sábado, 27 de junho de 2009

Portugal, Espanha e o TGV

Carlos Afonso Dias, Estação do Oriente, 1999

Na sua edição de Domingo passado, o Público intitulava em notícia de primeira página, «Líderes da Estremadura espanhola exigem que Portugal cumpra TGV», reportando o facto do presidente da Junta da Estremadura espanhola, do PSOE, e o seu opositor regional do PP, ameaçarem o Governo de Portugal de poderem vir a recorrer a Bruxelas de modo a obrigarem à tempestiva construção das linhas de Alta Velocidade de ligação a Madrid e a Vigo, tal como estipulado em Protocolos assinados em anteriores Cimeiras Luso-Espanholas.


O que significa neste enquadramento a expressão, «recorrer a Bruxelas», não é totalmente explícito mas, a ameaça, essa, não deixa quaisquer dúvidas.

Ao longo da semana, porém, não se viu nem ouviu uma mínima reacção do Governo Português, fosse através de um Nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou fosse como fosse e de quem fosse, ao despautério dos supracitados políticos da Estremadura Espanhola.


Relendo a notícia e ao modo como se encontra redigida, poder-se-á interpretar, numa primeira instância, constituir-se como uma notícia que, sendo ou servindo os interesses ao actual Governo de Portugal, é deixada passar por inócua de forma a incutir, a pouco e pouco, de forma subliminar, a inevitabilidade de um investimento não apenas contestável do ponto de vista do interesse estratégico nacional como já largamente contestada do ponto de vista político e financeiro.


Admitindo tratar-se de uma questão séria e de melindre no desenvolvimento das normais relações institucionais entre dois estados soberanos, a questão é para ser tratada e dirimida pelos adequados meios diplomáticos e não para ser trazida para a praça pública, em tom de tão inaceitável quanto ilegítima ingerência em assuntos internos de nações terceiras.


A notícia poderá servir os interesses do actual Governo mas o seu silêncio não serve Portugal, mesmo entendendo os referidos políticos espanhóis apenas como politicozecos regionais sem importância de maior.


Na verdade, esquecendo a elaboração sobre outras possíveis e eventuais teorias da conspiração, poderá argumentar-se não ter o Governo querido dar demasiada importância ao assunto de forma a não ter de reconhecer, explicitamente, encontrar-se a política nacional, hoje, de facto, refém dos ditames de Bruxelas e dos interesses de quem aí tem capacidade de pontificar e «pressionar», como, infelizmente, todos sabemos hoje assim ser.


Todavia, mesmo assim sendo, é triste não vermos o Governo de Portugal defender e afirmar já sequer a pouca e limitada soberania que nos resta _ se efectivamente alguma nos resta.


Do lado espanhol, porém, compreende-se perfeitamente a situação, a questão e a intenção.


Como já aqui deixámos escrito, os espanhóis nunca puderam aceitar, nem ainda hoje aceitam, a independência de Portugal porquanto tal independência sempre significou e significa o corte do acesso directo do centro, Castela e Madrid, ao mar.


A preocupação dos espanhóis pelo TGV não reside, com certeza, na pretensão e facilidade de acesso a Lisboa, à Costa do Sol, à Costa de Prata, ao Litoral Alentejano ou seja onde for, para virem passar um calmo e merecido repouso de fim-de-semana ou mais prolongada e veraneante estadia(1). O interesse dos espanhóis corresponde exactamente ao que, Henrique Raposo, na sua crónica de hoje, no semanário Expresso, advoga devermos entregar de mão beijada a «nuestros hermanos», ou seja, a definitiva transformação e plena afirmação de Madrid como o Centro, por excelência, sem contestação, de toda a Península Ibérica.


Henrique Raposo, não se afirmando favorável aos actuais planos de construção do TGV, defende, no entanto, em alternativa, a construção de uma linha de Velocidade Alta para mercadorias, ligando directamente Sines a Madrid. Proposta extraordinária que os espanhóis não deixarão, com certeza, de aplaudir e agradecer reconhecidamente.


