domingo, 27 de setembro de 2009

Os Portugueses Não São Coisa Pública



Joshua Benoliel - A Nação, 21 de Outubro de 1913

O actual Presidente da República Portuguesa, como muitos dos seus predecessores, faz questão e gala de nos insultar renovadamente a todos, afirmando-se Presidente de todos os portugueses, tal como hoje, dia de eleições, uma vez mais sucedeu.


Dispondo o Presidente da República Portuguesa, de sua graça, Aníbal Cavaco Silva, de uma largo e vasto conjunto de assessores e conselheiros, talvez fosse simpático uma dessas boas almas chamá-lo à razão, explicando-lhe, pacientemente, o disparate de tal afirmação, para não designar mesmo como patética e despropositada presunção ou pretensão.

Ou seja, alguém, uma dessas boas almas poderia, ou deveria mesmo, ter a caridade de explicar ao actual Presidente da República Portuguesas que a eleição para o cargo de Presidente da República Portuguesa significa isso mesmo, ter sido eleito para presidir à República ou Res-Pública Portuguesa, i.e., à Coisa-Pública Portuguesa, sem mais.

É certo que, nestes tempos de ignorância e estatística em que tudo quanto ao ensino respeita apenas às estatísticas respeita, sem mais, talvez demasiada ingenuidade seja supor um mínimo conhecimento haver já da distinção conceptual entre Pátria, Estado, Nação e República, mas, não obstante, afigurando-se legítimo supor, senão o próprio Presidente da República, pelo menos alguns dos seus muitos assessores e conselheiros fazerem, ou deverem fazer, parte de um certo escol da nação, obrigação haverá de, entre todos, algum perfeita consciência haver dessa mesma distinção, evitando assim que o actual Presidente da república Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva de sua graça, se exponha a tão triste figura, expondo tida a sua funda ignorância dessa mesma elementar distinção conceptual entre Pátria, Estado, Nação e República.

Em sintéticos termos, quando os portugueses elegem um Presidente, elegem-no para que zele pela coisa-pública, ou seja, para que garanta a preservação do que é de todos, do que poderemos designar como património comum.

É isso que se pede e se exige a um Presidente. Nem mais nem menos, apenas isso.

Nós, portugueses, não somos coisa-pública à disposição da vontade, capricho ou seja lá o que for do Senhor Presidente.

Alguém devia ter a caridade de lhe explicar isso.




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domingo, 20 de setembro de 2009

Portugal vs Espanha

Jorge Guerra, No cais em Alcântara, Lisboa, 1967
A viabilidade da independência nacional, questão muito controversa desde início, tem-se vindo a colocar cíclica, recorrente e veementemente, sobretudo a partir da Restauração de 1640, considerando os mais derrotistas, não dispor Portugal das condições necessárias, em termos de recursos naturais, económicos e humanos, para a afirmação e manutenção dessa mesma independência.

Em 1640, afirma-se, libertámo-nos de Espanha para cairmos sob o jugo, não menos pesado, de Inglaterra, sem a ajuda da qual o acto de independência dificilmente teria podido ser plenamente consumado.

A afirmação não deixa de ter algo de verdadeiro mas, apesar de tudo, não menos verdadeiro é o facto de, apesar tudo, sempre termos sabido afirmar e termos sabido manter a nossa independência, não obstante o famigerado Tratado de Methwen e todos os muitos outros desmando britânicos.

De qualquer modo, acima de tudo, o que sempre se esquece é que, apesar do jugo e tutela de Inglaterra, não nos transformámos num outro Gibraltar de maiores dimensões, libertando-nos efectivamente de Espanha e, apesar de tudo, sempre tendo sido capazes de recuperar e afirmar um módico mínimo de uma real e efectiva independência.

Com as invasões napoleónicas, em conluio com Espanha, encontrando-se inclusive planeada a desagregação e definitivo desaparecimento de Portugal, foi de novo a ajuda de Inglaterra que nos salvou, pagando nós o alto preço, primeiro, de abrirmos os mares do Sul aos britânicos nas mesmas condições dos nacionais e, logo depois, quase obrigados sermos a conceder na questão da independência ao Brasil, indirectamente devida também aos ingleses e a Inglaterra.

A mesma Inglaterra que, mais tarde, defendendo, como sempre, sem pejo, os seus próprios interesses, não teve igualmente hesitação em proceder ao famigerado Ultimatum, terminando assim também, de uma penada só, com as nossas veleidades africanas de uma Angola de costa a costa.

