. surge, antes de mais, pelos receios franceses pelo rearmamento alemão, conseguindo assim, depois da constituição da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 51, formalizar a supranacional Comunidade Europeia de Defesa, englobando os mesmos signatários, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal Alemã, de modo o garantir o bom e correcto comportamento dos alemães rearmadas.

Ainda hoje, a Comunidade Europeia de Defesa, ou no que entretanto se transformou, continua a ser, por um lado, uma completa ambiguidade, querendo ser, sem meios nem vontade seja de quem for de promover a aquisição desses mesmos meios, não se sabe bem o quê, e, por outro, não se sabendo bem o que pretende ser ou que papel pretende desempenhar, não deixa também de ser causa directa de múltiplas outras ambiguidades, entre as quais, naturalmente, se encontram as relações e o papel a conceder à própria NATO.

Não iremos abordar essa questão mas, para nós, portugueses, nunca a devemos também esquecer.

Por outro lado, quando relembramos a saída da França da Estrutura Militar da NATO, é sobretudo para relembrar e acentuar os seus actuais interesses num próximo regresso, impondo, entre outras condições, virem tomar conta do actual Joint Command of Lisbon, em Oeiras. Um pedido que não é inocente e ao qual, nós, portugueses, nos devemos opor de forma veemente.

Bem sabemos como o Comando de Lisboa tem vindo a sofrer uma significativa diminuição nos últimos anos, decorrente quer da nossa adesão à Comunidade Europeia, quer de múltiplas outras evoluções estratégicas, às quais os nossos amigos espanhóis não serão também completamente alheios.

Seja como for, na passagem do CINCSOUTHLAND para o actual JCL, apesar de ainda ter sido possível, in extremis, manter Oeiras como um Comando de Segunda Ordem, a par de Brunssum e Napóles, o facto é que perdeu algo da sua anterior relevância.

Neste enquadramento, quando se comemoram os sessenta anos da NATO e todos referem a necessidade de repensar a sua estratégia e missão, será bom que em Portugal também se reflicta sobre o assunto e se meditem os interesses portugueses na Organização.

A primeira interrogação é se faz ainda sentido manter a NATO num plano de Organização exclusivamente defensiva, sendo a segundo o âmbito geográfico da sua actuação num crescentemente globalizado e onde os conflitos, mesmo os mais longínquos, têm, as mais das vezes, também as mais inesperadas repercussões nas mais longínquas paragens.

Nesse sentido, o grande desafio hoje colocado à NATO é, sem dúvida, o Afeganistão, mas, entretanto, a mesma NATO já se encontra em operações ao largo da Somália, aliás, sob comando português.

Entre as críticas recorrentes à NATO é o facto de nos últimos anos, desde a queda do muro de Berlim e dos subsequentes problemas surgidos nos Balcãs, na ex-Jugoslávia, ter servido essencialmente como um complemento de acção dos Estados Unidos no que respeita à sua influência na Europa e nas operações de imposição e estabilização de paz em áreas além do tradicional espaço euro-atlântico.

Para nós, Portugueses, afigura-se-nos, há um espaço de comum interesse, o Atlântico, sendo exactamente sobre essa área geográficas que as nossas preocupações se devem manifestar.

Bem se sabe quanto hoje é vulgarmente referido a importância estratégica do Atlântico estar a passar paro o Pacífico. Não nos deixemos, porém, iludir. Seja pela crescente importância da passagem do Árctico, assunto ao qual voltaremos, seja pela importância estratégica no que respeita ao petróleo do Golfo da Guiné, já aqui referido em texto anterior, entre outros factores, o Atlântico continuará a ser, durante muitos anos, um ponto crítico para a estratégia dos Estados Unidos e para a Europa, por variadíssimas razões, muitas das quais semelhantes.

Nesta perspectiva, não surpreende assim que o general Loureiro dos Santos tenha sugerido em recentes declarações ao Expresso, a possível entrada de Cabo Verde na NATO sob patrocínio nacional.

Numa primeira instância, a proposta parece fazer todo o sentido. Cabo Verde, não tivesse sido abandonado por Portugal, poderia constituir hoje uma Região Autónoma como a Madeira ou os Açores, hipótese e sonho que muitos cabo-verdianos acalentarem por muito tempo sob o mais completo menosprezo, tanto quanto se sabe, da parte das entidades oficiais de Portugal.

Uns graus a Sul do Trópico de Capricórnio, a entrada de Cabo Verde poderia, de facto, numa primeira instância, fazer todo o sentido, tanto mais quanto dada hoje a sua proximidade à União Europeia. Todavia, para nós, portugueses, será essa a estratégia mais correcta?

Num prisma estritamente bilateral, se nada mais for feito, diríamos, ao menos faça-se isso. Contudo, numa perspectiva mais alargada, essa visão bilateral afigura-se algo redutora.

Numa perspectiva mais alargada, quanto se devia avançar era, antes de mais, com o estabelecimento de uma Comunidade de Defesa do Atlântico no âmbito da CPLP, devendo ser essa Comunidade uma Parceria com a NATO para defesa do Atlântico ou estabelecer uma Aliança com os Estados Unidos para o Atlântico abaixo do Trópico de Capricórnio em complemento da NATO.

Demasiado ambicioso? Talvez, mas não impossível e, mais do que isso, se não formos nós, portugueses, a saber dar novo fôlego ao Comando de Oeiras, de forma a recuperar a importância que já teve enquanto CINCSOULTHLAND, não duvidemos que, um dia, teremos os franceses a fazê-lo _ para nossa vergonha e desgraça.

Voltaremos, como é natural e justo, a estas questões.


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Capelas Imperfeitas?

PG07
Capelas Imperfeitas? Não! Capelas Incompletas. Sonhadas para um Portugal maior. Próximo de Deus. Mais humano. Universal. Sonhado por Homens. Como Nun' Álvares. Hoje Santo. Utopia. per secula seculorum...



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domingo, 26 de abril de 2009

S. Nuno

Hoje Portugal tem mais um Santo. Um Santo especial, a quem devemos Portugal.

Mais do que qualquer outro acontecimento da nossa História, D. Nuno personifica a desproporção da obra realizada por Portugal e os poucos que sempre fomos.

Também por aqui, desprotegidos dos albergues a que muitos se acolhem, inútil pode parecer o esforço dispendido.
D. Nuno, ou melhor, S. Nuno lembra-nos que poucos foram, no passado, suficientes.

Sem Império há 35 anos e com o progressivo desaparecimento do ombro europeu onde andamos amparados desde aí, finalmente encaramos a realidade de sempre da nossa metrópole: pequena em homens e em recursos. Porém, no mundo português, isto é, no mundo que fala português, não somos tão poucos em número, nem sequer em recursos, para não falar da questão geoestratégica tão cara ao Gonçalo Magalhães Collaço.

Por isso, do velho Portugal teremos novamente de partir para poder continuar a ser. Descobrir o futuro que deixámos por outras paragens e que ainda pode ser, também, nosso. S. Nuno, agora, pode ajudar.

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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Dos Estaleiros de Viana do Castelo

Josef Kudelka - Portugal, 2005

O Expresso do passo fim-de-semana, dava notícia do Instituto dos Transportes Marítimos ter chumbado os desenhos e o projecto técnico do segundo ferry que o Governo dos Açores tinha encomendado aos Estaleiros de Viana do Castelo.

Os problemas com o primeiro ferry foram já amplamente noticiados, tendo a sua entrega sido recusada por não atingir as velocidades mínimas que o contrato consideraria ou considerará aceitáveis.


No caso do segundo ferry, a questão parece estar ligada, segundo o Expresso, a alterações propostas ao projecto inicial não conformes às normas de segurança da Convenção Solas (Safety of Life at Sea).

Todas estas notícias são, por um lado, intrigantes e, por outro, deveras preocupantes.

São, antes de mais, intrigantes porque, tanto quanto é dado saber ou consta, afigura-se que o projecto dos ferry não é nacional mas Russo, tendo sido desenvolvido por uma empresa de S. Petersburgo. A ser assim, o opróbrio que hoje recai sobre a engenharia náutica portuguesa poderá estar salvaguardada mas, para isso suceder, importa esclarecer, de facto, sem equívocos, de quem a efectiva autoria dos projectos.

Todavia, o que também é facto é que, entretanto, é o nome, a reputação e o prestígio dos Estaleiros de Viana do Castelo que hoje estão a ser colocados em causa.

Portugal já não tem uma verdadeira frota de transportes marítimos por ter sido explicitamente decidido e aceite tal não ter sentido. Portugal corre agora o risco de ficar também sem qualquer Estaleiro de Construção Naval digno desse nome.