Na verdade, se até Badajoz as mercadorias irão ser transportadas em Alta Velocidade ou Velocidade Alta, não se afigura constituir aspecto de magna importância uma vez que, deslocadas em Alta Velocidade ou Velocidade Alta, quanto importa, de facto, é que aportem a Madrid para serem distribuídas a partir daí.


O Comandante Virgílio de Carvalho não se cansou de defender em sucessivas obras de escassa repercussão pública e quase nula repercussão política, a importância estratégica para Portugal do porto de Sines, o único porto natural de águas profundas de toda a Península Ibérica, como porto de «transhippment», como se diz na gíria, não para nos ligarmos, como é evidente, a Madrid mas para, servindo eminentemente como de porto de transbordo de carga dos navios de maior calado para navios de menor calado, com capacidade proceder à respectiva distribuição por essa Europa fora, seja via Mar do Norte, seja via Mediterrâneo, permitir-lhe afirmar a sua vocação natural e inerente capacidade única como centro europeu no que respeita a todo o transporte marítimo, concorrendo directamente com portos como o de Roterdão.

Longos anos passados, muitas obras depois, falecido já inclusive o Comandante Virgílio de Carvalho, continuamos como se nunca ninguém houvesse pensado fosse o que fosse, houvesse dito, ou mais ainda, escrito, fosse o que fosse. Para gáudio e grande regozijo dos espanhóis, com certeza, e mal dos nossos pecados.

(1) Embora não se nos afigurando como primordial o transporte de passageiros da actual política espanhola no que respeita ao TGV, não podemos no entanto esquecer que uma rede de Alta Velocidade ligando Madrid toda a Península Ibérica e ao Norte da Europa, não deixa de reforçar também a sua centralidade, mesmo em termos de passageiros. Tudo dependerá, naturalmente, de futuras políticas de promoção e preços mas, com um Aeroporto de Lisboa longe do centro da cidade, com dificuldade de concorrer em termos de dimensão com Barajas, tudo se configura para que este transforme, de facto, no verdadeiro «hub» aeroportuário da Hispânia. Pelo menos assim o cremos.


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domingo, 21 de junho de 2009

Liberdade

José Manuel Rodrigues, Amsterdam, 1984
Em relação ao texto, “Ainda Sobre a Filosofia Portuguesa e Árabe», aqui posto, no Albergue Português, deixa Miguel Bruno Duarte, no blogue Leonardo, um comentário que termina com as tão inesperadas quanto surpreendentes palavras: «onde não há liberdade económica, não pode haver liberdade individual e política».


Nos dias correntes, descendentes directos e dilectos do Iluminismo, Positivismo, Marxismo e do muito actual Pragmatismo Relativista, a importância e predomínio concedidos aos aspectos ditos materiais da vida e, por consequência, à economia, afigura-se tão imediato quanto natural. Todavia, tampouco natural é quanto, muito menos, como verdadeira tradição portuguesa se poderá conceber que alguma vez o seja ou tenha sido.

Na geração anterior, a liberdade foi primordialmente identificada como liberdade política, tal como hoje, dominados pela economia, se identifica e reduz, imediatamente, a liberdade a liberdade económica.

Quem não se lembra do disparate dos famigerados Capitães de Abril ufanos e orgulhosos de terem outorgado a liberdade aos portugueses como se possível fora alguém outorgar, recusar ou retirar, a liberdade a quem que seja.

Não obstante, acto contínuo, todos ou quase todos, logo aceitaram, primeiro, para depois adoptarem e serem subjugados pelas famosas «liberdades» outorgadas, quedarem completamente reféns dos já irremissivelmente prevalecentes quadros mentais marxistas _ tal como ainda hoje sucede, com as mesmas dramáticas consequ~encias de tudo continuar a igualmente condicionar e a corromper.

