domingo, 20 de junho de 2010

Comentário


José Manuel Rodrigues




«Não rir, não chorar, tudo tentar compreender»
Bento Espinosa


Quando Miguel Bruno Duarte refere o suposto carácter sentimentalista do nosso comentário respeitante ao seu comentário à conclusão do conjunto de textos a que se deu por título «O Drama de Portugal», não pudemos evitar um suave sorriso.

O sentimentalismo é uma característica em que os portugueses têm uma tendência em cair dado constituírem-se como um povo com um carácter acentuadamente sentimental, como não deixa de ser notado por todos quantos se têm dedicado ao estudo das características do povo português.

É pelo sentimento que nos temos distinguido, entre outros aspectos, dos povos do norte da Europa onde a ausência de tal características, ou seu defeito, conduziu a um frio e abstracto, racionalismo, incapaz, no limite, de uma verdadeira compreensão da vida e da correspondente transcendência.

Nós, portugueses, não opomos pensamento e sentimento como tendencialmente sucede com nórdicos. Para nós, portugueses, o pensamento engloba sempre, como não poderia deixar nunca de englobar, o sentimento, tal se encontra luminosamente exposto por José Marinho na sua introdução à Teoria do Ser e da Verdade, «desde a sensação à ideia todo o pensamento por mais modesto liberta».

Quando, porém, essa mesma característica se dá em excesso, então sim, cai-se no sentimentalismo, correspondendo também, tendencialmente, a uma desordenação do pensamento por uma tão dominante quanto exacerbada e avassaladora emoção.

Não se nos afigurando termos caído em tal excesso e sabendo como, por vezes quanto mais detestamos no próximo é quanto não queremos reconhecer em nós próprios, sorrimos.

Tudo quanto o comentário ao primeiro comentário de Miguel Bruno Duarte pretendia acentuar era tão só a tão portuguesa virtude da esperança. Como distinguia e acentuava Álvaro Ribeiro, os portugueses, ao contrário de franceses, por exemplo, exactamente decorrente dessa mesma intrínseca virtude da esperança, não são um povo de dúvida mas de crença.

Quanto se nos afigurou inadequado o comentário de Miguel Bruno Duarte foi ter subsumido todo o universo dos membros da comunidade universitária numa espécie de mesma classe, um pouco, como referimos, como Marx fizera em relação às ditas «classes sociais».

Tal comentário, ou reparo, como se verifica pelos comentários seguintes, enfureceu a tal ponto Miguel Bruno Duarte que, possuído por uma avassaladora emoção, logo passou a subordinar todo o pensamento ao sentimento, perdendo-se, por completo, da questão essencial em debate.

O ponto essencial em debate era tão somente este: não obstante tudo quanto a Universidade, como instituição, personifica de errado, devemos sobretudo atender à individualidade de cada um dos seus membros porque, na nossa perspectiva, não é correcto nem legítimo estigmatizar cada um dos seus membros como se nada mais fossem senão a reprodução fiel e exacta de todos esses mesmos erros que verificamos serem personificados pela Universidade como instituição.

Como portugueses, e até mesmo de um ponto de vista filosófico, entendemos constituir sempre um erro inaceitável a condenação de seja quem for senão pela afirmação positiva ou negativa da sua individualidade. Condenar seja quem for apenas por se encontrar, de algum modo, ligado a uma instituição como a Universidade, afigura-se-nos um erro inaceitável.

Miguel Bruno Duarte bem podia e pode argumentar que a própria selecção verificada na Universidade sempre conduz a uma escolha que, no limite, irmana todos os escolhidos numa mesma matriz de pensamento e procedimento.

Ora, não obstante a tendencial veracidade de tal argumento, ainda assim não podemos, como portugueses e de ponto de vista filosófico, deixar de sobrevalorizar a individualidade de cada um em relação a um abstracto colectivo que poderão ou não verdadeiramente representar.

E mais do que isso, a Universidade não se resume às Faculdades de Letras e aos departamentos de Filosofia. A Universidade é mais, muito mais do que isso, a Universidade não é sequer a geração que nos precede nem sequer já a nossa geração, das quais pouco ou nada há já a esperar, mas as novas gerações que, educadas sob as condições em que todos sabemos terem sido formadas, ainda assim, mantêm, de um ponto de vista individual, um genuíno amor a Portugal e à verdade que não podemos, de forma alguma, ignorar nem, muito menos, repudiar, devendo até termos a obrigação de sabermos devidamente valorizar. É para essas gerações, novas gerações, gerações sacrificadas, sufocadas, dilaceradas por anos e anos de desnorte na Educação, que importa escrever, intervir, como vulgarmente se diz, não em nosso nome mas em nome de Portugal.

A ironia de tudo isto é que tudo isto que aqui se passa, ou seja, esta troca de comentários a resvalarem, de súbito, para a pura emoção, personalizando tudo, não deixa também de ser sina bem portuguesa, contrapartida negativa do tão característico sentimento que, exacerbado, sempre conduz à subjugação do pensamento ao sentimento, logo impedindo, por consequência, um verdadeiro diálogo, i.e., a busca da verdade através do logos.

E suprema ironia de tudo isto é tudo isto suceder quando um dos interlocutores logo afirma os típicos tiques de tudo quanto a Universidade tem de pior, tal como sucede, infelizmente, com o Miguel Bruno Duarte.

Antes de mais, o tão típico gosto universitário de sobrevalorizar a forma sobre o conteúdo, procurando sempre esmagar o interlocutor com uma suposta erudição superior e uma hipotética exigência de rigor científico completamente vazios ou, pelo menos, absolutamente irrelevantes para o diálogo em questão.

Chocado, muito chocado, pelo paralelismo entre o modo como entendemos que classificava os universitários tal como Marx classificava os indivíduos em «classes sociais», Miguel Bruno Duarte pretendendo corrigir, diz exactamente o mesmo numa expressão de suporto maior rigor «lógico» mas que, em boa verdade nada acrescenta ou corrige mas apenas expressa o típico tique universitário de alardear erudição e rigor «científico» de modo a impor de imediato ao interlocutor o estigma da ignorância e, consequentemente, a sua indignidade de dialogar num mesmo plano.

Acto imediato, quando não se entende o que o interlocutor afirma, nem esforço algum se faz para compreender, tanto mais quanto, estigmatizado já com o véu da ignorância, digno não é já senão do mais completo menospreza e desdém.

(Ao Miguel Bruno Duarte, não sendo em rigor um universitário, não o farei passar pela indelicadeza de lhe explicar o paralelismo com a biologia)

Essa típica atitude universitária é, de facto, tudo o que há de pior na instituição porquanto procede e resulta sempre na «cousificação do pensamento», para usar a expressão consagrada de Leonardo Coimbra.

Na verdade, obcecados pelo instituto do exame, os universitários vivem no pavor de serem apanhados em falta, sobrevalorizando sempre o pensamento pensado sobre o pensamento em acto.

Muitas, fortes e antigas justificações haverá para se ter chegado a tal situação e tal atitude mas, independentemente dessas mesmas justificações, hoje, quanto se verifica na Universidade é a incapacidade de ver e valorizar o erro luminoso em detrimento do acerto acéfalo.

Como indivíduo, ao homem cumpre-lhe pensar correndo o risco de errar e é sempre preferível errar de moto próprio do que acertar por mérito alheio, preceito que a Universidade não partilha e de forma alguma aceita. E é exactamente este, na nossa perspectiva, o mais grave pecado da Universidade, todos conduzindo, a pouco e pouco, a uma espécie de psitacismo e à negação da individualidade ou capacidade real de individuação.

Não menos típica atitude universitária é igualmente o gosto de se escudarem na citação avulsa e suporem que o convívio com grandes personalidades lhes confere uma especial autoridade derivada, como se autoridade alguma passível de ser alguma vez adquirida por mera osmose intelectual.

Agastado com a questão de Marx, já em plena fúria emocional, Miguel Bruno Duarte retoma em seguida, de forma extemporânea, uma questão aqui aflorada há meses atrás, classificando-a de «gracinha».

Admitindo que «gracinha» aqui assuma o significado de brincadeira ou brincadeirazinha, impõe-se esclarecer que sobre um assunto de tão alta importância como a sua afirmação, «na esteira» de F. Hayek, segundo a qual, «sem liberdade económica não poderá haver liberdade individual e política», não só não há brincadeira ou bricadeirazinha possível como pela seriedade da questão se justifica inclusive que mais voltemos a dizer.

A liberdade é princípio, Como princípio que é, não depende de nada e muito menos da liberdade económica poderia ou poderá alguma vez dependente quedar. A liberdade é o próprio espírito e, como tal, radica no pensamento.

Compreendemos a afirmação de Hayek mas importa não confundir nunca os distintos planos da realidade.

Miguel Bruno Duarte está muito certo quando se refere à Universidade como «a poderosa organização que nos informa e modela a todos», deduzindo, «por melhor que as pessoas sejam, queiram ser ou até aparentem ser, não podem escapar ao brutal e terrível condicionamento ideológico de que a Universidade é o agente primeiro por excelência»

É este, ou era este, o único ponto, ponto crucial, sem dúvida, mas único ponto de verdadeiro e sério desacordo entre ambos. Ou seja, para nós, o indivíduo tem sempre a capacidade de se libertar, pelo pensamento, de todo o mal, por maior que seja, imposto pela Universidade. Para o Miguel Bruno Duarte, tal não é, tendencialmente, possível.

Aceitar a incapacidade de o indivíduo se libertar, pelo pensamento, é admitir tudo o que há de mais contrário à Filosofia Portuguesa, se assim podemos dizer, um vez não poder deixar de significar também, e consequentemente, subsumir a individualidade ao condicionamento externo, destituindo o pensamento de todo o seu real valor operativo ou iniciático.