Os Estaleiros de Viana do Castelo são uma espécie de último reduto depois de estaleiros como os Estaleiros da Figueira da Foz terem sido vendidos a espanhóis para construção, tanto quanto se sabe, de pás de hélice para as torres eólicas.

Ainda segundo a notícia do Expresso, o Ministro da Defesa terá dado orientações ao presidente do Conselho de Administração da Empordef, empresa mãe das empresas de defesa do Estado, entre as quais se encontram os Estaleiros de Viana do Castelo. Para o Ministro da Defesa, adianta igualmente o Expresso, esta é, porém, «uma questão empresarial que deve permanecer nesse plano».

Não se entende exactamente o que se pretende dizer com tal afirmação. A questão não é meramente empresarial porquanto é, pode, ou deve ser vista, essencialmente, como uma questão estratégica para Portugal e os Estaleiros de Viana do Castelo não são uma mera empresa particular onde o Estado não tem responsabilidade alguma. Ou seja, nunca podrá ser uma mera questão empresarial, é, será sempre, antes de mais e acima de tudo, uma questão política, no sentido mais elevado da expressão.

Sabe-se como a construção naval é uma das áreas de crescente de determinante importância e, por consequência, de crescente e feroz competitividade, tanto em termos militares como civis.

Para ficarmos próximos de nós, basta pensar no Juan Carlos I, um dos navios anfíbios tecnologicamente mais avançados da actualidade, acabado de construir aqui ao lado, em Espanha, pela Navantia, constituindo-se também como o maior navio anfíbio LHD (Landing Helicopter Docks) alguma vez construído na Europa.

Juan Carlos I (DTI)

Entretanto, nós, parece, estamos reduzidos a isto, ou começamos a estar reduzidos a isto, i.e., a não termos sequer capacidade para construirmos um simples ferry…

Não se afiguram necessários mais comentários.



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segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Brasil, Portugal e a CPLP

Cecil Beaton, Terreiro do Paço, 1942


Lemos com um misto de agradável surpresa e algum desalento as declarações de Luís Alberto Moniz Bandeira, este fim-de-semana, ao Expresso. Surpresa por vermos um politólogo brasileiro defender dever Portugal estabelecer «uma aliança estratégica» com o Brasil «à semelhança, aliás, do que a França está a fazer». Desalento por, uma vez mais, nos vermos estar a ser ultrapassados por terceiros com uma perfeita e quase absoluta inacção política por parte de Portugal, por parte de quem Governa Portugal.



Extraordinárias e certeiras são também as suas declarações sobre o «retrocesso» nas relações luso-brasileiras após o ingresso de Portugal na Comunidade Económica Europeia, tendo então acabado o acordo de equivalência, lembrando ainda: mais «Portugal esqueceu-se do Brasil e este, por outro lado, virou-se para a América do Sul».

De tão exactas e terríveis, as palavras de Moniz Bandeira ferem como um punhal de aço perante a passividade de Portugal frente ao Brasil que, afirma ainda, «não vê os portugueses como estrangeiros».

Na verdade, no documento de Política de Defesa Nacional do Brasil, afirma-se, claramente:

«3 - Entre os processos que contribuem para reduzir a possibilidade de conflitos no entorno estratégico, destacam-se: o fortalecimento do processo de integração, a partir do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações e da Comunidade Sul-Americana de Nações; o estreito relacionamento entre os países amazônicos, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica; a intensificação da cooperação e do comércio com países africanos, facilitada pelos laços étnicos e culturais; e a consolidação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul.»

«3.6 - Como consequência de sua situação geopolítica, é importante para o Brasil que se aprofunde o processo de desenvolvimento integrado e harmônico da América do Sul, o que se estende, naturalmente, à área de defesa e segurança regionais.»


«4.9 - O Brasil atribui prioridade aos países da América do Sul e da África, em especial aos da África Austral e aos de língua portuguesa, buscando aprofundar seus laços com esses países.»

«4.10 - A intensificação da cooperação com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), integrada por oito países distribuídos por quatro continentes e unidos pelos denominadores comuns da história, da cultura e da língua, constitui outro factor relevante das nossas relações exteriores.»

Como será de meridiana evidência, neste momento, a existência e consequente acção da CPLP tem uma importância estratégica para Portugal que não possui para o Brasil. Não obstante, na sua Política de Defesa Nacional, a CPLP surge ainda como um dos factores relevantes das suas relações externas. E nós, portugueses, pouco ou quase nada fazemos para aproveitarmos e incentivarmos essa linha e oportunidade estratégica única.

Ridículo, tão ridículo como ser ainda Moniz Bandeira a lembrar-nos esta simples evidência: «Se Portugal nada fizer para manter a sua identidade lusitana, dentro de algumas décadas pode diluir-se em Espanha, que tem muitos mais recursos e uma política cultural muito agressiva»

Como já aqui se escreveu, se não atendermos às nossas verdadeiras prioridades, CPLP-NATO-EU, em vez do disparate da actual hierarquia, EU-NATO-CPLP, um dia ainda veremos as palavras de Moniz Bandeira tornarem-se simples e tristemete proféticas.

Na verdade, temos muito a aprender com o Brasil e os brasileiros. Uma vez mais, o que precisamos é deixarmos de nos comportarmos como patetas.

Gostava que fosse ainda época de usar chapéu para o tirar, com a devida vénia,a Luís Moniz Bandeira que, em meia dúzia de parágrafos, nos dá uma verdadeira lição do possível e verdadeiro sentido estratégico da política, uma verdadeira lição de entendimento do verdadeiro sentido estratégico das nações.


E o mais, por agora, é apenas silenciarmo-nos e meditarmos, recolhidamente, no fundo ou alto significado das suas palavras

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sábado, 18 de abril de 2009

Portugal e a CPLP

Duarte Bello


Pensar em termos estratégicos a importância do mar para Portugal não é pensar apenas na isolada relação de Portugal com o mar mas também, e talvez acima de tudo, na posição de Portugal no mundo, o que significa também, como não pode deixar de significar, saber compreender esse, ou este, mesmo mundo onde nos encontramos.


O mundo actual é um mundo, talvez como sempre haja sido, dominado, quase diríamos mesmo, hoje, obsessivamente dominado, por questões de segurança.

Concomitantemente, também é sabido como os conflitos entre os povos civilizados se encontram em fase de evolução dos mais tradicionais confrontos militares, ditos clausewitzianos, para guerras de cariz primordialmente económico, ambiental e, secundariamente, sobretudo a Sul, geradas ou derivadas de crises alimentares, como, noutras partes do mundo, como por exemplo no Médio Oriente, confrontos, mesmo militares, pelo acesso à água.

Neste enquadramento, se olharmos de novo para o Atlântico, mesmo correndo o risco de sermos acusados de lusofónico chauvinismo, afiguar-se-á evidente quanto vermos ser, primordialmente, antes de mais e acima de tudo, o Atlântico da CPLP.

Carlos Miguel Fernandes


Tal como sucede em relação a Portugal, também outras nações, incluído Angola Brasil e Cabo Verde, têm projectos de extensão da sua Plataforma Continental até às 350 milhas marítimas. O Brasil já procedeu inclusive à apresentação da sua proposta à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, tendo sido já, tanto quanto podemos saber, tacitamente aceites os seus direitos sobre cerca de 90% da área proposta.

Angola e Cabo Verde, neste último caso com uma pequena ajuda de Portugal, estão a ultimar as suas propostas. De S. Tomé e Príncipe cuja plataforma continental se interliga com a plataforma continental da Nigéria e da Guiné, não conhecemos o ponto da situação, embora, no primeiro caso, se saiba de alguma ajuda de Portugal e o directo interesse de Angola, no segundo, dadas as convulsões internas vividas, não se vislumbre como possa algum trabalho ser ou estar a ser feito.

Tendo presente quanto ficou exposto, atendendo agora, primordialmente, às questões de carácter económico, logo sobressai também a crescente importância que o Golfo da Guiné, onde se inclui Angola, no que respeita às capacidades, presentes e futuras de produção petrolífera. Se, a par disso, tivermos igualmente em consideração, por um lado as recentes descobertas de novas jazidas ao largo do Brasil e o constante agravamento da situação política no Golfo Pérsico, bem como as estimativas da quota de consumo de petróleo dos Estados Unidos proveniente do região do Golfo da Guiné, atingirem, até 2015, cerca de 25% de todas as suas importação neste domínio, logo temos uma primeira noção do que estamos a falar.