Referir as «liberdades» materiais em detrimento da liberdade enquanto princípio, sempre teve, porém, um muito bem determinado e exacto objectivo: uma vez negada a mesma liberdade, todos escravizar, sem obstáculo, aos mais rasteiros e falsos idealismos do dito materialismo histótico.

A noção de liberdade surge com o alvor da filosofia, na Grécia, sendo plenamente confirmada no Cristianismo.

Como princípio, i.e., como o que não depende de nada e de que tudo depende, a liberdade não é susceptível de definição mas tão só de apreensão pelo pensamento, entendendo-se aqui por pensamento, na melhor tradição portuguesa, como actividade do espírito, sendo constituinte do próprio ser do homem tal como lhe é dada ou igualmente constituinte a capacidade de pensar.

Tal como ao homem não é dado o pensamento absoluto tampouco lhe é dada uma liberdade absoluta. Ao homem, a liberdade surge-lhe como um processo ou iniciação de gradual libertação, pelo pensamento.

Afirmava Leonardo Coimbra ser o homem livre por ter a capacidade de interpor, entre a sensação e a acção, o pensamento. Por isto mesmo, afirmava também constituir primordial responsabilidade da educação, formar para a liberdade, o que, de diferente modo, podemos considerar como significando também educar para a individualidade.

Bem sabemos quanto se perdeu hoje a mais alta noção de educação. Subjugados pelas questões práticas, subjugados pelas questões económicas, a educação, reduzida a mera instrução, é sempre entendida nos estritos limites de todos preparar para a vida activa, i.e., para assunção de um lugar, de um bom lugar, no ciclo económico, na vasta cadeia da anónima produçã económica, tudo invertendo irremissivelmente.

Quanto aqui fica, em brevíssima síntese, nada é mais do que, de Leonardo a Orlando Vitorino, passando por José Marinho e Álvaro Ribeiro, alguns dos mais eminentes portugueses entre os mais eminentes portugueses de sempre, nossos superiores, para usar uma sugestiva expressão de Álvaro Ribeiro, constitui a nossa mais alta tradição, sempre afirmada em diferentes e superiores modos.

O prestígio atingido hoje pela técnica e a consequente obsessão pelas condições materiais da existência, tudo subjugando, não deixam isto mesmo verdadeiramente compreendermos já, reduzindo-nos a meros mentecaptos, ou seja, a este pobre estado em que todos, de um modo ou outro, nos encontramos.

A liberdade é sempre liberdade do espírito. Onde não houver compreensão disto mesmo, liberdade alguma poderá haver, seja religiosa, política ou económica. Aqui, supomos, é onde reside o ponto crucial de tudo quanto verdadeiramente respeita à liberdade, à verdadeira compreensão do que liberdade verdadeiramente signifique ou verdadeiramente seja.

Esquecermos tudo isto, não atendermos devidamente a quanto verdadeiramente a liberdade seja ou signifique, é apenas o primeiro passo para cairmos na mais negra das servidões, como, de certo modo, não deixa já de ter sucedido.

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sábado, 13 de junho de 2009

Interesse Nacional, Cavaco Silva e Paulo Rangel

Daniel Blaufuks, Motel, 2005

O ainda actual Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, merece-nos o maior elogio pelo modo magnífico como desempenhou o papel do novo Velho do Restelo no dia de Camões, designado também como Dia de Portugal.

O novo Velho do Restelo é o perfeito Contabilista, aquela figura, como diria o Oscar Wilde, que sabe o exacto preço de tudo mas não conhece o valor de nada. O Contabilista, o novo Velho do Restelo, capaz de alertar, para gáudio de todos, para os perigos de não se saber ver mais além do modo a melhor beneficiar e tirar de uma vantagem imediata mas sem perceber que, olhar mais para além implica também olhar para além da mera contabilidade de perdas e ganhos, ou custos e benefícios, em exclusivos termos económico-financeiros.