Não discordamos igualmente quando Miguel Bruno Duarte afirma não olhar a Universidade às pessoas (de um ponto de vista filosófico afigura-se-me mais aconselhável a expressão indivíduo, mas isso aqui é pouco relevante), nem, muito menos, criar as condições para as fazer pensar. Porém, já não acompanhamos integralmente por incapacidade de compreender o seu inteiro alcance, quando afirma «É um instrumento do mal a que até os melhores fecham os olhos para sobreviverem».

Que a Universidade seja ou se constitua, múltiplas vezes, como um instrumento do mal, não duvidamos, mas que o seja absolutamente, já colocamos as nossas reticências.

Como diria Álvaro Ribeiro, cuja leitura Miguel Bruno Duarte teve a amabilidade de nos sugerir: «Compete à história da filosofia mostrar que a antitética do mal ao bem, não já como valores ou predicados, mas como substâncias e entes, tem sido e continua a ser uma das doutrinas mais pervertedoras da inteligência humana e causadora dos conflitos sociais».

Se, como o própria Miguel Duarte Bruno reconhece, «a Universidade não é uma entidade metafísica a pairar algures, pois ela é sobretudo o que os homens dela fazem, cada um deles em particular e de forma bastante concreta», admitindo nós que, pelo pensamento, qualquer indivíduo se pode libertar, sem exclusão dos universitários, não podemos também deixar de admitir que, pelo menos algumas vezes, a Universidade não seja necessariamente instrumento do mal, tanto quanto os mesmos universitários não sejam, por essência, entes malignos.

Quanto «a quem fecha os olhos», não podemos deixar de concordar em abstracto, mas apenas isso, uma vez ser sempre, por definição, condenável fechar os olhos ao mal, por interesse ou benefício próprios. Mas apenas isso.

Para além disso, temos, naturalmente, simpatia e respeito por todas as muitas agruras vividas por Miguel Bruno Duarte no mundo da Universidade mas, com fraqueza, mais nos importa quanto pensa sobre o sofrimento passado do que a descrição do sofrimento propriamente dito.

Não temos grandes ilusões sobre mudar a Universidade, a actual Universidade, seja por dentro seja por fora. Por isso mesmo afirmamos também como única estratégia exigir, de um ponto de vista político, a liberdade de ensinar e a liberdade de aprender, extinguindo os actuais Ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Não é uma «grande estratégia», é uma «pequena estratégia», uma forma de, a pouco e pouco, ir tornando consciente o disparate da existência de um Ministério como o Ministério da Educação e de um Ministério como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Uma «pequena estratégia», uma forma de ir tornando consciente que, a par da liberdade de ensino, ou talvez mais até do que a liberdade de ensino, importa a liberdade de aprender.

Ninguém irá dar nada de mão beijada? Evidentemente que não mas se a Universidade não é reformável por fora nem reformável por dentro, sempre se nos afigura uma «pequena estratégia» justificável e com sentido. Tão só isso, nada mais, ou tanto mais quanto, em boa verdade, o problema da Educação que estamos hoje a viver, ultrapassa em muito a própria Universidade, o que importa não deixar de ter igualmente em vista, mesmo quando se entenda que a Universidade, dominando como domina actualmente tudo e todos, de algum modo, de si faz depender a superação desse problema. Mas importa não tratar o problema da Educação como uma questão corporativa com a Universidade mas como um verdadeiro problema político, tal como é.

Talvez se justifique aqui recordar as palavras de Ferreira Deusdado já em finais do já longínquo século XIX: «A educação do Estado não pode fazer nem bons mestres nem bons sacerdotes. Pode todavia fazer bons soldados como outrora fez a dura e despótica república da Lacedemónia, e pode fazer legiões de livres-pensadores, educando-os no fanatismo anti-religioso, como está fazendo hodiernamente a tirânica e dissolvente república francesa. A educação religiosa, a educação moral e ainda o ensino geral intelectivo pertencem aos pais, é um direito sagrado do pátrio poder... Nós, povos latinos, arvoramos deploravelmente o Estado em panaceia, crendo-o atalaia da vida contra as hostilidades da morte. Em matéria ensinante, ao Estado pertence unicamente o ensino profissional ou técnico, como as escolas de guerra, marinha, etc., que não influem na íntima formação moral do homem.»

Ferreira Deusdado, uma figura igualmente completamente esquecida como, não por acaso, sucede a todos quantos representam a verdadeira tradição nacional, escrevia ainda num outro artigo, «Ensino Livre Perante o Estado», na Revista de Ensino e Educação: «A moral sem religião é uma quimera; ora, o ensino da moral, ministrado pelo Estado, não pode, segundo publicista modernos, ser religioso, porque então fere a liberdade de consciência dos ateus e dos que professam uma fé diferente da do Estado», interrogando, a determinado passo, «Qual o fim dum governo inteligente em matéria de instrução pública? É educar o povo para que por si próprio se vá habituando a esperar tudo da sua iniciativa e não do poder central».

Também podemos dizer que, mais de um século transcorrido, as mesmas palavras aplicam-se, continuam a aplicar-se, ipsis verbis, à questão da Educação. Afinal, os erros do passado persistem tanto quanto persistem os mesmos nefastos propósitos de escravização dos povos.

Em nome da quimérica, ateísta e criminosa igualdade, de uma mesma Educação para todos, para todos tornar e transformar em venerandos e obrigados servidores de um mesmo omnipotente Estado, sobre a Universidade, como afirmámos no primeiro comentário que originou a fúria emocional de Miguel Bruno Duarte, a mais terrível instituição de activa desnacionalização e militante anti-patriotismo da nossa actualidade, não temos quaisquer ilusões.

O que entendemos é que, parafraseando Jung quando se referia aos pais e às suas preocupações com a educação dos filhos, nem a Universidade poderá alguma vez fazer todo o bem que alguns imaginam nem todo mal que muitos de nós tememos. E mais do que isso, cremos absolutamente na séria, profunda e indestrutível capacidade de individuação dos portugueses, contra a qual nem mesmo a poderosa Universidade capacidade terá de contrariar.



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quinta-feira, 10 de junho de 2010

O Drama de Portugal (Conclusão)

Sarah Moon, Natal em Portugal, 1999


«A nossa ruína cultural, a nossa não lusitanidade íntima, esse é o mal que nos mina; todos os outros, por graves que sejam, podem passar, podem ter solução. Mas para aquilo que, continuado, é a morte mesma, não há solução».
As palavras são de Fernando Pessoa, o tão celebrado quão pouco lido como, menos ainda, verdadeiramente interpretado e compreendido poeta. Como o próprio também não deixava de referir, de acordo com a sabedoria popular, se «tem pouco uso o que não se presta a abuso», Pessoa tem sido o mais abusado dos poetas portugueses, todos se servindo das suas palavras a seu belo prazer e, não em poucos casos, quando não mesmo na sua maioria, revelando e manifestando tanto uma ignorância quanto uma tão indecorosa quanto arrepiante desonestidade intelectual.

Fernando Pessoa, como mais tarde soube Álvaro Ribeiro mostrar e demonstrar de forma luminosa e irrefutável, também compreendeu a verdadeira causa da decadência nacional. É certo que, hoje, enquanto Pessoa é a universalmente citada figura que todos conhecemos, Álvaro Ribeiro permanece não apenas como um obscuro mas acima de tudo proscrito autor pelo que poderemos designar, por facilidade de expressão e compreensão, como «cultura oficial».

Para se compreender exactamente o que pretendemos significar, bastará atender, nesse sentido, o que escreve, por exemplo, um literato como Eduardo Lourenço, tido como grande «pensador» de Portugal, no seu patético Labirinto da Saudade, onde, não dirá já sem aquele mínimo de compreensão interpretativa mas mesmo de honestidade intelectual, não só identifica Álvaro Ribeiro como um «salazarista» como, sem pejo, ínsinua ainda ter eventualmente beneficiado com tal atitude sob o anterior regime, como tal nunca sucedeu.

O que aqui importa, porém, não é a pequena e fraca figura de Eduardo Lourenço mas Álvaro Ribeiro que, desde 1943, pelo menos, data da publicação da sua obra, O Problema da Filosofia Portuguesa, não se cansou de chamar continuamente a atenção para a circunstância de não poder haver uma Filosofia Portuguesa sem uma Educação Portuguesa, não podendo assim, sem Filosofia Portuguesa, existir uma efectiva Política Portuguesa e, consequentemente, sem uma efectiva política Portuguesa, haver verdadeira afirmação de uma real Independência nacional.

Como é uma evidência e Álvaro Ribeiro não deixou de o salientar também, os erros de educação de uma geração pagam-se como problemas políticos na geração seguinte. E é exactamente essa a situação em que nos encontramos.

Como escreveu também Fernando Pessoa:

«Há três espécies e Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expressão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também. Outro é o português que não o é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.

Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas d’El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora, foi-se embora em Alcácer-Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele».

Ora, quando no texto anterior referimos haver uma causa para a falta de sentido do que Portugal é e, consequentemente, de qualquer sentido estratégico dos nossos mais recentes Presidentes da República, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio a Cavaco Silva, era exactamente a esta mesma causa que nos referíamos, a sua falta de educação como portugueses, não surpreende muito assim, nada terem a dizer sobre Portugal porque, em boa verdade, ideia alguma têm de Portugal, do que Portugal seja e do seu Destino ou da sua Missão.

Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio a Cavaco Silva não representam uma geração pós 25 de Abril de 74, ou seja, pós-Revolução, mas uma geração educada em pleno Estado Novo. Ou seja, o designado problema da Educação é cousa antiga, muito antiga, muitíssimo antiga mesmo. Será hoje ainda mais grave? Com certeza, mas nem no tempo do Estado Novo estávamos muito melhor.