Se atendermos, em simultâneo, ao facto de quase toda a produção no Atlântico Sul, mais especificamente no que respeita a Angola e ao Brasil, ser constituída por produção off-shore, mais se compreende não só a importância do Mar mas, concomitantemente, a consequente importância e imperiosa necessidade da sua defesa na referida área geográfica, ou seja, no Atlântico.

Mas se falamos de petróleo, a mais evidente riqueza neste momento em tais domínios, não podemos esquecer igualmente tudo quanto há ainda por explorar, ou mesmo em grande medida desconhecido, nos fundos marinhos, não só nos limites das actuais ZEE mas também no perímetro das futuras 350 milhas náuticas decorrentes da possível da extensão das respectivas plataformas continentais, ainda mais se acentua a sempre referida importância do Mar, do Atlântico, no conjunto das nações da CPLP, como, consequentemente, a importância e imperiosa necessidade da sua defesa.

Na verdade, não podemos esquecer que Portugal e as restantes nações atlânticas da CPLP não se encontram sozinhas no mundo.

Mesmo os britânicos, em passo, não sem controvérsia, preparam-se para apresentarem também projectos de extensão da plataforma continental de ilhas como as Falklands, Ilha da Ascensão e Rockall, neste último caso, muito mais a olhar talvez para Ártico do que para o Atlântico propriamente dito, mas ainda assim, uma ilha mais no Atlântico.


Comandante António José Martins, Ártico, 1939

Por parte dos Estados Unidos, tanto a constituição do AfricCom como da reactivação da 4th Force, com sede na Florida e que iniciou operações com um porta-aviões nuclear, o George Washington, e mais 11 navios, declaradamente sem estrutura fixa, para vigiar o Atlântico Sul, são também sinais significativos da importância do Atlântico, no caso o Atlântico Sul como área de redobrado interesse estratégico na actualidade.

Os crescentes tráficos que atravessam e assolam o Atlântico Sul, desde os mais tradicionais problemas do narcotráfico até ao tráfico humano, para além de outras ameaças, desde as terroristas às ambientais, são hoje um facto e justificam uma redobrada vigilância. Sabe-se igualmente porque muitos navios desligam já os Sistemas de Controlo de Tráfego, como o VTS, ao atravessarem o Equador. Sabe-se, conhecem-se os perigos de Estados como a Guiné, hoje quase sem lei e à mercê dos mais variados tráficos, ou a Nigéria, sempre instável e à beira de novas convulsões. Tudo isso se sabe, tudo isso se conhece. Tudo isso se sabe e tudo isso se conhece como sabido e conhecidos são os interesses dos Estados Unidos na área, mas deverão ser os Estados Unidos a terem a prorrogativa da sua vigilância e defesa ou essa prorrogativa é, deverá ser, de jure e de facto às nações atlânticas da CPLP?

A resposta parece não oferecer dúvidas mas não basta. No mundo actual, no mundo real, hoje, como sempre, não basta, ou seja, para que a resposta seja consequente e tenha verdadeira repercussão, é necessário mais, é necessário dispor igualmente da capacidade de a afirmar de acordo com a necessária e consequente força de defesa dos correlativos direitos.

Todas sabemos, todos temos perfeita consciência como a CPLP, não obstante alguns muito meritórios esforços e algumas não menos muito meritórias iniciativas, ainda é apenas aquilo que poderíamos designar como uma potência à espera de ser transformar em acto.

No entanto, se atendermos aos passos que têm vindo a ser dados pela CPLP, verificamos que tem sido exactamente na área da cooperação militar que esses mesmos passos têm sido dados de modo mais firme e consequente. Não por acaso, dir-se-á, e, felizmente.

Não por acaso porque, se a amizade entre os homens se firma antes de mais na luta contra o mal, uma comunidade, seja ela qual for, firma-se, antes de mais, na sua capacidade de defesa, latu sensu. Uma comunidade sem capacidade de defesa, uma comunidade indefesa é, por definição, uma comunidade condenada.

Felizmente, afirmámo-lo também porque, nestes tempos sombrios e melancólicos, talvez seja ainda da área militar que possamos esperar aquela consciência estratégica, a consciência da grande estratégia, sem a qual as nações, nenhuma nação, como nenhuma comunidade, sobrevive.

Mas, como é evidente, nem tudo é fácil, ou estaria feito. Bem pelo contrário, mas quanto mais tarde houver consciência, quanto mais tarde se tentar fazer seja o que for, pior _ correndo-se mesmo o risco de ser tarde de mais.



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sexta-feira, 17 de abril de 2009

Portugal, o TGV e o Mar


Allan Sekula, da Série Fish Story 89-95

Não deixa de ser interessante ver Tiago Pita e Cunha, coordenador responsável pelo Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, realizado no tempo do Governo de Durão Barroso, em 2004, e hoje Membro do Gabinete do Comissário Europeu para os Assuntos do Mar, em Bruxelas, afirmar continuar Portugal sem uma estratégia definida para o mar.

Em declarações recentes ao jornal Água & Ambiente, diz textualmente: «Nenhum Governo tem alocado os recursos necessários para implantar uma estratégia para os oceanos… O país devia apostar no transporte marítimo de curta distância e, em uma ou duas auto-estradas do mar. Por exemplo, a ligação Bélgica-Portugal é óbvia pois traria muito tráfego para os portos de França e Espanha. No transhipping devíamos competir com Algeciras, em Espanha. »

Não sabemos se as questões referidas constituem ou constituiriam, de per si, uma Estratégia para o Mar ou tão só questão de mera política de transportes marítimos e sábio aproveitamento económico de uma privilegiada posição geográfica frente ao Atlântico Oceano.


O Comandante Virgílio de Carvalho, durante longos anos uma quase solitária alma pregando no deserto, chamou repetidamente a atenção tanto para a importância estratégica do Mar para Portugal como para a consequente necessidade de elaboração de uma política adequada para os transportes marítimos e concomitante gestão portuária.


Allan Sekula, da série Fish Story, 89-95


Virgílio de Carvalho era também um acérrimo defensor da natural vocação dos nossos portos para o designado transhipping, tendo sobretudo em atenção a circunstância de possuirmos o único porto natural de águas profundas de toda Península Ibérica, como é o caso de Sines.


Sines continua a ser o único porto natural de águas profundas da Península Ibérica mas, entretanto, os espanhóis, não tendo nenhum natural trataram de começar a construir um _ artificial, dir-se-á, por contraposição a natural. Todavia aos navios que aí aportem e atraquem, não se afigura que cuidem de saber de tal diferença ou que a mesma muito os possa incomodar.


Sonhava Virgílio de Carvalho com o dia em que os grandes navios transoceânicos aportassem à costa portuguesa, transferissem e distribuísses a sua carga por navios de menor calado, passíveis de irem pelos confins dessa Europa fora, tanto a Norte com a Sul, entregando quanto daqui levassem.

Allan Sekula, da série Fish Story, 89-95


Um sonho que, ainda hoje e cada vez mais, faz todo o sentido, não sendo sequer necessário, tão óbvias são as razões, mais descriminar.


No entanto, quando pensamos num Estratégia Nacional para o Mar, não nos devemos ater apenas, segundo cremos, às questões de carácter eminentemente económico, importantes, sem dúvida, mas nunca decisivas. Devemos, acima de tudo, colocarmo-nos num plano mais elevado e olhar para Portugal como um todo _ como um todo inserido na Península Ibérica.


Sabemos o que pensam os nossos amigos do outro lado da fronteira. De historiadores como Sancez-Albornoz, Américo Castro e um Menéndez Pelayo, não apenas na sua História de Espanha mas até na História dos Heterodoxos Espanhóis , filósofos como Julián Márias e políticos como um Fraga Iribarne, dito muito amigo de Portugal, é unânime a consideração do erro da separação de Portugal.


Para os nossos amigos do lado de lá da fronteira, é um erro a separação e independência de Portugal, antes de mais, porque Portugal não subsistiria ou não teria subsistido independente sem a ajuda de Inglaterra, o que é exacto, uma vez a aliança com a potência marítima, paga com língua de palmo, ter sido na realidade decisiva para a subsistência da nossa independência.

Todavia, logo acrescentam uma segunda razão que, em parte, não deixa de ser na verdade a primeira de todas, ou seja, cortar, e ter cortado, a independência de Portugal, o livre e pleno acesso de Espanha ao mar, Atlântico. E é acima de tudo isto que lhes dói e não perdoam.


Neste enquadramento, podemos entender agora o famigerado projecto do TGV de um outro modo. A quem interessa mais o TGV, a nós ou a Espanha? Com a construção do TGV não ganha Madrid uma renovada centralidade?