Esses factos os espanhóis nunca os esquecem como tampouco muitos portugueses que, seduzidos pelo paralelismo entre a História das nações ibéricas, como temos vindo a referir, desde um Oliveira Martins a um António Sardinha, aborrecendo a persistente atitude de pragmática rapina de Inglaterra, acabam, como acabaram os citados, a preferir exaltar quanto sempre nos aproxima de Espanha, esquecendo contudo, ou não valorizando suficientemente, igualmente quanto nos separa e singulariza.

Se olharmos pelos olhos da Europa, de hoje e de ontem, ou do Mundo, os povos ibéricos formam uma unidade única e, quase se diria indissolúvel, não podendo esquecermo-nos nunca da piada de Pascal, não sem fundo de razão, da verdade de aquém e da verdade além dos Pirenéus.

De qualquer modo, sem entrarmos agora nas muito especiosas questões étnicas, o que nos importa aqui salientar é constituir-se Portugal como uma nação Atlântica ou Marítima enquanto Espanha se constutui, de facto, como uma nação Continental, espelhando-se e afirmando-se nessa exacta distinção, não apenas uma radical diferença mas também uma radical incompatibilidade.

A vocação Atlântica ou Marítima de Portugal não se deve tão só a razões de proximidade ao mar, embora tal não deixe de ser significativo, como é evidente, mas, acima de tudo, a razões de ordem Geoestratégia.

Na verdade, não fora a sua vocação Atlântica e Portugal teria sido inexoravelmente absorvido por Castela, tal como sucedeu com os restantes reinos peninsulares, mas não se entenda também essa vocação como mera fatalidade, uma vez que essa vocação foi, acima de tudo, obra de inteligência e da compreensão tida por verdadeiros portugueses do seu superior destino e dos correlatos superiores interesses permanentes da nação.

A vocação Atlântica de Portugal também nada tem de histórico no sentido usualmente atribuído a tal expressão, a não ser, evidentemente, quando se olha para o passado e aí se coloca essa mesma vocação. Mas quem se deixa prender demasiado ao «histórico», ao passado, acaba por deixar de ser capaz de pensar e, por consequência, ver, o futuro.

O que significa a distinção entre uma nação marítima e uma nação continental?

Em muito imediatos e sintéticos termos, no caso de Portugal e Espanha, significa Diogo Cão, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama de um lado e um Pizarro e um Cortez do outro.

Nunca procedemos a uma ocupação territorial como os espanhóis procederam na América do Sul, como nunca mandámos incendiar navios, ou Caravelas, para todos haverem a certeza da impossibilidade do regresso e, consequentemente, lutarem, em terra, pela vida em desespero de causa, como nunca souberam lutar, como nós, no mar.

Nem nós portugueses cometemos alguma vez as atrocidades que holandeses e ingleses viriam a cometer mais tarde quando seguiram na nossa esteira para o Índico e para a Ásia.

Mesmo na Índia, que ainda não o era então, nós combatemos essencialmente os muçulmanos e não os vários povos nativos com os quais fizemos, inclusive, grande amizade exactamente por esse facto, batendo, por exemplo, ao largo de Ormuz, sob o comando do notável Afonso de Albuquerque, uma poderosa, poderosamente equipada e moderna armada anglo-turca, embora, claro, como sempre há quem goste de fazer crer aos suficientes ingénuas que sempre para acreditarem, pouco mais termos tido em toda a notável História da Índia, pouco mais do que a oposição de pobres pescadores, pobremente armados, navegando numa espécie de pangaios pior equipados.

A essa distinção se deve também o disparate da Grande Armada de Filipe II e, não obstante alguma funestas vicissitudes circunstanciais, ao consequente desastre que marcou, em definitivo, o declínio de Espanha nos mares, não deixando, de algum modo, de nos arrastar também.

É essa distinção que marca igualmente, em múltiplos períodos da nossa História, a natural aliança luso-britância como, em múltiplas outras circunstâncias, a aliança franco-espanhola e a sua oposição, ou seja, a natural aliança de potências marítimas em oposição à natural aliança de potências continentais.

É conhecida a caracterização formulada por Jacques Pirenne das nações talassocráticas ou marítimas, e das nações epirocráticas ou continentais, tal como as designou.

As primeiras afirmam-se como nações extrovertidas, abertas, promovendo múltiplas sínteses culturais e civilizacionais de acordo com as relações estabelecidas com terceiros povos, impregnando nos seus cidadãos um acentuado individualismo e gosto pela emulação e concorrência.

Jacques Pirenne via ainda as nações talassocráticas como sociedades essencialmente comerciais, promovendo um tipo de colonialismo mais aberto e tolerante, como hoje se diz, tendendo também para sociedades mais democráticas e de maior mobilidade social.