Na verdade, na verdade, como sugere Fernando Pessoa e Álvaro Ribeiro plenamente expõe e demonstra, a reforma pombalina da Universidade foi uma das maiores tragédias nacionais que alguma vez nos sucederam. Na verdade, na verdade, o Marquês Pombal ao reformar a Universidade, pretendendo, por um lado, terminar de vez com o ensino do «abominável Aristóteles» e, por outro, impor uma visão francesa e Iluminista do Mundo, divorciou radical e irremissivelmente todo o ensino de toda a mais genuína tradição nacional, conduzindo assim à esquizofrenia nacional em que estamos ainda.

De facto, a Universidade, sucessiva e cumulativamente Iluminista, Positivista, Marxista e agora Pragmatista, sempre com um mesmo fundo materialista socializante, é que tem vindo a ser responsável por formar, ao contrário do que se afirma, não as elites da nação, mas simplesmente as ditas «classes dirigentes» que nos desgovernam desde, pelo menos, há mais de dois séculos. Cortado o vínculo com a mais séria e profunda tradição, era esperado que assim sucede-se, tal como, aliás, o próprio Marquês pretendia.

Adriano Moreira, uma das poucas figuras políticas verdadeiramente relevantes dos últimos decénios, manifestava, em recente conferência a sua preocupação pelas consequências da adopção pela Universidade Portuguesa das regras impostas pelo chamado Tratado ou Declaração de Bolonha. Em síntese, deplorando um ensino cada vez mais utilitarista e pragmatista, cada vez mais afastado das humanidades e, muito em particular, da Filosofia, Adriano Moreira exortava a Universidade a resistir e a recusar as reformas propostas por esse mesmo Tratado ou a verdadeiramente designada Declaração de Bolonha.

A preocupação de Adriano Moreira afigura-se, sem dúvida nenhuma, compreensiva. Todavia, uma breve reflexão bastará para compreendermos como, um pouco mais de humanidades ou mesmo um pouco mais de Filosofia, também não irá, de per si, conduzir a lado nenhum senão, tal como até agora, não conduziu até onde nos encontramos.

Apela Adriano Moreira para mais Filosofia? Parece bem, mas que Filosofia? Racionalismo Francês? Idealismo Alemão? Pragmatismo Norte-Americano? Não sabemos. O que sabemos, com certeza, é que para a Filosofia Portuguesa é que não apela certamente.

Mais Bolonha ou menos Bolonha não importo muito, não importa nada, mesmo. O problema não reside aí.

Há anos atrás, convidado a leccionar um Curso de Filosofia na Universidade Lusófona, Orlando Vitorino elaborou o respectivo Curriculum do seu «Curso de Filosofia Portuguesa”, submetendo-o, como mandava a Lei à superior aprovação pelo Ministério da Educação e Ensino Superior (julgamos ser esta a designação à época do dito Ministério).

Avaliado por uma Comissão Científica cuja designação exacta não recordamos, presidida por Adriano Moreira, com o intuito de zelar pela boa conformidade dos cursos universitários, o «Curso de Filosofia Portuguesa», entre outras razões, foi recusado ou chumbado, por não referir, por exemplo, figuras tão «importantes» como, por exemplo, um António Gramsci (o curriculum do Curso pode ser lido na transcrição realizada aqui por Miguel Bruno no seu Liceu Aristotélico»).

Gramsci? O que tem de notável Gramsci? Nada, a não ser ter sido um marxista que se apercebeu e doutrinou a subversão da «sociedade burguesa» não via revolucionária mas pela Educação, a começar, naturalmente pela Universidade.

Não creio, não posso crer, ter tido Adriano Moreira directa responsabilidade nesta disparatada decisão de qualquer burocrata marxista e já devidamente estrangeirado. De qualquer forma, o que este episódio ilustra é mais Bolonha ou menos Bolonha não ter qualquer relevância enquanto não se acabar de vez com o actual Ministério da Educação mais o Ministério da Ciência e do Ensino Superior e não se libertar verdadeiramente a Educação, nada haverá ou valerá a pena fazer.

Consulte-se, por exemplo a página de Internet da FCT e veja-se a quem está entregue a decisão de financiamento dos respectivos Projectos de Investigação _ aos mais doutos estrangeiros das mais doutas universidades um pouco por todo o mundo, da Europa aos Estados Unidos e Canadá. Estranho mas real.

Veja-se, por exemplo, o recente livro sobre a História de Portugal de Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, coordenada pelo primeiro, um fastidioso relato de sucessivos factos, sem um mínimo de interpretação nem compreensão. Uma História onde tudo parece ser obra do acaso ou, quanto muito, fruto de circunstâncias fortuitas.

Uma História onde não há a mais leve ou mínima procura de compreensão da própria História, a mais leve ou mínima preocupação de compreensão de Portugal, onde todas as figuras, grandes ou pequenas, agindo e movendo-se, quais títeres, apenas por força do respectivo enquadramento, deterministicamente quase, sem pensamento, sem alma, sem liberdade, sem rasgo ou intenção superior ou mesmo transcendente. Tudo «vil tristeza».

Dois exemplos bastam para se compreender a que ponto baixa esta História.

Veja-se, a esse título, os Descobrimentos, onde se dá um relato mais menos exaustivo de partidas e chegadas, quase se estivéssemos no cais a anotar as partidas e as chegadas, as respectivas rotas seguidas e descobertas realizadas, sem mais.

Exageramos? Exageramos. Mas se formos procurar o que é dito, por hipótese, a propósito de uma figura como Cristóvão Colombo, tudo é despachado num parágrafo, dando como Genovês e como figura controversa. Brilhante.

De tudo quanto de notável, absolutamente notável, no tempo de D. João II, nada fica. Nem uma palavra sobre a «Política de Sigilo», nem uma palavra para a organização do primeiro Sistema de Informações, como hoje o que poderíamos designar, sem sombra de dúvida, um dos mais admiráveis entre os mais admiráveis, tão admirável que ainda hoje confunde historiadores incautos e imprevidentes, como palavra alguma sobre o trabalho científico e mesmo de Investigação e Desenvolvimento realizado, como hoje se diria, o que verdadeiramente permitiu não só a conquista de todo o Atlântico como, mais tarde, o domínio, sem par, do Índico.

Como um parágrafo chega também para «despachar» a questão do mapa Cor-de-Rosa sem uma palavra sobre Cecil Rhodes, essa sinistra figura a quem tudo quanto de pior nos sucedeu em África nesse momento se deve. Talvez devesse Rui Ramos ler, por exemplo, um livro de Fernando Pacheco de Amorim, «25 de Abril : Episódio do Projecto Global», se não nos falha a memória, para compreender essa tão megalómana quanto terrível e assustadora figura mas cujas consequências de muitos dos seus megalómanos feitos de então, ainda hoje perduram.

Bem podem Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva lerem a História de Portugal de Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalves Monteiro…

O nosso drama é grave, profundo e bem mais antigo que nós próprios. Infelizmente é assim e ainda muito havemos de pena até que, talvez, um dia, tudo possa começar a mudar. Como, apesar de tudo, cremos e esperamos.

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domingo, 6 de junho de 2010

O Drama de Portugal (II)




Mário Soares, o segundo ex-Presidente da República Portuguesa a proferir a Conferência no ciclo organizado pelo Instituto de Defesa Nacional, IDN, dedicado ao tema «Contributos para uma Estratégia Nacional», como vimos no texto anterior, foi eloquente no seu panegírico a Barak Obama. Em Janeiro de 2009, as preocupações de Mário Soares não se referiam tanto a Portugal como, acima de tudo, a Barak Obama e ao destino dos Estados Unidos da América: «Quando falo de uma crise sistémica quero dizer que só pode ser vencida tendo plena consciência disso e atacando as suas causas, que radicam na teoria neo-liberal que conduziu o mundo a «economias de casino», ditas virtuais. É isso que é preciso mudar. E vai ser feito pela nova Administração americana de Barak Obama. Não tenho dúvidas. A sua vitória foi, por várias razões, uma vitória histórica para a América e para o Mundo».


Sempre poderíamos dizer que, para um ateu, republicano e socialista, como Mário Soares, ele mesmo, gosta de se apresentar e caracterizar, a fé manifestada na preclara visão do futuro de Barak Obama e no seu extraordinário poder e correspondente capacidade de mudar o mundo e, quem sabe, qual psicopompo, transmutar mesmo a milenária natureza da dos homens, não deixa de ser comovente. Contudo, a seriedade do tema obriga-nos, mais do que a fazermos fácil ironia, a dizermos aquilo que de facto é: confrangedor.

Aliás, toda a Conferência se encontra redigida com um único fito: propor, com base na fé ideológica da «viragem histórica» a operar por Barak Obama em todo o Mundo, sermos a primeira das primeiras nações a procederem a uma laudatória aproximação aos novos Estados Unidos da América porque, como se deverá depreender das próprias palavras do ex-Presidente da República, por tal acto ficará Barak Obama eternamente agradecido, não deixando, por consequência, com toda a certeza, de nos cumular com as mais altas mercês e reconhecimento.

Vale a pena transcrever, na íntegra, o edificante parágrafo com que, praticamente, termina Mário Soares a sua Conferência: «Portugal, o país europeu mais próximo dos Estados Unidos _ com os quais, historicamente, sempre teve excelentes relações _ tem todo o interesse em pertencer aos países que primeiro compreendam a mudança em curso e cooperem lealmente com a América na viragem histórica que vai ocorrer. Com o nosso excelente relacionamento com o Brasil e o nosso histórico conhecimento do Atlântico norte e sul, não devemos perder essa janela de oportunidade que se nos abre. Adiantando-nos, se possível. Esta é outra linha estratégica em que não devemos hesitar em nos lançar.»