Falece-nos a paciência e mais ainda a competência para analisar a fundo a viabilidade económica do projecto de construção do TGV. Talvez a sua exploração, de per si, não seja rendível mas, admitindo um alto valor estratégico do mesmo, admitindo externalidades positivas só mediatamente quantificáveis, quem sabe se não se poderia justificar.


No presente enquadramento, não se afigura, porém, e mais grave do que isso, dado o investimento envolvido, a interrogação não deverá ser apenas se o TGV é economicamente viável mas se, ponderando a necessidade de um investimento dessa ordem, investimento sempre realizado em detrimento de outros possíveis, a interrogação a formular, repetimos, é se, em vez de proceder à realização de um tal projecto, mais não valera repensar, reestruturar e investir numa política portuária adequada aos nossos tempos e ao nosso futuro.

Para se pensar uma Estratégia Nacional para o Mar, é necessário ir sempre mais fundo, ou mais alto, não bastando ficarmo-nos por questão de imediata ordem económico-financeira. Não se perceber isto, é, afigura-se-nos, não se perceber nada.


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terça-feira, 14 de abril de 2009

Estratégia Nacional para o Mar

Syoin Kajii, 2004
Não se afigura que Portugal possua, ainda hoje, uma verdadeira estratégia nacional para o mar, não obstante todas as meritórias iniciativas que têm vindo a ser realizadas nos últimos anos.


Se Portugal tivesse, de facto, uma verdadeira estratégia nacional para o mar, cremos, dúvidas não haveria sobre qual resposta a dar às seguintes interrogações:


- Está Portugal verdadeiramente disposto a defender os direitos sobre o mar que é seu?

- Está Portugal verdadeiramente disposto a afrontar a União Europeia, se necessário for, nesse particular?

- Tem Portugal verdadeira estratégia e consequente acção que imponha e justifique essa mesma defesa?

Desde os idos de Hugo Grotius que se entende dever a propriedade encontrar-se associada à posse sob pena de não ter validade alguma. Em oposição a Portugal e à doutrina do Mare Clausum, defendiam os Holandeses a doutrina, pela pena de Grotius, a doutrina do Mare Liberum, procurando, por um lado justificar, imediatamente, o assalto às ilhas sob domínio português na Oceânia, de Ceilão às Malucas, como, por outro, mediatamente, obterem a garantia de livre acesso ao Atlântico, acesso passível de ser lhes ser fechado pelos britânicos.

Na sua obra, Da Liberdade dos Mares, Grotius, para além de negar não só a propriedade aos portugueses a essas distantes ilhas e, acima de tudo, repudiar a possibilidade de apropriação por qualquer nação dos vastos oceanos, reforçava ainda a tese contra os portugueses, afirmando que, mesmo que alguma propriedade lhes pudesse ser atribuída, manifesto era, por evidente impossibilidade e falta de meios, deterem a posse tanto das cobiçadas ilhas como, menos ainda, das vastidões marítimas que arrogavam como de direito, suas.

Se relembramos Grotius, não é tanto para retomar uma velha querela, recordando também, por extensão, a oposição jurídica formulada por Serafim de Freitas a tais teses e doutrina, mas, acima de tudo, para sublinhar e não deixar esquecer como tal doutrina se veio a afirmar de primordial importância, sendo, inclusive, ainda hoje, argumento fulcral nas questões internacionais, para além, claro está, de não ter deixado de ser argumento usado como decisivo na célebre questão do Mapa Cor de Rosa e no consequente Ultimatum feito a Portugal pelos amigos ingleses.

Não é necessário estar-se particularmente bem informado, i.e., dispor de informação privilegiada, para se saber as ameaças que hoje pendem sobre os espaços marítimos, desde as questões ligadas à pirataria, como está bem patente na actualidade do caso da Somália, até aos vários tipos de tráfico, narcotráfico, tráfico de armas, tráfico de seres humanos, entre outros, como sejam as redes de imigrantes clandestinos, terrorismo, pesca ilegal ou poluição, para referir, em sínteses, apenas as questões mais significativas.

Também não é necessário ter acesso a informação privilegiada para se saber a percentagem do comércio europeu que se realiza por via marítima, ou seja cerca de 90% de todo o comércio extra-comunitário, incluindo o caso de matérias-primas cruciais, como o petróleo, e cerca de 40% no que respeita ao comércio intra-comunitário, como tampouco necessário será dispor de informação privilegiada para se perceber por onde transitam e passam a esmagadora maioria dessas rotas, sobretudo no que respeita ao comércio extra-comunitário.

Não menos necessário será qualquer informação privilegiada para saber ainda quanto irá suceder com a entrada em vigor do agora designado Tratado de Lisboa, ou seja, deixarmos nós, portugueses, aos superiores interesses da União Europeia, a integral coordenação de todas as políticas respeitantes às pescas, abdicando, em definitivo, de toda a jurisdição sobre a coluna de água, em toda a extensão da nossa ZEE, e consequentees seres vivos que aí habitem e se encontrem.

Perante as ameaças descritas, perante a importância do mar para a União Europeia, não é difícil perceber e antecipar os próximos passos, i.e., ou Portugal manifesta uma efectiva capacidade de domínio, de posse, do mar que é seu, ou a União fá-lo-á, benritamente, por nós. Aliás, não é por acaso que tanto de fala do famigerado projecto da tal possível Guarda Costeira Europeia que, se ainda não viu a luz do dia e não está mais avançada a sua concretização, neste caso, felizmente, devido é apenas à natural lentidão dos processos comunitários, tal como, mutatis mutandis, vemos quotidianamente suceder em relação à àrea da Defesa. De uma coisa podemos no entanto ter plena certeza, se mais não avançou ainda tal projecto da Guarda Costeira, não se antecipando que a sua razão e principal finalidade fora patrulhar o Mar do Norte, não é com certeza, sublinhamos, por deferência a Portugal.

Entretanto que fazemos nós, portugueses, além de estarmos muito ufanos de termos em Lisboa a Agência Europeia de Segurança Marítima e termos assinado, conjuntamente com Espanha e França, um primeiro contributo para o Livro Verde da Política Marítima Europeia, como se, no primeiro caso, para além de não sabermos quanto isso nos está a custar ou irá custar, nos concedesse algum benefício e, no segundo, não se tornasse imediatamente perceptível quanto vez alguma poderão os nossos interesses no que ao mar e à pesca respeita, ligar-se, historicamente, a espanhóis e franceses?

Tanto quanto é dado saber, e aqui talvez necessário fosse, de facto, acesso a informação privilegiada, fazemos pouco, muito pouco, no que mais importa. E o que mais importa, importaria, aqui, seria um adequado planeamento de meios de recursos que nos permitam, permitissem, defendermos, dominarmos, possuirmos, o mar que é nosso, tendo em perspectiva não apenas a ZEE mas também a Extensão da Plataforma Continental.

Evidentemente que sabemos não estar para amanhã a decisão sobre a Extensão da Plataforma Continental. Levará, depois de entregue, no mínimo, uns dois bons anos a ser apreciada, analisada e argumentada. Não irá ser tarefa fácil. Mas quando falamos de planeamento de meios e recursos, entre outros aspectos, falamos de uma Marinha adequada e, neste caso, uma Marinha não se prepara em um, em dois ou mesmo cinco anos. Uma Marinha pode levar dez anos a estar devidamente preparada, devidamente equipada. Não se adquirem navios como quem adquire um automóvel. A construção de um navio, de uma fragata, leva anos e, tanto quanto nos é dados saber, tanto na Lei de Programação Militar quanto no Programa de Reequipamento das Forças Armadas, nada está previsto que nos ofereça a garantia de virmos a poder dispor de efectiva capacidade de defendermos o mar que é nosso.

Dirá a Marinha que temos capacidade de pronta resposta aos desafios que actualmente se nos colocam? Dirá, com certeza, como não poderia deixar de o dizer. Mas será exacto? Alguém o discute, a não ser, talvez, em meios esotéricos, i.e., entre camaradas de armas, num íntimo serão doméstico? Político algum, vez alguma, abordou estas questões?

Enfim, por tudo isto, infelizmente, não se nos afigura que Portugal esteja, neste momento, manifeste, de facto, verdadeira disposição de defender os direitos sobre o mar que é seu.


Infelizmente, tampouco se nos afigura estar Porugal disposto a afrontar a União Europeia, se necessário for, para defender o mar que é seu.

Nunca se tendo ouvido uma única voz de qualquer político a reprovar o famigerado Artigo I-13º-d da inicial Constituição Europeia, hoje Tratado de Lisboa, no que respeita à passagem da jurisdição da coluna de água da nossa ZEE para mando da União Europeia, não se vislumbra que seja agora que tal se vá ouvir.