Ainda na definição de Jacques Pirenne, as nações epirocráticas, as epirocracias, tendem a ser introvertidas, afectando fortes complexos de superioridade, recusando toda a aculturação, agindo por conquista, incorporação, e afirmando-se sempre de forma marcadamente autocrática.

Deveremos, por certo, interpretar a caracterização de Jacques Pirenne com alguma latitude, como sempre sucede neste tipo de caracterizações, bastando olhar para Inglaterra nos gloriosos tempos da Índia, onde nem sequer um escocês poderia ousar ascender aos meios do poder colonial, para perceber os seus limites.

Não obstante, reconhecendo a existência real, radical e irrevogável de distinção caracteriológica entre as nações marítimas e continentais, mais facilmente se compreenderá também a impossibilidade de qualquer efectiva aproximação política entre Portugal e Espanha, para além de um muito bem determinado limite, uma vez que, a partir desse mesmo limite, dada a impossibilidade de sã conciliação de ambas as identidades num só corpo, uma das nações teria, inevitavelmente, de ceder e, dada igualmente a desproporção de meios e força, com facilidade se deduz qual o resultado final a que, não menos inevitavelmente, se aportaria.

É este o ponto crucial.

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domingo, 6 de setembro de 2009

Aliança Peninsular


Pedro Letria - N 41º 56' 14'' O 6º 43' 28''
(Do livro Terraformada - conjunto de fotgrafias tiradas ao longo da fronteira entre Portugal e Espanha, 1996-1977)

O Iberismo, tal como referido no texto anterior, tem assumido múltiplos e diferentes modos ao longo da nossa História, indo desde o desejo de uma verdadeira União Ibérica até uma hipotética Aliança Peninsular, tal como propugnado por António Sardinha, um dos principais, senão mesmo o principal, mentor do Integralismo Lusitano.

Poucos recordarão já o discurso de António Sardinha mas, por estranho desígnio ou ironia do destino, se atendermos aos principais argumentos do seu tão sedutor quanto perigoso discurso, logo compreenderemos também a sua renovada, ou talvez tão só continuada, actualidade.

A mais constante e manifesta preocupação de António Sardinha respeita, sem surpresa, à evidência da contínua, dramática e quase se diria inexorável decadência de Portugal. Desde os idos do século XVI que assim é, sendo-o tanto no que respeita à consciência da decadência quanto à necessidade de olharmos para fora, eventualmente mesmo aqui para o lado, para Espanha, em busca de uma, senão milagrosa, pelo menos promissora, redenção.

No caso particular de António Sardinha, escrevendo no rescaldo do Ultimato Inglês de 1890, do assassinato de D. Carlos em 1908, da implantação da República em 1910, do descalabro da participação portuguesa na I Guerra Mundial, 1914-1918, e não vendo senão desmando e desnorte no Governo da República, António Sardinha chega à conclusão de não haver possibilidade de salvação senão através do estabelecimento de uma firme Aliança com Espanha, ou seja, da afirmação do que veio a designar como uma verdadeira Aliança Peninsular.

Era também preocupação primordial de António Sardinha distinguir o seu conceito de Aliança Peninsular de qualquer ideia de União ou Federação Ibérica como defendido pelo mais vulgarmente designado Iberismo, tal como proposto, muito em particular, por figuras como um Sebastião de Magalhães Lima, republicano, maçom e socialista.

A tese crucial de António Sardinha pode ser sintetizada nos seguintes termos: existindo uma Civilização Ibérica, tal como defendido igualmente por um Oliveira Martins, contraposta a uma Civilização Nórdica, é obrigação de Portugal e Espanha formarem uma verdadeira Aliança, não apenas para melhor se defenderem dos ataques dessa mesma Civilização Nórdica mas, acima de tudo, como única forma de recuperarem uma efectiva capacidade de real afirmação da superioridade da sua Civilização, da Civilização Peninsular ou Ibérica.

Em termos não menos sintéticos, situava António Sardinha a diferença entre a Civilização Nórdica e a Civilização Peninsular ou Ibérica, na distinção entre pessoa e indivíduo formulada por S. Tomás de Aquino, embora, como suspeitamos, de acordo sobretudo com a interpretação dada a tal distinção por Jacques Maritain.