Como se compreende com facilidade, é exactamente este o tipo de discurso que se designa, vulgarmente, como pura verborreia.

Portugal é o país europeu mais próximo dos Estados Unidos? Em que sentido, geográfico ou do ponto de vista dos interesses estratégicos?

Mário Soares não o afirma mas podemos suspeitar que seja à proximidade geográfica que se refere uma vez que, de um ponto vista de interesses estratégicos, como é patente e a ninguém escapa, nem mesmo ao mais distraído dos mais distraídos cidadãos, entre as nações europeias, é, indiscutivelmente dos ingleses que os americanos mais aproximam. Ora, inferir de uma proximidade geográfica uma necessária e perfeita correlação de interesses estratégicos, é, simplesmente, ridículo.


Depois, «Portugal tem todo o interesse em pertencer aos países que primeiro compreendam a mudança em curso e cooperem lealmente com a América na viragem histórica que vai ocorrer»? Que interesse é que isso, i.e., ser uma das primeiras nações a compreenderem a mudança em curso e a cooperarem lealmente com a América de Barak Obama interessa realmente? Para além de não se saber se a viragem irá ser ou não histórica, como afirma, a não ser por um acto de fé, qual o verdadeiro interesse ou vantagens estratégicas decorrentes de sermos uma das primeiras nações a compreenderem a suposta viragem histórica? Não cooperamos, como cooperámos sempre, com ou sem barak Obama, com ou sem virgaem histórica, leamente com a América? Não é isso que importa? O que pretende Mário Soares insuar ou dizer com tais palavras?


Não se entende.

Como tampouco se entende a petética referência ao «nosso excelente relacionamento com o Brasil». Necessita o Brasil da nossa mediação para se relacionar com os Estados Unidos? Necessitarão os Estados Unidos da nossa mediação para se relacionarem com o Brasil?


Com um afrancesada cultura livresca, compreende-se que Mário Soares olhe ainda hoje para o Brasil como os franceses sempre olharam para o que designam como terceiro mundo, com um misto de condescendência e comiseração. Mas nem nós somos franceses nem o Brasil é o que Mário Soares imagina. No entanto, não deixa de ser triste, e mais do que triste, patético, como afirmámos, ver um ex-Presidente da República menorizar, incompreensivelmente uma nação que, além de ser em si mesma uma potência, é, de algum modo, o melhor que Portugal alguma vez realizou, que representa ou é concomitante, de algum modo, o próprio futuro de Portugal.

Quanto à valorização do nosso «histórico conhecimento do Atlântico» nem sabemos se vale a pena comentar. Se estivéssemos a falar do tempo dos Descobrimentos, do tempo da «política de sigilo», do tempo da descoberta do Regime dos Alísios e das correntes do Atlântico, ainda seria compreensível. Mas, hoje, que «conhecimento do Atlântico» possuímos nós que seja, afinal, de tão funda e crucial importância para os Estados Unidos? Está Mário Soares a brincar ou dispõe de informações que o comum dos mortais não dispõe?


Não se alcança.


Todavia, é com base nesse vazio que vem falar da «janela de oportunidade» que se abre. «Janela de oportunidade» que se abre? Para além da expressão patusca, que «janela de oportunidade» vê Mário Soares abrir-se, sobretudo quando tudo se afigura quedar-se suspenso de um ponto crucial como é o «adiantarmos», como se, «adiantarmo-nos», constituísse, de per si, um acto de altíssimo valor para os Estados Unidos? O que é que é isto? Podemos levar o discurso de Mário Soares a sério?


Infelizmente, afigura-se-nos que sim.

Como o prórpio faz questão de esclarecer, de tudo quanto temos vindo a falar, Mário Soares refere tão só como «outra linha estratégica em que não devemos hesitar em nos lançar». Uma entre outras. Quais outras?

Bom, para além dos lugares comuns habituais, como seja o Mar e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a Língua, a massa cinzenta dos portugueses, tudo o que não estandoerrado em si mesmo, constituindo-se até como simples evidência para qualquer mente sã, nada mais sendo capaz Mário Soares de adiantar sobre tais temas, logo se compreende também como tudo isso mas não é senão leve marulhar inconsequente, sem interesse nem relevância.


E no idiossincrático estilo que o caracteriza, Mário Soares não deixa também de deplorar, uma vez mais, como todos deploram, a falta de auto-estima dos portugueses, chamando à colação, com uma falta de pudor e desonestidade intelectual, de acordo talvez com a ética republicana que tanto apregoa mas arrepiante para quem foi Presidente da República Portuguesa, o suposto dito de D. Carlos «no regresso das suas viagens a França», «Voltámos à piolheira», quando, hoje, como qualquer pessoa minimamente informada sabe, prova alguma há de D. Carlos algum vez ter proferido tal afirmação como não ser suposto, de acordo com o seu carácter, algum dia poder tê-lo feito.


Mas isso é o menos, respeitando apenas àquela insuperável veia à I República já característica também de Mário Soares, como se tivesse nascido ainda em pleno século XIX e não já em pleno século XX. O grave, o mais garve, mesmo muito mais grave, é vir defender devermos «pensar a Península Ibérica como um todo», não se coibindo de se referir a Espanha como «país irmão com interesses convergentes com os nossos».

Os interesses de Portugal e Espanha não são convergentes. Haverá interesses convergentes? Com certeza, mas, em abstracto, não se poderá considerar nunca, em tom de universalidade, os interesses de Portugal e Espanha como convergentes nem, menos ainda, pensar alguma vez a Península Ibérica como um todo, como se esses mesmos divergentes interesses de Portugal e Espanha, não fossem, em pontos cruciais, mesmo radicalmente opostos.

Surpreende muito a posição de Mário Soares? Não, não surpreende.


Infelizmente não surpreende. Como sempre, sobre Portugal, do que é Portugal e dos seus interesses, Mário Soares nada sabe, nada tem a dizer que verdadeiramente merça a pena ser ouvida.


Ramalho Eanes, o terceiro orador, deu início à sua conferência de forma promissora, citando Platão. Todavia, seduzido pelo pensamento sociológico de quem se afigura ser um dos seus principais mentores espirituais, o espanhol Rafael Alvira, logo o prólogo desce daquele plano a que poderia ter subido, ou seja, a uma reflexão sobre o Homem e o significado de Pátria, a uma mera excursão sobre o trabalho e a Sociedade Civil, a sua principal preocupação, muito louvável, por certo mas, no presente caso, absolutamente irrelevante.

O que importaria considerar seria o Conceito de Estratégia Nacional defendido por Ramalho Eanes e, nesse particular, tudo quanto afirma fica igualmente muito aquém do que seria de esperar.

Para Ramalho Eanes o Conceito de Estratégia nacional deverá definir-se a partir «da consideração conjugada, interactiva, de 3 variáveis:
• O Europeísmo, na sua versão comunitária, aberta, evolutiva e ainda de indefinido propósito final;
• Os centros de interesse de Portugal no resto do mundo, para cuja definição, como diz Adriano Moreira, se pode «recorrer a vários critérios: presença de comunidades portuguesas, (…)de filiados na cultura portuguesa; (…) o interesse pela língua derivado de necessidades económicas, científicas ou culturais; (…) interdependência política, militar, científica e tecnológica.»;
• A vinculação atlântica nacional (realidade e situações decorrentes da evolução geopolítica, quer dos Estados Unidos, quer da União Europeia.»

Não obstante, logo afirma também Ramalho Eanes: «Omitir não se pode quão difícil definir, com a necessária precisão, o nosso conceito estratégico nacional, dada a imprecisão definidora, política sobretudo, do destino da União Europeia e a «incerteza» do futuro da NATO _ no mínimo, do seu grande propósito e missão _, num quadro geopolítico de tão complexa configuração.»

Ora, para determinar um Conceito Estratégico, uma Grande Estratégia, como se poderia igualmente designar, o que importa compreender, acima de tudo e antes de mais, o que Portugal é e quais os seus interesses permanentes. Interesses permanentes esses que se encontram estreita e profundamente correlacionados, como é evidente, com a sua posição geo-estratégica que importa igualmente estudar e compreender, sem o que tudo o mais queda arbitrário e completamente vazio, para além, como é evidente, de múltiplos outros aspectos que agora não importa aqui considerar.

Ora, Ramalho Eanes não reflecte nem sobre o que Portugal é, nem verdadeiramente sobre os nossos interesses estratégicos permanentes nem sequer sobre a nossa posição geo-estratégica, limitando-se a manifestar algumas considerações de índole geral, vaga e abstracta, como seja a importância de «existência de uma Armada e Força Aérea que respondam à necessidades tradicionais ou às novas ameaças no espaço atlântico cuja responsabilidade nos cabe», não especificando a que espaço atlântico se refere, nem a que tipo de ameaças nem, muito menos, quais os meios que entende adequados a essa mesma defesa.

Refere-se Ramalho Eanes igualmente aos Países Africanos de Língua Portuguesa, afirmando a necessidade de «definição e desenvolvimento de políticas de cooperação com os PALOP capazes de perdurabilidade linguística e afectiva assegurar, em que alicerçar se pudesses políticas de cooperação mais ambiciosas e alargadas».

Ora, dos Países Africanos de Língua Portuguesa não faz parte o Brasil, parte sim da Comunidade de países de Língua Portuguesa, e se importância concede à nossa posição no Atlântico, se importância concede à nossa relação com o PALOP, não se compreende porque não há uma única referência sequer ao Brasil.