Para além disso, há ainda a agravante do nosso Direito estar subordinado ao Direito da União Europeia e, como tal, não só não dispormos de efectiva soberania como estarmos sempre subordinados aos superiores interesses da União Europeia que serão sempre também os superiores interesses de quem peso tem na mesma União Europeia. O peso de quem, afinal, tem os meios e recursos para impor o seu peso, o peso dos seus interesses, o peso das suas decisões.

Mas mais grave, muito mais grave, de facto, é igualmente não se alcançar qual seja, afinal, a verdadeira estratégia de Portugal, e consequente acção no que ao mar respeita. Há manifestação de boas intenções, em articulação com a EU, sempre em boa articulação com a EU, mas uma verdadeira estratégia, uma estratégia que esteja para além da sempiterna questão de exploração económica dos recursos marinhos ou da sempiterna e simpática promoção dos desportos náuticos, não se alcança nem se vislumbra sequer. O que mais custa, pesa e amachuca.






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sábado, 11 de abril de 2009

Silves e as Tês Tradições do Livro

Martine Stig, Zainab, 2006

Miguel Bruno Duarte propõe, na Leonardo: «Seria desejável que, no âmbito das três tradições orientalistas que habitaram a Península Ibérica, pudesse surgir em Silves, num futuro próximo, uma espécie de comunidade apostada na riqueza espiritual e filosófica da região. Por outras palavras, uma comunidade sem impedimentos de ordem universitária, política ou administrativa, para que tudo fosse levado a bom porto. Tal não significa, porém, que essa comunidade estivesse ausente de todo e qualquer apoio, mas tão-só ciente da sua independência e liberdade espirituais, como, aliás, tão bem entendeu Mestre Almada ao escrever: «Em nome da humanidade inteira, obrigado, Mecenas!»»


Como Álvaro Ribeiro sempre salientou, nunca nos devemos esquecer as três tradições do livro que concorrem para a formação do pensamento português. Acontece em Portugal como acontece, de modo mais lato, no que poderemos designar por tradição peninsular.

É naturalmente importante não esquecer a presença árabe na Península Ibérica ao longo de quase oito séculos, tendo o Reino de Granada caído apenas 1492, às mãos dos Reis Católicos _ talvez mesmo mais às mãos de Isabel que de Fernando, mas não isso quanto agora importa _ e tão prolongada presença não poderia deixar de dar os seus frutos e criar as suas influências, como não deixou.

A presença dos mesmos árabes no território que veio a ser o território continental de Portugal, dada a rapidez da reconquista, não se prolongou senão até meados do séc. XIII, exactamente com a conquista de Silves por D. Afonso III em 1253, não chegando também Beja ou Silves a atingirem o esplendor de Córdova, Toledo ou Granada. Não obstante, a influência árabe, mesmo na Corte, perdurou muito para além desse momento.

Todavia, esmo ainda hoje, se a presença e influência judaica em Portugal tem sido objecto de múltiplos estudos, o mesmo não se verifica em relação à presença e influência árabe, a não ser talvez no âmbito da influência linguística. Talvez seja desconhecimento ou pura ignorância mas, para além de um Parreira de Oliveira e de um Garcia Domingues no passado e de um Adalberto Alves no presente, não recordo o nome de qualquer verdadeiro arabista em Portugal.

Afigura-se-nos tal circunstância dever-se ao facto de, encontrando-se as nossas raízes étnicas, da língua e da literatura na região galaico-duriense, região onde a presença e influência árabes sempre foram muito menos dominantes e significativas, daí partindo também toda a reconquista, nunca se ter atribuído particular relevância a qualquer eventual influência árabe.

Para além disso, deve-se mesmo ter em atenção a circunstância da designada cultura galaico-portuguesa, ou quanto assim podemos designar, sempre foi tido como um singularidade tal que, mesmo os estudiosos espanhóis, de Pidal a Pelayo ou de Sanchez-Albornoz a Armando Castro, a consideraram sempre aparte, como uma singularidade e realidade única em toda a Hispânia. Não sem um certo e muito subtil mas latente desdém pela doçura e encanto de um lirismo estranho a espanhóis de matriz castelhana. Um lirismo possível também por não sofrerem as agruras de uma prolongada, pesada e mesmo extenuante reconquista.

Por outras palavras, não tivemos e não temos ainda o nosso Ásin Palácios, descobrindo a influência árabe em Dante, sobretudo no que respeita às narrativas dos infernos dos primeiros. Talvez não houvesse ou haja sentido para o termos mas, não obstante, seria, será, sempre interessante desocultarmos quanto permanece ou quanto a nossa tradição modificou essa longínqua influência. E mesmo que entendamos não ter essa influência sido significativa, dada no entanto a directa influência de Dante em Portugal, poder-se-á interrogar também quanto, via Dante, recebemos nós, afinal, indirectamente, dos árabes da península.

Por outro lado, Sismondi não deixou de defender a tese segundo a qual as Cantigas de Amigo do Langedoc foram directamente influenciadas pela tradição e muito particular sensualidade e ingénuo folguedo árabe do Andaluz. Ora, sabendo quanto o Langedoc viria a influenciar, em parte, a nossa tradição galaico-portuguesa das Cantigas de Amigo, aí teríamos, ou teremos, novo motivo de investigação, análise e meditação.

Para além disso, há, evidentemente, o permanente diálogo do cristianismo com a filosofia árabe, bastando recordar como ainda hoje o Comentador se refere, por antonomásia, como sempre se referiu a Averróis, sempre também presente a S. Tomás, quanto mais não fora para o refutar, ou ainda a sempre também permanência de referência deste a Maimónides, em particular no que respeita ao Guia dos Perplexos, fosse em reforço das suas teses de interpretação de Aristóteles, fosse igualmente para o refutar.

Há, naturalmente quem defenda ter sido a filosofia grega passada aos ocidentais por via árabe, Avicena, Al Farabi, Averróis, e por aí adiante, justificando eventualmente uma outra fonte de influência. Todavia, desde Gilson ao mais recente livro de Sylvain Gouguenheim, Aristote au Mont de Saint-Michel, bem sabemos como essa tese não representa senão um procura mais de diminuição da tradição ocidental do de qualquer veracidade, pelo que não valerá a pena tomarmo-lo demasiado em conta. Mas isso não implica que não tenha havido, de facto, um chamado Averroismo Latino, a começar com o famoso caso de de Siger de Brabant e como Renan não deixou de documentar e expor na sua obra sobre Averróis.

Contudo, a obra de Mário Saa, A Invasão dos Judeus, não deixa de ser uma obra interessante neste enquadramento uma vez que, estudando as várias influência da nossa literatura, também não qualquer interesse por uma suposta influência árabe, tudo concentrando e decidindo-se entre a tradição galaico-portuguesa, se assim podemos dizer, de ascendência céltica e a tradição judaica. Ao contrário do que se pode imaginar, a obra não pretende ser uma obra anti-sionista mas tão só uma obra onde se demonstra o recuo da primeira tradição frente à segunda, afirmando mesmo que, ao dizer-se não haver já portugueses como os de antigamente, tal corresponder senão a um puro facto, uma vez, segundo a sua tese, a raça judaica ter superado, em Portugal, em todos os aspectos, inclusive literários, a raça céltica.

Como exemplo disso mesmo, oferece Mário Saa os casos de Teixeira de Pascoes, personalidade teluricamente céltica, em contraponto a Guerra Junqueiro e Fernando Pessoa, entre outras situações ilustrativas. E, claro, explica quanto, em seu entender, tal significa, para além da literatura, mesmo em termos de mutação da psicologia de um povo, no caso, do povo português.

O interessante, para o que aqui importa considerar, é como, uma vez mais, a influência da tradição e influência judaica parece ser perfeitamente clara e estudada enquanto a eventual herança árabe permanece em completa escuridão. E, de facto, de Leão Hebreu a Espinosa, de Junqueiro a Pessoa, para referir apenas os mais significativos nomes, não restam dúvidas do peso da influência judaica em Portugal não é desconhecido nem deixou vez alguma de ser atendido e estudado, mas não se passando o mesmo em relação nem ao Al-Andaluz nem ao Al-Gharb.

Todo este longo excurso afinal para reforçar apenas a pertinência, oportunidade e extrema importância da proposta de Miguel Bruno Duarte .

Afinal, não conhecendo as nossas raízes, as nossas tradições, não nos conhecemos a nós próprios; não nos conhecendo a nós próprios ficamos no mínimo «perplexos» senão mesmo perdidos; se ficarmos perdidos, é a própria nação, Portugal, que acabará também por se perder e esvair em nada, tal como hoje vemos estar já a suceder.