O novo Velho do Restelo é capaz de alertar, muito sensatamente, para os exorbitantes gastos de um projecto como o TGV mas o novo Velho do Restelo é incapaz de olhar para o mesmo projecto de um ponto de vista estratégico, se assim podemos dizer.

Todos conhecemos já as eventuais reticências do ainda actual Presidente da República Portuguesa a algumas das projectas grandes obras públicas como a do TGV. Não lhe conhecemos é um mínimo de pensamento próprio ou sequer alheio sob eventuais vantagens ou desvantagens estratégicas para Portugal dessa mesma realização, para além, claro está, de meras considerações de pura ordem contabilística.

Vemos erguer-se o novo Velho do Restelo do alto da sua majestática cátedra, vociferando assustador contra a falta de valores e pugnando, intransigente, pela «cultura do exemplo», como todos agora gostam de reverberar.


Do ainda actual Presidente da República Portuguesa nunca lhe ouvimos uma palavra de repúdio pela alteração à Constituição, vergonhosamente aprovada pela Assembleia da República, de forma a permitir a aprovação do famigerado e agora dito Tratado de Lisboa, sem recurso a qualquer referendo.

Tratado de Lisboa em que Portugal perde, em definitivo, qualquer veleidade de gestão da sua Zona Económica Exclusiva, embora o Presidente, amigo do mar, não deixe nunca de referir, como ainda agora voltou a referir no seu discurso do 10 de Junho, sermos, em virtude da nossa posição geográfica, «detentores de uma das maiores Zonas Económica Exclusivas da Europa, de um património oceânico que é único e de recursos geológicos, biotecnológicos e energéticos muito relevantes»

Palavras sempre comoventes, como sempre _ sobretudo quando vindas de quem tanto vitupera a «Retórica». E no entanto, porquê afirmar sermos «detentores de uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa»? Para não nos apercebermos que temos a maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia, assim diluindo a importância e singularidade da nossa Zona Económica Exclusiva num vago e abstracto conceito de Europa que nunca se sabe exactamente onde começa e onde acaba? E quem, que nação, nessa abstracta Europa é nosso par ou nos ultrapassa em termos de Zona Económica Exclusiva? A Noruega e quem mais?... Não é, afinal, a nossa Zona Económica Exclusiva não uma das maiores da Europa mas, verdadeiramente, uma das maiores do mundo?... Porquê ignorá-lo e esquecê-lo?...

Para o ainda actual Ministro da Agricultura, Jaime Silva, o «mar português» termina nos limites do Mar Territorial. Para o ainda actual Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, mais avisado, vê já a que irá inevitavelmente conduzir a aprovação do famigerado Tratado de Lisboa, ou seja, à perda da nossa Zona Económica Exclusiva para passarmos a partilhar, na exacta medida em que a União entender dever deixar-nos partilhar, dessa mesma futura Zona Económica Inclusiva Europeia.

Entretanto, pena temos de não termos ainda tido oportunidade de ouvir quaisquer declarações, a propósito do 10 de Junho, desse novo paladino de Portugal, o novo «player» da política portuguesa, Paulo Rangel, como o mesmo se intitula.

«Pelo interesse nacional, assino por baixo», lia-se num dos cartazes que enxameavam profusamente as nossas estradas durante a campanha para as ditas Eleições Europeias ou Eleições para o Parlamento Europeu.

Tão singular e significativo cartaz não podia, com certeza, deixar quem quer que fosse indiferente, pela ousadia, e, quem sabe, quase até comover por ver alguém, num momento em que todas as atenções se centram na hoje omnipresente União Europeia, parecia querer, acima de tudo, preservar uma sã e genuína perspectiva portuguesa das políticas dessa mesma cada vez mais sufocante e omnipresente União Europeia.