Demora-se ainda numa profusão de conselhos para a reforma do Estado, começando por determinar o propósito final de criação de um Estado «dinâmico, inteligente, estratega, selectivamente interventor, eficazmente executivo e antropologicamente liderante», logo se compreendendo porém a confusão estabelecida entre Estado e Governo, como é comum, e concedendo-lhe uma personificação algo excessiva, para dizer o mínimo, quando acrescenta esperar do Estado que seja, ou venha a ser, um Estado «forte, capaz de assumir de assumir um papel de liderança nas questões fundamentais, sendo capaz de questionar as suas responsabilidades como agente [principal] do bem comum _ e, em particular, a forma como desempenha os serviços que presta aos cidadãos», retomando aqui a expressão de Raul Galamba de Oliveira, o que pouco importa uma vez fazer suas as palavras do referido autor.

Para além disso, Ramalho Eanes preocupa-se e demora-se ainda pouco mais com alguns conselhos de ordem prática em termos de governação, das generalidades comuns no que respeita à Justiça e à Educação até à proposta de criação de um Ministério do Mar, bem como no que respeitará à necessidade, na sua perspectiva, de algumas alterações constitucionais, como seja a uma alteração das competências do presidente da República, nomeadamente, entre outros aspectos, de modo a acentuar a «interdependência democrática entre Presidente da República e Assembleia da República». Todavia, e uma vez mais, por mais meritórias que possam ser as suas sugestões e elucubrações sobre o estado, o Governo e a Constituição, no que aqui mais importava, ou seja, no que respeita à determinação de um Conceito de Estratégia nacional, pouco, senão mesmo nada, adianta.

Ou seja, encontrando-nos nós perante o discurso de três ex-Presidentes da República Portuguesa, por inerência, igualmente ex-Supremos Comandantes das Forças Armadas Portuguesas, o que constatamos é que nenhum dos três tem qualquer ideia de Portugal nem, consequentemente, qualquer Conceito Estratégico para Portugal.

Em relação à União Europeia só há encómios, como se a União Europeia fosse uma entidade una e não constituída por nações diversas com os seus correspondentes interesses estratégicos diversos, interesses esses, muitos dos quais, divergentes, opostos, conflituantes com os nossos próprios interesses. Todavia, não estudando esses interesses das restantes nações europeias, não havendo consciência dos nossos interesses, tudo se passa como se vivêssemos no melhor dos mundos possíveis, como se os interesses de todas as nações europeias fossem coincidentes, como se a própria União Europeia se encarregasse de zelar pelos nossos próprios interesses sempre que, em qualquer circunstância pudessem estar em causa.

Ó santa ingenuidade! Ó santa inconsciência! Ó santa irresponsabilidade!

E no entanto, já no final de 2008, início de 2009, conhecido era o famigerado Tratado de Lisboa e a perda da gestão de todos os seres vivos da coluna de água nossa ZEE a favor da Comissão Europeia (estamos não só a falar de pescas como de biotecnologia), mas nem um comentário dos digníssimos ex-Presidentes da República Portuguesa, eleitos, democraticamente, exactamente para zelarem pela coisa pública portuguesa.

E no entanto, já no final de 2008, início de 2009, não só conhecido era como há muito se encontrava em desenvolvimento, o trabalho da Estrutura de Missão Para a Extensão da Plataforma Continental e, não obstante, para além das vagas referências ao Mar, nem uma palavra sobre tão crucial quanto absolutamente decisivo projecto para Portugal.

Da importância ou sentido estratégico da nossa inserção na NATO, para além do reconhecimento do facto, nem uma palavra mais. E no entanto, num momento de profunda transformação, não importa avaliar a nossa posição na Organização, não importa compreendermos o valor que poderá ter ou não ter do Comando de Oeiras? Pois, nem uma palavra também, como palavra alguma sobre a Base das Lages, da nossa posição na EUROFOR e EUROMARFOR ou seja o que for.

Entretanto, porém, sabe-se o que se passou com o Comendo de Oeiras que passou a ter um Comandante francês após a reentrada de França na estrutura militar da Organização, em possível rotação com um comandante italiano, e nós, para cúmulo da vergonha, passamos inclusive a ter de partilhar o segundo comandante em rotação com os espanhóis. Comentário algum foi ouvido por parte de qualquer um dos três ex-Presidentes da República? Que nos tenha chegado ao conhecimento, nem um.

Todos referem, como é evidente, a importância da CPLP e do valor da Língua. Mas a que é que se referem verdadeiramente se estratégia alguma para a CPLP revelam, seja da Língua só têm uma noção prática, utilitária e economicista?
E poderíamos continuar mas todos terão compreendido já a situação, o drama a que chegámos: sermos governados por portugueses do ponto de vista jurídico mas estrangeiros do ponto de vista mental, do ponto de vista da formação intelectual.

E hoje, como sabemos, não estamos melhor. Visite-se, por exemplo, na Internet, a página oficial da Presidência da República e leia-se a Nota do actual Presidente, de sua graça, Aníbal Cavaco Silva:

«Esperança, confiança e sentido de futuro.

Há três ideias simples que devemos ter presentes quando falamos de Portugal, dos Portugueses e dos desafios que se nos colocam: esperança, confiança e sentido de futuro.


Esperança, porque conhecemos a forma como os Portugueses se revelam nas situações mais adversas. Por mais de uma vez, a sabedoria e a maturidade política do nosso Povo permitiram encontrar soluções para problemas aparentemente difíceis de superar.


Confiança, porque poderá ser a chave para retomarmos o ritmo de desenvolvimento económico indispensável ao progresso e bem-estar que tanto ambicionamos. Só com confiança poderemos intensificar a cooperação entre as instituições, os órgãos de soberania e o seu relacionamento com os cidadãos, de forma a concretizar o desígnio de um Portugal mais desenvolvido e mais coeso.


Sentido de futuro, porque importa que, em conjunto, possamos reinventar um rumo que nos oriente e mobilize, que nos prepare para os desafios das novas tecnologias, para a construção de uma Europa mais dinâmica e mais moderna.


Estou convicto de que o Presidente da República poderá dar um contributo inestimável para a concretização destas ideias.


Ao saudar-vos, através deste sítio, pretendo dar mais um sinal no sentido de envolvermos todos os Portugueses neste projecto ambicioso de construirmos um futuro melhor para Portugal.»

Julgamos estarmos todos esclarecidos.

Importa contudo ter noção que não é por acaso esta terrível cisão entre os portugueses e quem governa Portugal. A cisão tem, com certeza, uma causa, e essa causa é quanto importa agora apurar.


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domingo, 30 de maio de 2010

O Drama de Portugal (I)



A crise de Portugal é, acima de tudo, a crise de uma Nação que deixou de saber conceber-se como Pátria, de uma Nação que se deixou subjugar aos interesses estrangeiros e hoje se comporta como uma Nação ocupada, Nação governada por políticos que não entendem o que Portugal é, ou é para ser, sem que tal os perturbe por um momento sequer.


Situação antiga, tão antiga e tão evidente que mais surpreende hoje não é já tanto a sua persistência mas, acima de tudo, o facto de haver ainda Portugal e, mais ainda, portugueses.

Entre o final de 2008 e início de 2009, sob o alto patrocínio do então Ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira, o IDN, Instituto de Defesa Nacional, dirigido por António José Telo, promoveu, numa acção tão oportuna quanto pertinente, um ciclo de conferências subordinado ao tema, «Contributo para uma Estratégia de Defesa Nacional», com a participação de Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes, os três antecessores, como todos devemos ter memória, do actual Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Conferências essas mais tarde editadas pelo próprio IDN em obra subordinada ao mesmo título e que nos permite hoje melhor compreendermos, como iremos ver, o nosso profundo drama.

Jorge Sampaio, o primeiro dos conferencistas, logo afirma preferir a «imprudência» de falar da ambição que tinha para Portugal, projectando-a num horizonte temporal de 10 a 15 anos, dado entender ser tão constante a estratégia nacional, «ou a força das suas linhas de continuidade», que pouco mais teria a acrescentar senão repetir as mesmas grandes orientações.

E qual a «ambição» de Jorge Sampaio para Portugal num horizonte de 10 a 15 anos?

«Tal como aquando do 25 de Abril, a democracia portuguesa fez a aposta estratégica na Europa, teremos agora de ousar novas apostas, portadoras de futuro. Chegou a altura de inverter os papéis e de nos interrogarmos não tanto sobre o que a Europa pode fazer por nós, mas sobre o que nós podemos fazer por ela. Temos de apostar no reforço da solidariedade na comunidade ocidental, incluindo um esforço colectivo para garantir a estabilidade nos espaços periféricos cruciais para a nossa segurança. Temos de apostar no reforço da nossa posição internacional, através de uma diplomacia activa assente no uso intensivo dos instrumentos do soft power ¬ ¬_ a este respeito, não resisto aliás a dar o recentíssimo exemplo da proposta portuguesa de acolher alguns prisioneiros de Guantánamo, por que me parece uma excelente ilustração do que quero dizer. Temos de apostar no reforço da nossa credibilidade externa, aumentando a nossa capacidade de gerar consensos e de transmitir uma visão universalista do mundo, de saber usar de sentido estratégico e do conhecimento profundo que temos das nossas áreas tradicionais de influência _ penso especialmente na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e na Comunidade Ibero-Americana.»

Para além da tirada à John Kennedy, que fica sempre bem, a fé de Jorge Sampaio na Europa, de mais a mais, sendo um tão profundo, convicto e orgulhoso agnóstico, como sempre fez questão de publicitar, não deixa de comover.

À Europa, à União Europeia, tudo o que de melhor hoje somos o devemos, inclusive a defesa do nosso território e gentes: «com a multiplicação de ameaças difusas e o aumento dos fluxos de criminalidade internacional, é duvidoso que Portugal, com a sua situação geográfica particularmente exposta que detém, conseguisse assegurar por si só a segurança e a defesa do seu território e gentes».