António Sardinha dá como adquirida e perfeitamente estabelecida tal distinção, limitando-se apenas a referi-la, sem mais. Ora, tendo em atenção as primordiais preocupações políticas de António Sardinha, não se afigura errarmos muito se entendermos quanto ter em mente ser, antes de mais, a formulação de Jacques Maritain, contrapondo o conceito de pessoa integral ao conceito de indivíduo, ou seja, o conceito de pessoa como ser eminentemente espiritual e não apenas indivíduo, i.e., como ser tão só dotado de direitos e deveres naturais e civis.

Não podemos esquecer, neste enquadramento, também quanto detestava António Sardinha o liberalismo, tido como uma das causas do agravamento da decadência de Portugal e dos povos ibéricos. É certo, como diria Fernando Pessoa, termos começado a ficar afrancesados com a instauração do liberalismo no início da séc. XIX, para totalmente o devirmos com a implantação da república em 1910, mas, não obstante todas essas e todas as muitas outras possíveis razões políticas passíveis de serem invocadas, a reacção visceralmente anti-liberal de António Sardinha advinha, segundo cremos, acima de tudo, pela incompreensão, negação e repúdio, como sempre sucedeu, de algum modo, com os monárquicos portugueses, de qualquer conceito de liberdade passível de ser entendido e considerado como verdadeiro princípio de doutrina política.

Um ponto interessante ao qual talvez regressemos um dia. Por agora, quanto importa considerar é o facto de António Sardinha, identificando a Civilização Nórdica com o que entendia ser o erro da liberdade, com o liberalismo e, mais do que isso, uma Civilização, acima de tudo, baseada num mero utilitarismo vão e materialista, contrapor a superioridade da Civilização Ibérica como uma Civilização «moral» de «irreprimível instinto universalizador».

Em certos aspectos, poder-se-á igualmente dizer que António Sardinha antecipou, em parte, o movimento de formação de grandes blocos políticos, tal como hoje vemos acontecer, embora, noutra perspectiva, essa sempre tenha sido o movimento natural da História dos povos, movimento de geometria variável, é certo, mas mantendo sempre uma mesma tendência.

Nas suas próprias palavras: «Caminha-se, pois, para o natural agrupamento dos povos, ou raças de igual formação e directriz, _ para blocos determinados por afinidades de civilização, em que o elemento moral anteceda o elemento político, originando a aproximação e o vínculo que o consolidará. Tal o imenso, o incomensurável valor do Hispanismo»

Olhando e revendo a História das nações ibéricas, António Sardinha nota, essencialmente, o paralelismo, que existe, de facto. Todavia, afigura-se-nos também ir longe de mais quando, acentuando quanto possivelmente as une, esquece ou subvaloriza quanto as distingue.

Nessa perspectiva, António Sardinha não deixa sequer de enaltecer o reinado dos Filipes, um dos momentos mais tristes da nossa História, como um dos momentos culminantes.

Prestando homenagem, sobretudo, a Filipe II, por ter mantido a sua palavra das Cortes de Tomar, ou seja, de manter as prerrogativas de Portugal intocáveis, não lembra a contínua, perversa duplicidade de toda a sua acção política e diplomática política durante o reinado do seu sobrinho D. Sebastião, conduzindo-o, inclusive, a crer numa ajuda que nunca fez tenção de conceder, para a campanha africana que viria a resultar no desastre de Alcácer Quibir.

António Sardinha bem pode invocar Jerónimo Osório entre muitos outros notáveis da época favoráveis à legitimidade de Filipe II, mas sabe-se também como a maioria da dita nobreza portuguesa foi sendo paulatinamente comprada pelo sinistro Cristóvão de Moura a mando de Filipe e, não obstante ser dito do pobre António Prior do Crato só o não ter sido também por aumentar constantemente o seu preço, o facto é que, todo o seu subsequente comportamento, batendo-se corajosa mas vã e ingloriamente pela independência nacional, de algum modo o redimem.

Para António Sardinha nada disso conta, como, por estranho que se afigure, não conta também o propósito do Conde Duque de Olivares de transformar Portugal numa província, como se tal acto ou tentativa não fosse a tendência e o desfecho lógico da união das coroas de Portugal e Espanha mas apenas um incidente episódico e sem importância.

Mais estranho ainda, e algo ingénuo, é o argumento de António Sardinha segundo o qual, fazendo Portugal parte de Espanha (Hispânia), entendido no sentido geográfico, não poderá deixar de fazer parte de Espanha, como conceito político, esquecendo, uma vez mais, as insidiosas e perversas razões subjacentes à escolha de tal designação pelos Reis Católicos após a reunião das coroas de Castela e Aragão.

Para António Sardinha, como para todos os Iberistas, sejam quais forem, advoguem o que advogarem, União, Federação, Aliança ou seja lá o que for, o receio, legítimo, de sermos reduzidos a uma província espanhola, não passa de uma tara.