Paulo Rangel, parece ter também, além do mais, a vantagem adicional de ser uma figura de uma nova geração de políticos surgida e crescida, não à sombra dos partidos, mas aportada à política depois de uma significativa afirmação individual e profissional no que hoje, pomposamente, se designa como sociedade civil. Ou seja, uma geração descomprometida, segundo se afirma, com as tradicionais e não muito recomendáveis práticas partidárias, envolvida na política apenas por razões de entendimento de haver, ou terem, enquanto portugueses, uma superior missão a cumprirem perante si mesmos e os seus compatriotas. Em síntese, uma superior consciência de dever, quais novos Cíceros, se assim podemos dizer, perante a República.

Não teria, assim, Paulo Rangel, algo a dizer?

Assim o cremos. E tanto assim o cremos que, na ausência de novas declarações, das suas sempre preclaras palavras, pegamos, com redobrado interesse, na sua obra, «O Estado do Estado», recentemente lançado, com a devida pompa, circunstância e os mais altos encómios dos seus pares e dos ditos meios de comunicação, perscrutando as palavras não ditas mas almejadas.

Lendo e relendo as altas, reflexões, meditações e pensamento do autor agora novel deputado Europeu, sobre Portugal, a Europa e os presumivelmente preconizados princípios de orientação a que devem obedecer, na actualidade, as relações entre Portugal e a União Europeia, chegados ao capítulo, «Em Defesa da Constituição Europeia», generosa e profusamente, esclarecidos somos.

Paulo Rangel é um federalista porque, afirma, a páginas 129, na sua prodigiosa fantasia, «os esquemas federais defendem mais o Estado federado das ingerências e intromissões abusivas do centro. Numa palavra, numa estrutura federal, os Estados mais débeis são mais iguais aos Estados mais robustos».

Não sabemos que exacto conceito de Estado tem Paulo Rangel, sabendo igualmente difícil entender quanto pretende realmente significar com «Estados débeis» e «Estados robustos» mas, seja como for, a subtileza de referir os «esquemas federais» para não falar em Estado Federal, a tudo se sobrepõe, expressando do melhor modo os extraordinários dotes retóricos do novel «player» da política portuguesa.

Para além disso, Paulo Rangel o Federalismo por ser também, nas suas palavras, «a verdadeira condição da possibilidade de uma democracia europeia», porque, como se reproduz a páginas 130, «o défice do projecto europeu está no lado processual da democracia». Ou seja, «os valores a prosseguir não devem ser preexistentes, mas deverão ser «democraticamente» escolhidos em cada momento e por cada geração. No essencial, esse procedimento traduz-se no apuramento da vontade da maioria e na prevalência dessa vontade maioritária como vontade popular».

Estamos esclarecidos: os valores são uma questão da «vontade da maioria» e, por definição, essa vontade maioritária «deve prevalecer como vontade popular». Nessa circunstância, porém, talvez não pudéssemos era contar com os superiores dotes retóricos e de oratória de Paulo Rangel no Parlamento Europeu, a bem, com certeza, dos «Estados mais débeis», na medida em que preconiza também, no parágrafo seguinte, a «criação de um «espaço europeu» onde releve – onde releve efectivamente – a decisão maioritária dos cidadãos europeus. O que implica aceitar sem contemporizações, um nível de decisão que escapa ao controlo e à presa dos Estados-membros (embora pertença, de direito, e por direito, aos seus cidadãos)». Ou, como dito mais sofisticadamente, a páginas 131: «só o federalismo consagra um verdadeiro mecanismo de separação (vertical) dos poderes entre os Estados e a União».

Num ponto, todavia, Paulo Rangel está absolutamente certo. Como se reproduz a páginas 132, «a questão da adopção de uma Constituição pela União Europeia apresenta-se, no essencial, como uma questão falsa: com efeito, quer se goste quer não, já existe (ou preexiste) uma Constituição Europeia e um Direito constitucional europeu».

Infelizmente, Paulo Rangel está certo. Não existe formalmente uma Constituição Europeia mas existe informalmente e, mais grave do que isso, uma vez sobrepor-se o direito europeu aos direitos nacionais, na verdade, a diluição dos estados europeus num Estado Europeu, é já um facto, com ou sem Constituição Europeia, com ou sem a plena afirmação dos «esquemas federalistas», para usar a bela expressão de Rangel.