A afirmação, como se compreende, sobre tudo para quem foi Presidente da República, Supremo Comandante das Forças Armadas, é grave. Se Jorge Sampaio o afirma, não temos que duvidar, mas talvez seja legítimo interrogarmo-nos:
1- Qual então o papel e o sentido da Aliança Atlântica, a NATO, e da nossa posição na mesma Aliança, sendo, ainda por cima, membros fundadores?
2- Deixo-o descansado, enquanto ex-Presidente da República Portuguesa, ex-Comandante Supremo das Forças Armadas, estarmos tão vulneráveis e dependentes da Europa, ou União Europeia, sobretudo no que respeita a uma das matérias onde menos entendimento e mais controvérsia e inoperância há nessa mesma Europa ou União Europeia?
3- Descansa igualmente Jorge Sampaio sobre a possibilidade de a Europa, ou União Europeia, decidir vir tomar conta do nosso Mar, o actual e o futuro, quando aprovada estiver a extensão da Plataforma Continental, tal como, em termos de gestão, decidiu já tomar conta da coluna de água da nossa Zona Económica Exclusiva, ZEE, com todas as implicações daí decorrentes?

À Europa devemos ainda, segundo Jorge Sampaio, a boa relação que hoje temos com os Países de Língua Portuguesa, ou seja, os antigos territórios portugueses de Além-Mar que engloba, eufemísticamente, nas «as nossas áreas tradicionais de influência»: «se não tivéssemos aderido à Comunidade e se a Europa não se tivesse constituído como um espaço unificado de integração regional e actor regulador da globalização, a autonomia de decisão política e a afirmação externa de Portugal, designadamente como parceiro incontornável da CPLP, seriam dramaticamente inferiores às de hoje».

Tem vantagem a integração de Portugal na actual União Europeia no respeita às nações da CPLP?

Aparentemente, numa primeira instância, figurar-se-á que sim. Todavia, se atendermos mais detidamente à questão, fácil é compreender também que, por um lado, essas mesmas nações não precisam de Portugal para nada no que respeita às suas possíveis relações diplomáticas e económicas com a União Europeia e, por outro, a importância da nossa relação, importância verdadeiramente estratégica, está muito para além da Europa e muito ainda além ainda do que do pequeno papel de intermediários que Jorge Sampaio parece querer atribuir-nos.

O caso de Cabo Verde é paradigmático. Dispondo hoje de Parceria Especial com a União Europeia, a quem mais aproveita directamente tal parceria é a Espanha que, através das Canárias, promove múltiplos projectos de cooperação com fundos europeus mas com a obrigação de todas as empresas contratadas para a sua execução serem de nacionalidade espanhola, percebendo-se, assim, de imediato, as vantagens que Portugal retira de pertencer à União Europeia nas suas relações com as nações da CPLP. Felizmente, porém, as nossas relações com as nações da CPLP, ao contrário das afirmações de Jorge Sampaio, estão e vão muito para além da União Europeia.

Finalmente, como seria de esperar, «com a internacionalização crescente da economia, as características sócio-económicas e com o nível de desenvolvimento que Portugal apresentava aquando aderiu à CEE, é duvidoso que tivéssemos conseguido encetar, com êxito, o ciclo de modernização do país e reforçar a coesão territorial, económica e social do país».

Se considerarmos e nos detivermos em exclusivo no momento imediatamente anterior à assinatura do Tratado de Adesão à CEE, dir-se-á que Jorge Sampaio não erra totalmente. De facto, nesse momento, a nossa situação estava longe de se poder considerar particularmente auspiciosa. Todavia, o que Jorge Sampaio são todos os desmandos realizados na sequência da dita revolução de 1974, a tomada do poder pelos comunistas, a loucura de um governo como o de Vasco Gonçalves e as nacionalizações de 11 de Março, entre múltiplos outros aspectos, que nos atrasou décadas e nos conduziu ao estado em que nos encontrávamos nesse momento e, de algum modo, nos encontramos ainda.

Aliás, basta ver que, ainda hoje, quando se fala dos monopólios subsistentes, sejam ainda do Estado ou em mãos particulares, como o caso mais evidente é o da EDP, o que se esquece é que, em grande medida, todos esses monopólios não foram senão criação do socialismo que nos subjuga e esmaga à décadas e não resultado de qualquer economia mais ou menos liberal, como sempre se faz crer.

Outras questões, porém. No que aqui importa considerar, pelo que ficou dito e transcrito do discurso de Jorge Sampaio, a Europa, seja como CEE ou a actual União Europeia, é tudo. Sobre a possibilidade de afirmação de uma visão verdadeiramente portuguesa, de uma estratégia verdadeiramente nacional, nem uma palavra, talvez com receio do «orgulhosamente sós» que tanto teme e tão atávica quanto irremissivelmente o assombra.

Seguros, na Europa, reconhecendo Jorge Sampaio a necessidade de mudarmos «porque o status quo não é sustentável aprazo», para além de nos devermos interrogar sobre o que podemos fazer pela Europa, como vimos pela transcrição feita no inicio do presente texto, outro aspecto é a «aposta» nos instrumentos de soft-power da diplomacia, seja lá isso o que for. Clausewitz dizia que a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios, quererá Jorge Sampaio significar que a diplomacia é a continuação da guerra por outros meios, os meios ou instrumentos de soft-power?

Não sabemos. O que sabemos é que não há diplomacia que o valha sem plena consciência dos interesses nacionais e da correspondente estratégia nacional que os afirme e defenda.

Ora Jorge Sampaio, começando por referir entender ser tão constante a estratégia nacional, «ou a força das suas linhas de continuidade», que pouco mais teria a acrescentar senão repetir as mesmas grandes orientações, reconhece todavia a necessidade de mudarmos e termina com estas expressivas palavras: «Isto significa também que temos de mudar a imagem de Portugal e, mais do que isso, que temos de mudar Portugal. Precisamos de um sobressalto de patriotismo, de nos unirmos para definir e aplicar com sucesso uma estratégia nacional. Não será fácil, mas vale a pena tentar porque é maior a probabilidade de assim se conseguir um melhor resultado do que com a solução ou a saída que, se nada se fizer, acabará por se impor por força das circunstâncias. Por mim, tenho a certeza _ se quisermos conseguimos».

Afinal sempre parece ser necessário «unirmo-nos para definir e aplicar com sucesso uma estratégia nacional». Mas não era exactamente esse o contributo pedido? E que teve Jorge Sampaio a dizer sobre o assunto, para além da Europa, dos sempiternos louvores a uma suposta ética republicana» que ninguém sabe o que seja, à Carta Universal dos Direitos do Homem e múltiplas outras afirmações grandiloquentes de intenções, como «desenvolver uma cultura moderna de risco, conhecimento, inovação e reforma de métodos e de mentalidades»? Muito pouco, ou mesmo nada.

Afinal, o que estava garantido no início, está em causa. Afinal, necessário sendo «unirmo-nos para definir e aplicar com sucesso uma estratégia nacional», mesmo antes de mais, sabe ser necessário mudar Portugal. O que isso significa, porém, Jorge Sampaio também não esclarece. Nem o que entende por Portugal nem por que tal mudança se exige ou exige. Ficamos a saber apenas que entende necessário mudar Portugal, para além da sua imagem, que também não sabemos qual seja ou entende ser.

E tudo isso porquê? Porque os resultados, em termos de probabilidade, serão superiores a nada fazer. Não há razão superior, apenas esta, prática e comezinha _ e, ainda por cima, incerta. Mais uma «aposta», talvez, mas tão somente isso, esperando, com fé, nos bons auspícios da lei das probabilidades.

Conclusão admirável.

Para um ex-Presidente da República, não está mal.

(em próximo texto retomaremos os discursos de Mário Soares e de Ramalho Eanes)

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domingo, 23 de maio de 2010

Salvação de Portugal

Esther Babley - 1965


Entregue o Reino, propositada ou ingenuamente, talvez mais propositada que ingenuamente, a um simples Presidente da República, Economista, ainda por cima, essa ciência lúgubre, como a designava Lord Acton ou F. Hayek, já não acertamos, Portugal evasnesce em vil tristeza, cumprindo o desígnio já profetizado por Camões, sempre que «os fracos Reis fazem fraca a forte gente».

O nosso actual Presente da República, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, segundo relato do jornal Público de hoje, terá acentuado ontem, num encontro com empresários do Norte, «Nunca o país, desde 1974, precisou tanto do contributo dos empresários privados para vencer a crise em que nos encontramos», lembrando, mais adiante, haver «oportunidades no mercado global», pedindo, consequente, um «esforço acrescido» para procederem a investimentos e parcerias competitivas, procurando, eventualmente mesmo fora da Europa, mercados para colocarem os seus produtos, acompanhados por uma aposta na «qualidade e na inovação».

Para além do costume desagradável dos nossos políticos muito gostarem de se referirem a Portugal usando a expressão vazia de «país», não nos detendo sequer no hilariante, a todos os títulos, da expressão de «empresários privados», nem a caricata exortação à necessidade de procurem a exportação dos seus produtos, com «qualidade e inovação», o que fica patente é que, para o actual Presidente da República Portuguesa, a crise se resume a uma mera questão económica, momentânea e transitória. Infelizmente, porém, assim não é.

Percebe-se que tal não possa perceber o actual Presidente da República Portuguesa. Percebe-se que não possa perceber e daí não vem mal ao mundo nem a Portugal. O que não se percebe é como, não o percebendo, seja o actual Presidente da República Portuguesa, Presidente da República Portuguesa, porque daí mal a Portugal vem já.

Compreendemos e até quase entendemos mesmo louvável, a actual preocupação do actual Presidente da República pela crise económica que afecta não apenas Portugal mas também grande parte do mundo, da Europa aos Estados Unidos. Estranho seria o inverso. Todavia, nem a preocupação com a crise pode ser justificação para uma demissão das suas altas prorrogativas nem, como deveria compreender, na crise económica reside a verdadeira causa da crise em que Portugal se encontra mergulhado há muito.