Há a monumental obra de Pinahnda Gomes sobre História da Filosofia Portuguesa? Há. Mas, da Patrística Lusitana à Filosofia Arábigo-Portugesa, passando pela Filosofia Hebraico-Portuguesa, não se me afigura que responda a quanto aqui ficou exposto, ou seja, à desocultação das mútuas influências das três tradições. Porém, tratando-se de uma obra inacabada, quem sabe quanto há a esperar, quanto o futuro poderá ainda dar-nos.

Tentando ilustrar com um breve exemplo, na Teoria do Ser e da Verdade, de José Marinho, muito mais do que a qualquer ligação a um pseudo-orientalismo tão ao gosto dos universitários de hoje, não podemos vislumbrar uma mesma dificuldade entre o seu conceito de espírito, ou pensamento, e a individualidade, tal como desde sempre foi questão de superior preocupação de um S. Tomás e ponto crítico de divisão entre latinos e árabes?



Mario Giacomelli, 19662/63

O cariz da filosofia portuguesa é eminente e indiscutivelmente cristão. Uma filosofia que tem entre as suas teses não poder haver Filosofia sem Teologia nem Teologia sem Filosofia, nunca o poderia deixar de ser. Conhece-se a atitude do islão perante filosofia e ausência hoje de uma Filosofia Árabe, não obstante os muito meritórios esforços de um Corbin, entre outros, para mostrarem como continuam a existir filósofos árabes, o que, não deixando de ser exacto, não implica a existência de uma filosofia árabe tal como esta expressão deve ser ocidentalmente entendida. Sabe-se também como o judaísmo é, acima de tudo, uma mística e não uma filosofia, sabe-se como Portugal, não obstante as dificuldades com Roma, desde as excomunhões da primeira dinastia até à questão do Padroado do Oriente, sempre foram uma constante, como não menos conhecido é, nunca tendo florescido a heresia nem o protestantismo em terras lusas, mantendo sempre uma tendência heterodoxa mas nunca herética, concedeu Portugal, de facto, a verdadeira catolicidade ao Catolicismo. Com tudo isto não está em causa a nossa tradição Celta e Católica, ainda que, talvez por isso mesmo, eivada de alguma heterodoxa , mas apenas a necessidade indispensável de nos conhecermos a nós próprios porque, repetimos, sem nos conhecermos a nós próprios, estamos perdidos e, connosco, Portugal.

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Atavismo Valente

Henri Cartier-Bresson, Livourne, Toscânia, 1933

Vasco Pulido Valente, na sua crónica de ontem, no Público, Sábado, 10 de Abril do ano da Graça de 2009, afirma constituir uma saloiice o apoio de Portugal à NATO na guerra do Afeganistão. Valerá a penas transcrevermos o final do texto para evitar dúvidas ou mal-entendidos: «Pensa o dr. Nuno Severiano Teixeira, e pensa evidentemente José Sócrates, que colaborar nesta fantasia (e, de caminho, entregar o Paquistão ao radicalismo islâmico) é a melhor maneira de garantir a influência de Portugal na NATO. Aqui de novo, como com Barroso, a saloiice indígena arrasa o mais leve vestígio de bom senso. A cumplicidade no erro parece uma credencial e seguir Obama um sinal de maioridade. Coisa triste.»

A crónica de Pulido Valente tem como pretexto um artigo de opinião publicado igualmente no jornal Público, no dia anterior, Sexta-feira, pelo Ministro Severiano Teixeira, defendendo e enaltecendo, em síntese, a posição afirmada pelo Primeiro Ministro, em nome de Portugal, na Cimeira da NATO, de reforço da nossa posição em meios humanos na ISAF, ou seja, no teatro de guerra do Afeganistão.

O texto do Ministro, sendo de circunstância, não é brilhante mas cumpre o seu intuito que não é senão o de reforçar, agora em nome do Ministério da Defesa e do próprio Ministro, a posição de Portugal assumida na Cimeira da NATO, tanto mais quanto, sendo formalmente o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, o Chefe Supremo das Forças Armadas, a si cumpre a decisão última sobre a efectiva concretização dessa mesma posição assumida por Portugal na Cimeira da NATO.

Entende Vasco Pulido Valente constituir a posição de Portugal um erro porque, se bem entendemos: 1) o Afeganistão é longe; 2) sendo longe, nada tem a ver connosco; 3) não tendo Portugal a capacidade de projecção de força de outras nações europeias, para já não falar nos Estados Unidos, a sua participação e contribuição será sempre exígua e, possivelmente, na sua visão, ridícula; 4) a guerra do Afeganistão estará perdida e, por consequência, tudo quanto se faça, será sempre esforço inglório e em vão.

De permeio, introduz Pulido Valente uma habilidade pouco digna da sua estirpe de analista, como se o reforço da guerra no Afeganistão tivesse como implicação necessária, intencional ou não, de entregar o Paquistão ao radicalismo islamista.

Como qualquer pessoa medianamente informada sabe, e bastará ler os artigos que o General Loureiro dos Santos tem publicado no mesmo Público para o saber, o êxito no Afeganistão está intrinsecamente ligado ao sucesso de pacificação no Paquistão. Porém, são questões, enquadramentos e âmbitos políticos completamente distintos e como tal devem ser abordados e tratados. O mandato da NATO respeita ao Afeganistão e não ao Paquistão. Misturar ambas as questões com a ligeireza que Pulido Valente faz, releva pouca reflexão, admitindo que são seja pior, desonestidade intelectual.

O Afeganistão é longe? É. Não temos nada a ver com o Afeganistão? Temos, quanto mais não seja por pertencermos à NATO e também porque, como membros da União Europeia, parte do Ocidente, não podemos deixar de estar empenhados na defesa contra o terrorismo como, acima de tudo, foi, e é, a guerra do Afeganistão. Nem tudo correu bem, muitas das estratégias seguidas foram inadequadas, terá mesmo sido um erro a invasão? Tudo isso é admissível mas o facto é que, hoje, as circunstâncias são o que são e é a partir do ponto em que nos encontramos que importa decidir. Fazer de menino birrento e dizer que assim não brinca, não conduz a nada.

Entende Vasco Pulido Valente que Portugal se deve retirar da NATO? Entende Vasco Pulido Valente que devemo-nos remeter, orgulhosamente sós, à nossa paróquia, procurando viver tão habitualmente quanto possível, renegando em definitivo as maçadas do mundo?

Portugal não tem a capacidade de projecção de força de outras nações europeias e muito menos dos Estados Unidos. É uma evidência. Todavia, na devida proporção, o contributo de Portugal não tem deixado de ser louvado por duas razões principais: 1) a qualidade dos efectivos; 2) a disposição de estarem de corpo inteiro, sem as restrições, os designados caveats, na gíria, tal como sucede, por exemplo, com as tropas alemãs. É pouco? Será, mas é a medida do possível.

O apoio de Portugal à ISAF não garante, de per si, a influência de Portugal na NATO? Talvez não, quem somos nós para o afirmar. Não obstante, qual poderia ser, qual seria, o papel e influência de Portugal da NATO quando, eximindo-se às suas obrigações e responsabilidades na Aliança, recusasse o apoio e reforço à ISAF?

Para Vasco Pulido Valente, não sendo Portugal Inglaterra, sem uma Oxford que o mereça, Portugal que nunca fez nada digno de registo ou outros não fizessem multiplicado por cem, não passa de um lugar inóspito, cheio de pacóvios a armar ao pingarelho que se vai aturando, terrível e confrangedoramente, por imposição do destino. Faça Portugal o que fizer, façam os portugueses o que fizerem, mais valera nada fazerem porque, isso mesmo, ou o seu contrário, será sempre um erro, um disparate, uma inanidade.

Coisa triste. Muito triste, este atavismo, também.

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Extensão da Plataforma Continental



Entre os projectos em que Portugal se encontra envolvido, sobressai o projecto de Extensão da Plataforma Continental(1). Um projecto de verdadeira importância estratégica, já que tanto de estratégia agora se fala, não sem profundos reflexos também económicos.

O projecto, levado a efeito pela Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, foi iniciado não sem manifesta relutância política e perante a uma confrangedora ignorância e indiferença públicas, tal o manifesto desinteresse por quem tinha o dever e obrigação de tal iniciativa dar notícia e enaltecê-la devidamente. Estávamos então em 2004.

Agora, cinco anos passados e muito mar mergulhado depois, tudo isso pouco importa já.