Bem pode António Sardinha proclamar constituir-se o problema do «hispanismo» como um problema de cultura, argumentando que «se a pátria nos aparecesse, como realmente é, como uma alma, como um génio, não nos temeríamos decerto de insensatas e impraticáveis absorções».

O mesmo argumento é reversível, i.e., por a Pátria nos aparecer como realmente é, segundo as palavras de António Sardinha, «como uma alma, como um génio», é que toda União, Federação ou simples Aliança, se afigura perigosa. Mas é necessário perceber exactamente o que o conceito de Pátria significa, o que, para António Sardinha, nunca surge inequivocamente afirmado porquanto tanto é «uma alma, um génio» como não deixa também de escrever: «uma pátria, uma nacionalidade, é sobretudo uma massa humana, dotada de continuidade e permanência» …

Podemos compreender que António Sardinha deteste os ingleses, tanto quanto se sabe como, ao longo da História, a sua ajuda nunca foi altruísta mas sempre pautada pela defesa, acrescento e engrandecimento dos seus próprios interesses. Bem se sabe tudo isso, como bem se sabe sempre ir a tese dos espanhóis no mesmo sentido, ou seja, sempre gostarem de afirmar e nunca deixarem de acentuar quanto Portugal perdeu com a Aliança Inglesa, vendo-se, não poucas vezes, mesmo na contingência de condescender além de todos os limites, chegando a pontos extremos quase mera subserviência política. E tudo isso em nome de quê? Em nome de uma independência que os espanhóis não compreendem, não aceitam, e, infelizmente, António Sardinha também parece não valorizar.

Tudo quanto se diga do deplorável comportamento dos ingleses em relação a Portugal em tantas e tão distintas situações, talvez não seja nunca demais e até mesmo justo seja, mas, não obstante, atendendo mesmo a tudo quanto nos vimos obrigados a ceder, atendendo mesmo a tudo quanto a essa Aliança, a mais velha da Europa, nos vimos obrigados a ceder, insofismável é a o facto de lhe devemos a nossa independência. Independência paga com língua de palmo? Sem dúvida, mas independência, ainda assim.

É sedutor rever o paralelismo da História de Portugal e Espanha e concluir por uma nunca provada vantagem competitiva de uma possível Aliança Peninsular para defesa de interesses comuns. A História não permite tal dedução nem os tempos recentes indicam que tal alguma vez seja possível. Na realidade, se fosse esse o caminho natural, tal não teria deixado de se manifestar desde a entrada de ambas as nações ibéricas na Comunidade Europeia, hoje União Europeia.

Poderia ser diferente? Em abstracto, poder-se-ia responder afirmativamente mas o facto é que, pela desproporção de meios, tanto em relação aos interesses convergentes como quanto aos interesses divergentes, como por uma bem vincada atitude histórica, na realidade, tal não é possível. E não é possível, desde logo, porque Espanha não olha para Portugal em situação inter-pares mas como uma área de interesse próprio que lhe está subtraída apenas por mero acidente histórico.

Será atavismo ou tara do patriotismo português o receio de sermos reduzidos a uma província espanhola, como escreve António Sardinha? Sê-lo-á mas, vislumbrando-se esse perigo, mesmo que apenas vislumbrado seja, a primeira obrigação de portugueses é do mesmo nos defendermos estrenuamente, sem hesitação nem desfalecimento.

Razões e argumentos de acréscimo de poder, seja económico, seja político, sempre estiveram na base de legitimação de todas as diferentes formas de Iberismo, assumam as figuras jurídicas que assumirem, União, Federação, Aliança Peninsular ou seja lá o que for. Porém, tais razões e argumentos só se justificariam se a independência de Portugal, desde início, respeitasse ou visasse, de algum modo, essa mesma forma de poder, fosse económico ou político, no sentido mais imediato e comum. Porém, não é nem foi assim. As razões de independência de Portugal são mais elevadas, diríamos mesmo, de ordem transcendente, e por isso mesmo, irredutíveis.

Não significa isto que não possamos olhar ou aproximarmo-nos de Espanha numa perspectiva estratégica. Significa apenas que não devemos nem podemos iludirmo-nos e que, para além de todos os interesses que nos unem, devemos atender, compreender e ter ser sempre presente, para além de tudo quanto nos une, tudo quanto irremissivelmente nos distingue, como seja, por exemplo, o facto de Espanha ser eminentemente uma Nação Continental e Portugal uma Nação Marítima ou Atlântica.


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