De facto, ao aprovar, recentemente, a designada Lei do Casamento dos Homossexuais (tão ridícula quanto ininteligível expressão para designar tantos quanto, segundo parece, se deliciam com práticas de cariz sexual com pessoas do mesmo sexo), o actual Presidente da República Portuguesa, naquele tom compungido que sempre o caracteriza, afirmou promulgar a dita Lei, não sem relutância, mas por exclusivas razões económicas, ou seja, dada a crise económica vivida neste momento em Portugal, não quereria, com certeza, ser acusado de juntar mais uma crise ou motivo de diversão ao combate que neste momento se lhe afigura crucial.

Da dita Lei do Casamento dos Homossexuais, para além do disparate de designar como Lei tal absurdo, tão patente e evidente é esse mesmo absurdo que qualquer comentário logo queda tão redundante quanto desnecessário.

Porém, sendo o Presidente da República vulgarmente designado também como o Supremo Magistrado da Nação, responsabilidade acrescida tinha de distinta atitude ter assumido, ou seja, obrigação tinha de, não ter confundido nem o Direito com a Moral nem, muito menos, subjugá-lo de forma avulsa a transitórios interesses de carácter económico.

A crise de Portugal não é, infelizmente, primordialmente de carácter económico. A crise de Portugal é, acima de tudo, a crise de uma Nação que deixou de saber conceber-se como Pátria, de uma Nação que se deixou subjugar aos interesses estrangeiros e hoje se comporta como uma Nação ocupada, Nação governada por políticos que não entendem o que Portugal é, ou é para ser, sem que tal os perturbe por um momento que seja. Políticos para quem a Economia é tudo quando a economia é quanto menos importa e não vem senão por acréscimo.

A causa da decadência de Portugal está também bem expressa naquela que é uma das mais importantes e decisivas obras de filosofia de séc. XX, «Refutação da Filosofia Triunfante», de Orlando Vitorino, à qual voltaremos em breve dada a recente publicação pela Imprensa Nacional da obra «Fenomenologia do Mal e Outros Ensaios», recolha de escritos de Orlando Vitorino entre os quais a mesma se inclui.

Entretanto, importa apenas assinalar como a «Refutação da Filosofia Triunfante» expõe e explicita de forma tão absolutamente singular quanto irrefutável a causa do vazio actual pelo primado concedido à Vontade por Duns Scott em detrimento do Pensamento, conduzindo mesmo Heidegger a afirmar termos chegado a um ponto que «só um deus nos pode salvar».

No texto anterior, quando salientávamos a importância da vinda de Bento XVI a Portugal, era isto mesmo que, de algum modo, se encontrava igualmente implícito.

Filósofo e Teólogo, Bento XVI, compatriota de Heidegger, compreende, sem dúvida, como poucos, a desolação do mundo actual, só passível ser ultrapassada contrapondo, ao desespero alemão, a esperança do retorno à filosofia perene de Platão e Aristóteles, conjugado com a plenitude filosófica do cristianismo, tal como preconizado pela Filosofia Portuguesa, por Leonardo Coimbra, para quem, sendo tudo « penetrado de pensamento», o mesmo pensamento reassume, de novo, irrecusável primado.

Tem Portugal uma missão no mundo? Tem, mas não é, obviamente, económica, é espiritual. E a crise que Portugal vive, a verdadeira crise que vive, não é também económica, mas de ignorância, de se ignorar a si mesmo, de ignorar a missão para a qual nasceu.


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domingo, 16 de maio de 2010

Nação Fidelíssima

José Manuel Rodrigues


Portugal é uma singularidade na Europa e no Mundo. Portugal, na expressão de António Quadros, é Razão e Mistério.

Do Mistério não é certo algo, com certeza, podermos alcançar. Da sua Razão, obrigação temos de a saber perscrutar.


De forma distinta das restantes nações europeias e um pouco por todo o mundo, o nascimento de Portugal deve-se menos a razões de ordem imediatamente política, geográfica ou seja lá o que for e que sempre se encontra na génese das nações.

Portugal é uma Pátria, i.e., determina-se, acima de tudo, pela entidade espiritual que, pelo pensamento, lhe é dado representar.

Portugal tem, por isso mesmo, uma Causa e uma Finalidade a cumprir, como seja uma particular realização da universalidade.

A matriz Cristã, e mais do que Cristã, Católica Apostólica Romana de Portugal, é inelutável.

Do Conde D. Henrique, de algum modo o nosso verdadeiro primeiro Rei a D. Afonso Henriques, a consciência da singularidade de Portugal afirmava-se já plenamente, sendo absolutamente admiráveis todos os esforços diplomáticos desenvolvidos tendo em vista a nossa independência, a qual devemos também em grande medida à acção interessada do grande S. Bernardo de Claraval, verdadeiro fundador dos Templários ao ter redigido a sua Regra.

É certo o reconhecimento da Santa Sé da nossa independência só ter vindo tardiamente, com Alexandre VI, pela Bula Manifestis Probatum, quando o nosso reino se afirmava já de forma completamente autónoma e verdadeiramente independente pela espada de D. Afonso Henriques e de todos aqueles que o seguiam e se consideravam já portugueses para todo o sempre, incluindo as Ordens Militares que sempre estiveram igualmente ao seu lado

As relações entre o Reino de Portugal e a Santa Sé nem sempre foram pacíficas, como todos o sabemos, Desde a lenda do Bispo Negro, ainda ao tempo de D. Afonso Henriques à questão do Padroado do Oriente, passando pela excomunhão do Reino ao tempo de D. Afonso IV e à extraordinária subtileza diplomática de D. Dinis em transformar os Templários na Ordem de Cristo, múltiplos foram os episódios de tensão e mesmo conflito. Todavia, Portugal sempre se manteve fiel a Roma, verdadeiramente como Nação Fidelíssima, como título que ostenta desde os idos de D. João V.

Essa matriz cristã marcou desde sempre a nossa História, tanto quanto, ainda hoje, a nossa bandeira, de inspiração maçónica, não deixa de ser no entanto a única no mundo a ostentar símbolos religiosos como sejam a chagas de Cristo.

Todavia, Portugal sempre foi também uma nação heterodoxa. As heresias nunca floresceram em Portugal e nem sequer o Protestantismo teve alguma vez significativa repercussão entre nós tal como sucederia ao tempo da Reforma por essa Europa fora e os conflitos religiosos nunca assumiram as trágicas proporções verificadas tanto em nações como a dita fleumática Inglaterra ou a racional França, para ficarmos apenas com estes dois exemplos.

Essa Fidelidade a Roma, essa fidelidade à nossa matriz cristã, e mais do que cristã, Católica Apostólica Romana, nunca significou cega subserviência ou submissão mas reconhecimento de o cristianismo constituir-se como a única religião verdadeira, para usarmos a expressão consagrada de Hegel.

Esquecem todos, hoje, ter toda essa Europa culta aprendido lógica durante séculos pelos livros de Pedro Hispano, o Papa João XXI, e, mais tarde, de Pedro da Fonseca, até Kant.

Esquecem todos, hoje, ser a Filosofia Atlântica, a Filosofia Portuguesa a preceituar não haver Filosofia sem Teologia nem Teologia sem Filosofia.

Não surpreenderá assim a recepção dispensada pelos portugueses ao Papa Bento XVI, uma grande filósofo, um grande teólogo e um grande Papa, bem consciente do vazio, ou não fosse compatriota de Heidegger , em que o mundo actual se esvai, reconhecendo-o como um dos seus.

Nação Fidelíssima, foi Portugal quem verdadeiramente realizou a catolicidade inerente à Igreja Católica, tal como, de algum modo, o reconheceu Bento XVI na sua homília no Terreiro do Paço.

Hoje, porém, os nossos políticos e intelectuais, incapazes já de pensarem Portugal, no termo da visita de Bento XVI a Portugal, surpreendem-se acima de tudo por, entretanto, terem descoberto não consistirmos mais já senão num Protectorado da Europa, perorando, comovidamente, como se nada alguma vez tivessem tido com tudo isso.

Abespinham-se muito agora por constituirmos uma espécie de Protectorado Económica da Europa? Não é grave e já se estava à espera que mais cedo ou mais tarde tal sucedesse, i.e., que tal se tornasse manifestamente explícito para todos.

Hoje, somos, comportamo-nos, como um Protectorado da Europa mas, o mais grave, não respeita aos aspectos económicos que agora todos deploram, mas, acima de tudo, à vergonhosa submissão ao dito Direito Europeu que ninguém, ou quase ninguém, reclama.

O que tudo isto revela é sermos, para usarmos uma magnífica expressão de Pinharanda Gomes, uma nação ocupada, ensinados e governados por estrangeiros desde há dois séculos e meio, imaginando-se portugueses superiores mas não passando na verdade senão disso mesmo, pobres estrangeiros que nada compreendem de Portugal.

Nação Fidelíssima, Portugal tem uma Causa e uma Finalidade a cumprir. Portugal é uma Pátria. Quanto nos cumpre é pensar a entidade espiritual que é Portugal e, desocultando a sua Causa e a sua Finalidade, tornar Portugal verdadeiramente em Acto.



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domingo, 9 de maio de 2010

O Presidente da República e o Mar

Carlos Miguel Fernandes


O actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, descobriu, finalmente, o Mar. Comovente!

No passado dia 25 de Abril, dia que passará à História, com certeza, como o dia em que o actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, descobriu o Mar, num discurso por todos notado, afirmou textualmente:

«Portugal encontra-se na periferia da Europa, mas está no centro do mundo. Somos uma «nesga de terra debruada de mar», como nos chamou Torga, palavras que recordei nesta Sala, quando tomei posse como Presidente da República. Possuímos uma vasta linha de costa, beneficiamos da maior zona económica exclusiva da União Europeia. Poderemos ser uma porta por onde a Europa se abre ao Atlântico, se soubermos aproveitar as potencialidades desse imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver».