A um mês da entrega oficial da proposta portuguesa à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, verifica-se que o trabalho realizado pela EMEPC, sob a chefia de Manuel Pinto de Abreu, ex-Comandante da Marinha Portuguesa e Doutorado em Hidrografia, foi, de facto, notável, colocando-nos, de novo, entre as nações mais avançadas do mundo no que respeita a levantamentos hidrográficos e do estudo do solo e subsolo dos fundos marinhos, sendo mesmo uma das poucas a dispor de um ROV com capacidade de descer a 6.000 metros de profundidade e consequente capacidade para exploração de toda a área ao longo da plataforma continental.

Consultando o Portal da EMEPC, percebe-se, com facilidade, as razões porque não temos dúvida nem hesitação em classificar todo o trabalho realizado como notável. A proposta a apresentar não se rege por uma carta de intenções vagas e mais ou menos mirabolantes mas obedece a estritos critérios científicos, sendo imperativo fundar a pretensão sobre rigorosos levantamentos batimétricos dos fundos marinhos.

Dada a extensão da nossa ZEE, compreende-se que o trabalho haja sido e continue a ser um trabalho hercúleo sob todos os pontos de vista, seja simplesmente em termos de organização logística, seja em termos de coordenação e operação dos muitos meios necessários a envolver na realização das respectivas tarefas de levantamentos, seja ainda em termos de necessária capacidade científica no processamento, estudo e análise dos dados e informação obtida.


Áreas de Levantamento

Hoje, a um mês da entrega da proposta portuguesa, a perspectiva mais ambiciosa é que possamos vir a estender a área marítima sob jurisdição nacional em 1,4 milhões de km2, com possibilidade de se esconderem, entre o mar profundo, canhões, cordilheiras e montes submarinos, riquezas insuspeitas para além de todas as outras que se suspeitam ou são mesmo já conhecidas, como sejam as fontes hidrotermais, recursos biológicos e minerais, verificando-se já a existência de áreas propícias e economicamente viáveis para a exploração de cobre, níquel, cobalto prata e ouro, para além das eventuais e sempre apetecidas jazidas de hidrocarbonetos e, claro, as cada vez mais actuais potencialidades oferecidas pela biodiversidade e pelas capacidades da novas biotecnologias.

Hoje, cinco anos depois, parece começar a despertar também uma nova consciência da importância do mar para Portugal. Segundo foi já divulgado, o estudo sobre o Hypercluster da Economia do Mar em Portugal, realizado pela SAER, sob os auspícios de Hernâni Lopes e encomenda da Associação Comercial de Lisboa, a ser apresentado em breve, aponta para que o valor das actividades relacionadas com o mar possa ascender a cerca de 2% do PIB, ou seja, um valor global próximo dos 4 mil milhões de euros. Para além disso, o relatório perspectivará também, segundo consta, poder esse mesmo valor subir para percentagens entre os 10 e os 12% do PIB até 2015, representando, em termos absolutos, valores superiores a 20 mil milhões de euros anuais.

Hoje, cinco anos depois, não devemos esquecer ter sido Portugal também a primeira nação do mundo a conseguir a jurisdição de uma área para além das 200 milhas marítimas, como é o caso do Rainbow, fonte hidrotermal de significativa importância ao largo dos Açores.

Todavia, não obstante tudo quanto ficou dito anteriormente e nos deve encher de orgulho, esperança e mesmo entusiasmo, uma insidiosa interrogação nos assalta: tem já Portugal uma verdadeira estratégia para o mar?

Passeio às Profundidades Batimétricos do Rainbow




Infelizmente, afigura-se-nos que ainda não.


(1) Conceito de Plataforma Continental, em sentido jurídico, de acordo com o Art. 76º, nº 1, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, CNUM: «A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.»

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quinta-feira, 9 de abril de 2009

A Verdadeira Dimensão de Portugal

Edgar Martins - Topologies 2008

A proverbial imagem de Portugal como pobre e pequena nação periférica, sem recursos, numa Europa exuberante de riqueza, capacidade e centralidade, é pura miopia. Miopia tão mais grave quanto, imposta essa imagem por terceiros, estrangeiros ou tão só estrangeirados, hoje, para nós próprios, assim nos figuramos e representamos, sem mínima hesitação e ainda menos reflexão sobre a veracidade ou adequabilidade de tão abstrusa afirmação como disparatada figuração e representação.

Não esqueçamos que não por acaso assim sucedeu. Não esqueçamos que não por mero acaso ou desfastio proferiu o célebre Pascal a célebre piada sobre a verdade de aquém e além Pirinéus. Não esqueçamos que não por acaso moveu o Norte Protestante uma guerra sem quartel contra o Sul Católico _ não, por certo, uma Guerra Religiosa, stricto sensu, mas uma Guerra de Civilização, lato sensu, sem sombra de dúvida.

Tal referir, hoje, soa, mais do que politicamente incorrecto, desagradável, como questão de sacristia que não importa a ninguém e muito menos aos iluminados donos da História, aos doutos licenciados com direito adquirido de escreverem e reescrevem a seu belo prazer e folgar a nossa História, toda a História. No entanto, não podemos esquecer também que estamos a falar de uma época onde o sagrado e o sentido religioso da existência ainda primavam, desconhecendo-se então o actual conceito de secularização que domina, e também assombra, os dias de hoje.

Podemos discordar se tal circunstância foi a causa primordial, única, decisiva Causa de Decadência dos povos Peninsulares, para usar a celebrada expressão de Antero de Quental que, aliás, embora numa perspectiva errada, até do ponto de vista factual, muito próximo andou destas linhas de reflexão. Por certo, muitas outras causas e razões concorreram para a decadência dos povos peninsulares mas, ainda assim, tal não invalida quanto anteriormente dito. Haja como haja sido, indiscutível é que, Portugal, Cabeça da Europa, e Espanha dividiram o mundo e, tal circunstância, não podia ter deixado de gerar a sua inveja, como não deixou e a História amplamente o demonstra.

Independentemente de tudo isso, neste momento, porém, quanto acima de tudo nos importa aqui é mostrar e demonstrar como errada é essa visão de Portugal apenas como pobre, pequena e periférica nação, mais ou menos perdida no extremo da Europa, sem eira nem beira.

É um facto, Portugal está no extremo da Europa. É um facto, socorrendo-nos dos dados do L’Année Stratégique 2009, Portugal apenas dispões de uma superfície terrestre de 92.391 km2, com uma população de 10.623.032 habitantes para um PIB de $194.726 milhões de dólares americanos e um PIB per capita de 18.331 dólares americanos. É um facto, seguindo a mesma fonte, Espanha possui uma superfície terrestre de 504.782 km2, para uma população de 44.279.182 habitantes, um PIB de 1.224.676 milhões de dólares americanos, resultando num PIB per capita de 27.658 dólares americanos.


Por outras palavras, com uma superfície cerca de 5,4 vezes superior à de Portugal, com uma população cerca de 4,2 mais população que Portugal, Espanha possui um PIB global cerca de 6,2 vezes superior ao nosso e um PIB per capita cerca de vez e meia mais elevado.


Se nos compararmos com uma Holanda, com uma superfície terrestre de 41.526 km2, uma população de 16.418.826 de habitantes, ou seja, bem mais próximo das dimensões de Portugal, verificamos no entanto que possui um PIB de 662.296 milhões de dólares americanos e um PIB per capita de 40.338 dólares americanos, ou seja, um PIB 3,4 vezes superior ao português e um PIB per capita 2,2 vezes superior.


Noutro plano, se nos compararmos com uma Grécia, como quem sempre nos comparámos, dado o seu atraso, com uma superfície terrestre de 131.940 km2, uma população de 11.146.919 habitantes, um PIB de 308.449 milhões de dólares americanos e um PIB per capita de 27.671 dólares americanos, logo compreendemos também como a dimensão da superfície terrestre e o número da população não explicam tudo. Importa a posição geográfica? Com certeza, mas, nas comparações mais habituais, sempre nos esquecemos do Mar, onde reside toda a singularidade de Portugal.


Assim, se olharmos de novo, com olhos de ver, para um Mapa de Portugal, incluindo agora os respectivos limites marítimos, como ilustrado no Mapa aqui apresentado, elaborado pelo Comandante Luís Bessa Pacheco, do Instituto Hidrográfico da Marinha, facilmente deduziremos também que, para além de Portugal possuir a maior Zona Económica Exclusiva de todas as nações que compõem a actual União Europeia, constituir-se esta mesma área numa superfície 18 vezes superior à superfície terrestre, a área das Águas Interiores, mais a área correspondente ao Mar Territorial e Zona Costeira, 1,4 vezes a superfície terrestre, e se quisermos ainda ter em atenção a Área SAR (de Busca e Salvamento), estão esta área corresponde a uma superfície 62,7 vezes a superfície da superfície terrestre.