Tudo isto, porém, é apenas uma brincadeira. Grave, muito mais grave, é quando chegamos a páginas 138 e Paulo Rangel, se arvora em intérprete dos destinos de Portugal e se põe a discorrer sobre «Portugal: Quinto Império ou Europa».

Como seria quase inevitável, Paulo Rangel não deixe de começar por explorar os lugares comuns das mais ordinárias interpretações do Quinto Império, não deixando de citar desde Fernão Lopes até Camões e, claro está, o Padre António Vieira, chegando ao desplante de escrever, referindo-se sempre ao que imagina ser o Quinto Império: «Em Vieira, inscreve-se num plano ainda parcialmente temporal, físico ou político (de legitimação da Restauração); mais tarde, num plano puramente espiritual ou cultural até chegar à completa desmaterialização da pátria, do território e da geografia («a minha pátria é a língua portuguesa», diz Pessoa)».

Para além da disparata verborreia à qual já nos começamos a habituar, como sendo da mais elementar evidência a patetice da «desmaterialização da pátria, do território e da geografia», o abuso de Fernando Pessoa é mais grave.

Não seria, por certo, esperar de Paulo Rangel uma exímia interpretação de Pessoa mas usar uma frase infeliz, disparatada e errada, como muito bem viu Álvaro Ribeiro, para fins anti-patrióticos e anti-nacionais, já se nos afigura excessivo. Tivesse Paulo Rangel algum lido e meditado seriamente quanto Fernando Pessoa escreveu sobre Portugal e teria, com certeza _ enfim, quero ainda crer que teria com certeza _ vergonha da sua abusiva interpretação das palavras de Pessoa.

Porém, no parágrafo seguinte, tudo luminosamente se explica: «Se passarmos pelo pensamento português – ou melhor, pelo pensamento sobre o «ser» português -, de meados do século XIX para cá, passaremos decerto por uma inabarcável diversidade, que pode ir de Oliveira Martins a Álvaro Ribeiro, de Pascoaes a Agostinho da Silva, de José Marinho a António José Saraiva, de Cunha Leão a Jorge Dias. A marca do Quinto Império, de um ou outro modo, cava sulcos fundos e largos em todos eles e a Europa».

Não sabemos onde Paulo Rangel foi buscar, ou talvez saibamos, tantos nomes para citar, alguns sendo mesmo dos mais ilustres de Portugal, que, manifestamente, não leu. Tivesse-os lido e não os juntaria desta forma, com esta patética displicência, como se tudo o fosse o mesmo, para, ainda por cima, singularizar os ditos de um literato subido, nos melhores dias, a crítico literário, Eduardo Lourenço, apresentando-o como o grande pensador de Portugal e da Europa. E, é claro, quando, acto contínuo, para dar aquele ar culto que qualquer novo «player» deve ostentar, não se coíbe mesmo citar um completo estrangeiro, súbdito de Sua Majestade o Rei de Espanha, auto-expatriado para não «viver e morrer entre brutos» impermeáveis ao seu génio, o muito afamado comunista José Saramago, percebemos o quanto Paulo Rangel não pensa nem se interessa verdadeiramente nada, de facto, por Portugal.

Por isso, arvorado agora em profeta, fecha o capítulo sobre o capítulo «Em Defesa da Constituição Europeia», discorrendo sobre o Sexto Império: «A ironia da história – verdadeiramente digna de figurar numa história da ironia – consiste, pois, nesta opção europeia de Portugal. Não só não há sinais da constituição de um império – o quinto, o português -, como parece sancionar-se a «integração-dissolução» de Portugal num outro espaço imperial. Um espaço em que pretensamente hipoteca a sua «soberania» e perde poder de mando, em que se mistura, dissolve e anula em vez de triunfar».