Como pode um país, projectado sobre o Oceano Atlântico, na encruzilhada de três continentes, ver-se a si próprio como periférico?

Para além das especificidades da nossa geografia, temos a História. Num só século, revelámos à Europa dois terços do planeta, percorrendo as costas de todos os continentes. Pusemos em contacto muitos dos povos do mundo e criámos uma língua universal. Por causa disso, Portugal continua a projectar no exterior a imagem de marca de país marítimo.

Que justificação pode existir para que um país que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros países costeiros da Europa?

Porque retiram esses países tanto valor e criam tanto emprego com a exploração económica do mar, e nós não?

Temos de repensar a nossa relação com o mar. Repensar o modo como exploramos as oportunidades que ele nos oferece. Importa afirmar a ideia de que o mar é um activo económico maior do nosso futuro.

Setenta por cento da riqueza gerada no Mundo transita por mar. Devemos pois apostar mais no sector dos transportes marítimos e dos portos.

Mas também no desenvolvimento de fontes marinhas de energia, de equipamentos para a exploração subaquática de alta tecnologia, de produtos vivos do mar para a biotecnologia ou das indústrias de equipamento, de reparação e de construção navais.

Temos de incentivar a prospecção e exploração da nossa plataforma continental, cujo projecto de levantamento se encontra em apreciação nas Nações Unidas.

Pensando na combinação do mar com o nosso clima temperado, importa desenvolver as actividades marítimo-turísticas, a náutica de recreio, o turismo de cruzeiros. A par disso, temos de fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável.

A ausência de um pólo desenvolvido de indústrias marítimas é de facto surpreendente quando Portugal apresenta um conjunto de vantagens comparativas que são extremamente relevantes à escala europeia.

Às vantagens decorrentes da nossa geografia, da História e da imagem externa do País podemos ainda juntar as estratégias e políticas para o mar desenhadas nos últimos seis anos em Portugal e na própria União Europeia. Não é necessário fazer mais estudos e relatórios. Basta agir em cumprimento daquelas estratégias.

É essencial que criemos condições e incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que ligam economicamente Portugal ao mar.

Penso, desde logo, na criação de condições de competitividade e estabilidade fiscal para os transportes marítimos e para os portos portugueses, que lhes permitam, pelo menos, igualar as condições dos demais Estados costeiros da União Europeia, bem como dinamizar as auto-estradas do mar, juntamente com os nossos parceiros da União.

Sem querer transmitir a ideia de que o mar é a panaceia para todos os nossos problemas, entendo que o mar deve tornar-se uma verdadeira prioridade da política nacional.

Abraçando um desígnio marítimo seremos mais fortes, porque dependeremos menos dos transportes rodoviários internacionais, cada vez mais condicionados pelas políticas europeias do ambiente.

Seremos mais fortes porque com a exploração da energia a partir do mar poderemos enfrentar melhor os desafios da segurança e sustentabilidade energética, reduzindo a dependência do exterior e promovendo novas tecnologias.

Portugal e os Portugueses precisam de desígnios que lhes dêem mais coesão, mais auto-estima e mais propósito de existir. O mar é certamente um deles.»

É pena que o actual Presidente da muito actual República Portuguesa não tenha descoberto o Mar antes da Assinatura do funesto Tratado de Lisboa, chamando a atenção dos deputados portugueses para o erro da sua ratificação, para já não referir a época em que foi Primeiro-Ministro, sempre tão solícito em tudo quanto respeitava à actual União Europeia como incauto em tudo quanto respeitava aos supremos interesses permanentes de Portugal, como seja, por exemplo, esse «imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver», como agora afirma, afectando aquele tom de melancólica sobranceria de quem pretende sempre ver e há muito ter visto mais longe que todos os demais, ou de quem sempre «teve razão antes de tempo, para usar a já tão proverbial quanto hilariante expressão cunhada pelo sempre extraordinário e muito douto Mário Soares.

O que o actual Presidente da muito actual república Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, veio agora afirmar, como todos sabemos, não é mais senão uma síntese de tudo quanto mais importante, numa perspectiva económica, ficou expresso no «Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos», de 2004.

Hoje, porém, exigia-se, mais.

Sobretudo após a publicação do estudo dirigido por Ernâni Lopes, no âmbito da SaeR, sob patrocínio da Associação Comercial de Lisboa, intitulado genericamente, «O Hypercluster da Economia do Mar», não se afigurando o valor e a importância do Mar para Portugal sofrerem já qualquer dúvida razoável, exigia-se que o Presidente da República Portuguesa, sendo demais a mais, o Supremo Comandante das Forças Armadas Portugueses, tivesse outra a preocupação, como seja a de defesa desse mesmo «imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver», indo um pouco além do óbvio e do mero lugar-comum.

Hoje, quando já ninguém duvida do valor e importância do Mar para Portugal, há no entanto ainda quem duvide da importância de dispormos dos meios necessários à sua efectiva defesa desse mesmo imenso Mar que é nosso e tudo quanto essa mesma defesa significa e implica, mesmo em termos de eventual afrontamento da União Europeia, ou talvez mais correctamente, dos poderes dentro da União Europeia cujos interesses sempre oporão aos interesses de Portugal.

Evidentemente, bem pode o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado, devermos «fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável».

Quanto à aquacultura, nada a dizer, mas que quererá dizer o actual Presidente da muito actual República Portuguesa com o devermos «fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável»? Sustentável em que sentido? De acordo com os preceitos emanados da União Europeia, uma vez, tal como articulado no famigerado Tratado de Lisboa, a gestão de todos os seres vivos na coluna de água, mesmo no âmbito da Zona Económica Exclusiva, lhe pertencerem irrevogavelmente? Ter-lhe-á escapado tal subtileza ou não terá compreendido que, após a assinatura do famigerado Tratado, nós, portugueses, não obstante dispormos da maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia, estamos à sua mercê e só pescamos quanto suas excelências em Bruxelas decidirem deixar-nos pescar?...

Evidentemente, bem pode o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado, encontrar-se a periferia, «no mundo actual», «onde mora a ineficiência do Estado, a falta de excelência no ensino, a ausência de conhecimento, de inovação e de criatividade, em suma, a periferia está onde mora o atraso competitivo».

Alguém, porém, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, lhe poderia explicar aplicar-se tal definição tanto ao «mundo actual» como ao mundo antigo ou seja a que tempo for, como muito bem, e muito em especial, deveria o Presidente da República Portuguesa saber.

Evidentemente, bem pode o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado: «Durante muitos anos, o facto de nos encontrarmos na periferia da Europa foi considerado uma das causas principais do nosso atraso. Portugal era a Finisterra, como já os Romanos lhe chamavam. Estávamos num extremo perdido da Península Ibérica, longe das grandes vias de circulação e comércio através das quais a Europa, desde a Idade Média, construiu progresso e edificou catedrais».

Alguém, porém, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, lhe poderia ter explicado que os portugueses também souberam construir catedrais, por sinal, inclusive, algumas das mais belas e originais da Europa. Alguém, entre todos os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, poderia ter tido a caridade de lhe lembrar, entre outros, o Mestre Boitaca, como dizia, «a quem só Deus podia fazer». E para além disso, caridade por caridade, já agora, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, alguém o poderia ter igualmente elucidado que isso do nosso suposto atraso é cousa tão moderna quão pouco, na verdade, crónico, como vulgarmente se apregoa.

Evidentemente, bem pode ainda o actual Presidente da República afirmar de forma grandiloquente, como afirmou no citado discurso de 25 de Abril passado: «Tudo isto mudou no nosso tempo. A geografia deixou de ser uma fatalidade irremediável. Estar perto ou estar longe do centro não é algo que se meça em quilómetros, pois estamos no centro do mundo se tivermos o conhecimento e o engenho para tanto. Graças às novas tecnologias, não há longe nem distância. As noções de centro e de periferia foram radicalmente alteradas».

E ainda uma vez mais, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, alguém lhe poderia ter explicado nada disso ter mudado no nosso tempo, que a irremediável fatalidade da geografia tanto é de hoje como de ontem, ou é a mesma, ontem e hoje, que não convém misturar alho com bugalhos, ou seja, uma coisa são as modernas telecomunicações e outra muito distinta a comunicação física ou, mais propriamente dito, os transportes em que, por mais rápidos e aéreos meios se desenvolvam, sempre os quilómetros contam. E mais do que tudo isso, e ainda mais uma vez mais, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, alguém poderia ter lembrado que Portugal, sem os modernos meios que o Presidente da República tanto figura idolatrar, soube colocar Lisboa no centro da Europa, destruindo o império comercial de Veneza com o Oriente, em activa cooperação com os muçulmanos que dominavam então no Índico.

Há anos atrás, manifestou o actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, o seu desdém, senão mesmo repúdio, pela Retórica, como cousa não apenas menor e desprezível, mas até perversa, senão mesmo maléfica.

Alguém, entre os seus muitos conselheiros, assessores e demais acólitos, deveria ter a caridade de lhe explicar que um discurso sem Retórica, tende a cair, senão na pura verborreia, para não sermos excessivos, pelo menos na conversa desolutória, no insubstante lugar-comum.

O actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, descobriu, a 25 de Abril de 2010, o Mar. Comovente. Regozijemos.

Ao Presidente da República Portuguesa, exige-se, todavia, mais. Ao actual Presidente da muito actual República Portuguesa, de sua graça Aníbal Cavaco Silva, temos mesmo obrigação de exigirmos muito mais.


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