Neste enquadramento, se ordenarmos as nações, não de acordo com a superfície terrestre mas de acordo com a dimensão da Zona Económica Exclusiva mais o Mar territorial, começamos a perceber, de facto, onde reside e qual a verdadeira dimensão de Portugal:

Fonte: Wikipédia


Portugal, pobre e pequena nação periférica, mais ou menos condenada à irrelevância?

Não sejamos patetas.


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A Festa Continua!

PG09
Visto aqui das Áfricas, parece ter acabado de vez o discurso da “herança colonialista” que desculpou líderes corruptos e incompetentes e marcou décadas de projectos fracassados. Isto, em relação a Portugal, significa que se começa a reconhecer que também houve um lado positivo da nossa colonização ao longo das duas ou três gerações que somente durou o processo em prol do desenvolvimento económico e social dos africanos. Pelo menos no terreno, tanto as populações das áreas rurais (onde vivem cerca de 80% da população) como as novas gerações de jovens das áreas urbanas reconhecem esse facto. A Festa Continua!


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domingo, 5 de abril de 2009

Prioridades Trocadas

Áreas ZEE e SAR no Atlântico da CPLP


Se olharmos com a devida atenção para um mapa de Portugal, se olharmos com olhos de ver e a devida atenção para vermos o que verdadeiramente deve ser visto, logo compreenderemos, sem demasiado esforço, aquilo que poderemos designar como a nosso matriz estratégica por natureza ou excelência.

Olhando para um mapa de Portugal, situando-o no mundo, no globo, e não apenas na exiguidade do extremo oeste da Europa, exíguo território rectangular incrustado no extremo da Hispânica Península, sabendo como esse território se estende pelas águas interiores, pelo mar territorial, pela Zona Económica Exclusiva, pela eventual futura Extensão da Plataforma Continental, pela não menos importante Área de Busca e Salvamento, vulgarmente designada por Área SAR, logo se torna evidente onde reside, de facto, havendo consequente consciência disso, a nossa verdadeira matriz estratégica.

Tão evidente evidência, se é permitido o pleonasmo, surpreende por, ao longo de tantos anos parecer passar desapercebida a tantos, i.e., sobretudo a quem, governando-nos, tinha, acima de todos os outros, a obrigação de compreender isso mesmo, sem hesitação.

Paiva Couceiro, perscrutando, em seu tempo, o possível futuro de Portugal, teria advogado mesmo, segundo o relato exposto por Vasco Pulido Valente no seu livro sobre o último paladino da monarquia, dadas as dificuldades de manutenção do Império na sua integralidade e a importância de nos concentramos no Atlântico, dando especial relevo ao triângulo Cabo Verde, Angola, Brasil, o abandono de Moçambique. Talvez chocante, para alguns, mas denotando, sem dúvida alguma, indiscutível sentido estratégico.

O famigerado Ultimatum inglês foi uma humilhação para Portugal e sabemos bem como terá, inclusive, constituído significativo contributo para a queda da monarquia, uma vez considerar-se então não ter tido o Rei e o Reino capacidade suficiente para dar uma resposta à altura da situação. Talvez não fosse possível e nem legítima fosse igualmente tanta irritação com o Rei mas, não obstante, para além dos condicionalismos e aproveitamentos políticos da época, a reacção não haja porventura sido exclusivamente sentimental, resultando, no fundo, no mais fundo, de uma, quase diríamos congénita ou inata consciência da nossa situação estratégica.

Como está bem patente na nossa História, desde o reinado de D. Dinis, quando Portugal estendeu em definitivo a sua soberania sobre o Reino dos Algarves, ponto de maior relevância estratégica uma vez evitar ficarmos sob uma espécie de tenaz de Castela que, a qualquer momento, se poderia fechar, sempre que nos envolvemos em questões europeias, incluindo as castelhanas ou já espanholas, o resultado redundou sempre em dramático prejuízo para nós.

Desde as infaustas campanhas de D. Fernando, passando pelas funestas intenções de D. Afonso V e os erros de D. Manuel, a começar pelos seus casamentos e todas as demais desgraçadas Alianças estratégicas que conduziram à perda da nossa independência com Filipe II («herdei, comprei e, se dúvidas houvesse, conquistei»), até à terrível Campanha do Rossilhão, passando nós, uma vez mais, pela humilhação de vermos os beligerantes arquitectarem e firmarem, em perfeito segredo, o seu Tratado de Paz sem nos chamarem, consultarem ou sequer dado explicação ou restituição mínima, até às terríveis invasões francesas cujas tropas destroçaram, dizimaram e pilharam, sem lei nem escrúpulos, o Portugal Continental de então, preparando-se, inclusive, por Tratado assinado entre o napoleónico Estado francês e o digníssimo Rei de Espanha, a divisão de Portugal, obrigando-nos então a socorrermo-nos da ajuda inglesa que acabaríamos por pagar, entre outros aspectos menores, ou nem tão menores quanto isso, com a indirecta independência do Brasil.

Ou seja, da Europa podemos dizer, com toda a propriedade e justificação, o que sempre dissemos de Espanha: nem bom vento nem bom casamento.
Não vale a pena regressar aos idos do Estado Novo mas, se lermos as recentes memórias de Adriano Moreira, «Espuma do Tempo», logo percebemos como, ao longo de todo o Século XX, a cegueira estratégica foi a política oficial de Portugal.

Não, não vale a pena regressarmos agora ao passado, tanto mais quanto todos sabemos também quanto, após a dita Revolução de 74, perdemos, por anos, todo o senso mas, sem fatalismo, quanto agora importa é reflectirmos sobre o presente e perspectivarmos o futuro.

Ora, reflectindo sobre o presente, fácil é compreender como, integrados na União Europeia, desligados do Mar, do nosso Mar, iremos subsumir sob os interesses de terceiros até à mais completa irrelevância estratégica e, por consequência, até à mais completa irrelevância política.

Nesta circunstância, esquecidos do Mar, não obstante alguns pequenos titubeantes raios do que poderá ser um novo amanhecer, as nossas designadas prioridades políticas hierarquizam-se pela seguinte ordem: União Europeia, NATO ou OTAN e CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Se soubermos atender à importância estratégica do Mar para Portugal, logo compreendemos também como essas designadas prioridades políticas se hierarquizam por ordem errada. Na verdade, se soubermos atender devidamente à relevância do Mar para nós, da importância do Atlântico para Portugal, facilmente se compreende porque as designadas prioridades políticas nacionais se devem hierarquizar de acordo com a seguinte ordem: CPLP, NATO ou OTAN e União Europeia.

Enquanto não percebermos isso, creio, não percebemos nada; enquanto não percebermos isso, creio, estamos condenados a uma irremissível insignificância.

Cumpre-nos pensar Portugal, cumpre-nos saber atender aos seus desígnios estratégicos e estar à altura das consequentes responsabilidades.

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Retratando Portugal

PG 08

Portugal encontra-se num momento decisivo da sua História. Todos nós estamos perante um desafio de desenvolvimento e de afirmação colectiva, concretamente no âmbito da projecção económica internacional, que deriva de factores como a descolonização, a integração europeia e a globalização.

A verdade é que, face ao estrangeiro, o nosso patriotismo é actualmente fraco mas é também verdade que a nossa identidade nacional permanece ainda sólida, porque enraízada numa História de quase nove séculos que é singular e que faz de nós o Estado-Nação mais antigo e culturalmente homogéneo da Europa. Se alguém se der ao trabalho de ver um Mapa Etnográfico da Europa, documento que passou a congregar o interesse dos investigadores na sequência da queda do Muro de Berlim e da redefinição geopolítica da Europa do Leste, verá que o grau de coesão étnica e territorial de Portugal só encontra correspondência na Islândia, num conjunto de cerca de 170 unidades inventariadas, desde o Atlântico à região do Cáucaso, passando aqui mesmo ao lado pela Espanha.
No que respeita pois à nossa identidade nacional, o cenário é optimista pois temos de ter presente que 30 anos de História representam apenas 3% de 900 anos, e que portanto, partindo deste perspectiva estatística e fria, nos encontramos apenas numa fase de turbulência. Isto contraria a visão negativista com que uma parte influente das elites portuguesas, em particular os “opinion makers”, têm tratado o nosso Passado recente e antigo. Porém, faz também parte da nossa identidade nacional a tendência de valorizar o que se faz ou que vem, como é costume dizer, lá de fora. E assim frequentemente se esquece ou subalterniza o que se faz cá dentro. Numa perspectiva estratégica, isto fragiliza o nosso poder anímico e consequentemente a nossa afirmação colectiva. É que, tal como as pessoas, uma Nação é aquilo que é no presente, em função do que foi no passado e do que está a projectar ser no futuro.

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