Não é ironia. Paulo Rangel, naquilo que é negativo, está quase sempre certo. Infelizmente, é mesmo assim. Portugal está a diluir-se na União Europeia e não tem quem o defenda.

Paulo Rangel fica muito satisfeito porque, no Euro 2004, ainda vislumbrou o orgulho da identidades!... Chegados ao futebol como último reduto da identidade, nada mais haverá a acrescentar.

Paulo Rangel vislumbra também um Sexto Império: «Um império em que os portugueses, sem prescindirem da identidade cultural e de autonomia política, partilham com os restantes cidadãos europeus um projecto político humanista. Ao cabo e ao resto, algo que estará decerto mais próximo da filosofia cristã do que está o lado glorioso, onírico e triunfal do Quinto Império original».

Valerá ainda a pena comentar este delírio?...

Diz-se que Paulo Rangel é formado em Direito. Nós acreditamos, não temos razões para duvidar mas, no fundo, no fundo, interrogamo-nos sempre sobre quem , no fundo, no fundo, é este novel «playe» da política portuguesa.

A resposta surge, inesperada mas luminosa, numa entrevista do «player» ao jornal «i», na edição de 19 de Maio passado quando, ao terminar a entrevista, falando sobre a dita homossexualidade, afirma «preferir uma engenharia social gradual». Aqui, tudo se esclarece: Paulo Rangel, o novel «player» da política portuguesa, é, acima de tudo, considera-se, acima de tudo, como um Engenheiro Social.

Estamos bem entregues.

O Ministro da Agricultura, Jaime Silva, o Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, o novo «player» da política portuguesa, Paulo Rangel, não estão sozinhos, estão mesmo muito bem acompanhados, inter pares. Nós, portugueses, é que estamos sozinhos _ a maior parte das vezes sem plena consciência disso, a maior parte das vezes retirar as devidas ilações disso mesmo. É triste mas é assim.


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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Jaime Silva, o Mar Português e as Pescas


Rui Fonseca, Litoral, 93-99

«Temos uma frota sobredimensionada para a capacidade de pesca que existe no mar português. Só temos possibilidade de pescar até às 12 milhas. Para lá disso é gerido a nível comunitário e a nossa costa tem pouco peixe. E ter quotas a nível mundial é cada vez mais difícil porque hoje toda a gente tem uma política de sustentabilidade dos recursos marinhos. Logo temos que passar das 3 mil toneladas de pescado em aquacultura para as 20 mil, e vamos passar já a partir do próximo ano. Em termos de captura no mar temos que dizer ao sector que a sustentabilidade é a única forma de termos peixe no futuro, no mar. Portanto temos que reestruturar o sector, dar algum dinheiro para os abates para que as empresas possam manter-se, dar apoios para a diversificação e instalar aquacultura de alto mar, com outra qualidade».


Estas extraordinárias afirmações terão sido proferidas pelo ainda actual Ministro da Agricultura, Jaime Silva, numa entrevista ao semanário Expresso, tal como transcrito, em caixa, na sua edição de 5 de Junho passado, no suplemento de Economia.


Afirmações extraordinárias, afirmamo-lo, porque logo ficamos a saber, antes de mais, o mar português confinar-se, para o Ministro Jaime Silva, ao designado Mar Territorial. Talvez valha a pena, por isso mesmo, antes de prosseguirmos, refrescarmos a memória sobre alguns conceitos básicos no que respeita às convenções internacionais sobre Direito Marítimo:


- A soberania do Estado costeiro estende-se, para além do seu território e das suas águas interiores, a uma zona e mar adjacente designada pelo nome de Mar Territorial, onde se engloba também todo o espaço aéreo sobrejacente a essa mesma área bem como o respectivo leito e subsolo.


- Na área contígua ao seu mar territorial, exactamente denominada como Zona Contígua, o Estado costeiro pode assumir as necessárias medidas de fiscalização tendo em vista: a) evitar as infracções às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários respeitantes ao seu território e correspondente Mar Territorial; b) reprimir as infracções às leis e regulamentos em vigor no seu território e no seu mar territorial.


- No que respeita à designada Zona Económica Exclusiva, o Estado costeiro exerce Direitos de Soberania para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos e não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras actividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos. Nesse âmbito, o Estado costeiro exerce igualmente Jurisdição no que se refere a: a) colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas; b) investigação científica marinha; c) protecção e preservação do meio marinho;


- No que respeita á Plataforma Continental, o Estado costeiro exerce Direitos de Soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.

Em termos sintéticos, o Mar territorial estende-se até 12 milhas náuticas, a Zona Contígua até às 24 milhas náuticas, a Zona Económica Exclusiva até às 200 milhas náuticas, podendo a Plataforma Continental vir a estender-se até às 350 ilhas náuticas de acordo com regras estipuladas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tal como podem ser consultadas na página da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental.


Não podendo admitir desconhecer o Ministro Jaime Silva quanto se acaba de expor, a confusão estabelecida entre Mar Territorial e Mar Português só pode ter uma finalidade: conduzir, por um lado, os portugueses a confundirem igualmente Mar Territorial com Mar Português e, por outro, a esconder as cedências de soberania já feitas em termos de ZEE em favor da União Europeia, dando, mais gravemente, o ar de quem se preocupa e ocupa, empenhada e denodadamente na defesa dos nossos interesses, confinando o Mar Português ao mar Territorial _ afinal, resumindo-se tudo a uma falta de pescado no «mar português» e uma premente questão da sua sustentabilidade, tudo quanto poderia ser feito parece estar a ser feito no que respeita ao «mar português», mais não se podendo fazer, a mais não se sentindo nem sendo, consequentemente, obrigado.


No todo, porém, o raciocínio do Ministro Jaime Silva não deixa de ser, própria ou apropriadamente dito, uma espécie de «pescadinha de rabo na boca»: tendo Portugal, metódica e sistematicamente voltado as costas ao mar a seguir á dita Revolução de 74; tendo, metódica e sistematicamente abandonado o sector das pescas à sua sorte ao longo das últimas décadas, com especial fervor, sobretudo, a partir da entrada na CEE; reduzindo metódica e sistematicamente a frota nacional com o engodo das contrapartidas pelo abate, sem qualquer sentido estratégico, e alienando por completo os seus direitos sobre a ZEE, chegamos ao ponto, de facto, em que se torna legítimo falar de sobredimensão da nossa frota. Bastará, aliás, olhar para os nossos vizinhos espanhóis para percebermos como a nossa frota está sobredimensionada, sobredimensionadíssima mesmo!...


É cada vez mais difícil «ter quotas a nível mundial»? Com certeza, mas não teria sido possível negociá-las em devido tempo? Não teria valido a pena a pena, uma vez mais, olharmos para os nossos vizinhos?... Mas, acima de tudo, não estamos aqui, uma vez mais, a desviar também as atenções? Afinal o que têm as dificuldades com as «quotas mundiais» a ver com a nossa ZEE? Temos a nossa frota sobredimensionada para a nossa ZEE? Não quererá dizer o Ministro Jaime Silva que, alienando a gestão da nossa ZEE à União Europeia, o que tem sido difícil é negociar quotas, por mais ridículo ou caricato que seja, com a própria EU?...


Facto é que, uma vez aprovado o famigerado Tratado de Lisboa, a gestão da nossa ZEE passa em definitivo para as mãos, braços e sabe-se lá que mais da União Europeia. Previdente, o Ministro Jaime Silva dá já o facto como consumado e, tudo quanto se lhe afigura necessário e patriótico, é prosseguir o abate da nossa «sobredimensionada frota» em boa ordem, i.e., de acordo com os interesses e ordens da União Europeia.


Infelizmente, o Ministro Jaime Silva não está só _ está até muito bem acompanhado.



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